O premiado ator americano Stanley Tucci (do recente “O Conclave”) passou 12 meses anotando, dia após dia, todas as suas refeições — e as memórias que elas despertavam. O resultado é o livro “O que Eu Comi em um Ano” (editora Intrínseca), um diário de degustações, reflexões, viagens, filmagens e encontros à mesa com amigos, familiares e colegas de trabalho (entre eles diversos astros de Hollywood).
No recorte a seguir, Tucci leva o filho para jantar em um restaurante londrino especializado em carnes. E, depois de garfadas e taças de vinho, entrega uma consideração sobre o tempo, a morte e a herança afetiva que deixamos.
Hoje à noite levei meu filho mais velho, Nicolo, ao St. John. É um dos muitos restaurantes de propriedade de Fergus Henderson, que também os administra.
O St. John original abriu as portas em 1994 e deu início a uma nova onda na culinária inglesa. Tudo gira em torno da carne. Muita carne, de todos os tipos. Receitas que vão do focinho ao rabo. Desperdiça-se o mínimo possível.
Não se trata de uma rede de restaurantes, pois, embora todos tenham uma estética urbana rústica — paredes brancas, mesas simples de madeira, encanamento à vista, cardápios de papel ou em lousas grandes —, os pratos do dia variam um pouco de lugar para lugar.
Hoje fomos a um novo estabelecimento do grupo, um local pequeno em Marylebone. Bebi uma taça de vinho branco pungente enquanto esperava por Nicolo, que chegou logo depois.
Após se formar em ciências políticas na Universidade de Sussex, Nico está estudando na Leiths, uma escola culinária de Londres, para se tornar chef. (Não vou fingir que não fiquei animado quando ele me disse que queria se tornar chef em vez de político.)
Ele se saiu muito bem na universidade e está tendo um desempenho excelente em Leiths. Em suma, nasceu para isso.
Tem todas as características necessárias a um grande chef: o talento nato, a imaginação, a determinação e a natureza exigente. E é um cara bonito. E um sujeito formidável. Vou parar de me exibir. Eis o que comemos:
Torrada com queijo derretido à moda galesa frita
Barriga de porco Middle-White com mostarda Torrada de anchova e salada de salsa
Linguado ao limão com molho tártaro
Fígado de vitela com chicória refogada e nozes em conserva
Salada cunha
Uma garrafa de Chablis
Estava tudo incrível. Incrível.
Após o jantar, cada um seguiu seu caminho. Nico voltou ao apartamento que divide com a irmã gêmea, Isabel, e uma amiga deles e eu voltei para casa. Eles já não moram conosco e, a menos que ocorra algum desastre, talvez jamais voltem a morar.
Sei que é um clichê, mas parece que ontem mesmo eu os segurava, um em cada braço, embalando os dois com canções, vendo os sorrisos suaves de ambos enquanto adormeciam. O tempo passa rápido demais.
Sempre ouvi essas palavras ditas por pessoas com a idade que tenho hoje, mas não entendia realmente o que queriam dizer. Agora entendo.
Quanto mais lentos nos tornamos, mais rápido o tempo passa. Como? Por quê? Será porque enfim entendemos o tempo e conseguimos vislumbrar quanto nos resta
Aos 63, provavelmente ainda tenho uns 20 anos de vida, ou 30, se eu for muito sortudo. Ocorre que agora, ao contrário de quando era jovem, eu sei o que são 20 anos. Eu sei o que são 30 anos. Não são nada. Apenas um lapso de vida.
Por isso as pessoas entram em pânico. Eu, pelo menos, entro. Portanto, penso na morte com frequência. Muita frequência. Frequência excessiva, talvez. Penso nela de forma sincera.
Pensamentos sobre a morte, tanto a minha quanto a dos outros, sempre estiveram muito presentes em minha mente. A morte foi parte importante da minha formação, não apenas por ser um tema bastante discutido na cultura do sul da Itália, mas também porque o pai do meu pai era um lapidário e dono de negócio de monumentos fúnebres.
A morte estava duplamente presente. Meu pai, um artista, e meu tio, um arquiteto, muitas vezes projetavam lápides para o negócio, que se chamava Stanley Tucci and Sons. A maioria dos domingos durante minha infância transcorreu no cemitério Peekskill, onde muitos dos monumentos criados por minha família ao longo de décadas ainda estão de pé.
O jazigo da família Tucci, projetado por meu pai, é um deles, e costumávamos visitá-lo regularmente para recordar minha avó paterna, que jazia ao lado da filhinha, que morreu aos dois anos, e de outro parente, que faleceu poucos dias após nascer. Com o passar dos anos, meu avô foi ocupar o lugar dele no jazigo, assim como tios e tias, e um dia meus pais irão para aquele mesmo solo.
O espaço foi projetado para receber muitos membros do clã Tucci. Morte com grande planejamento.
É uma honra saber que meu nome será inscrito naquele bloco de granito, mas espero que alguém também plante, em algum lugar, uma árvore como lembrança. Uma oliveira. Oliveiras são tão úteis, e eu gostaria de ser útil de alguma forma, mesmo depois de morto.