Na comunidade de Rio das Pedras, na zona oeste do Rio de Janeiroo cotidiano dos moradores já não é mais ditado por leis ou pela autoridade pública — mas por regras impostas à força por uma milícia que há décadas domina a região.
A mais nova investida do grupo criminoso consiste na transformação forçada das ruas em “condomínios privados”, com a instalação de portões e a cobrança de uma nova taxa pela posse das chaves, além de mensalidades obrigatórias.
Desde fevereiro, aproximadamente 15 portões metálicos já foram erguidos em vias públicas. A meta, segundo relatos locais, é alcançar 80 estruturas semelhantes. O pretexto: segurança. A realidade: mais um mecanismo de controle e extorsão.
Condomínio NarcoVille, Rio das Pedras – RJ pic.twitter.com/eervhr65py
– Luvas Rafael (@rafaelgloves) 12 de abril de 2025
A entrega da chave ao morador custa R$ 400 — valor exigido em dinheiro vivo, sem recibo nem contestação. A partir daí, cada residência passa a ser taxada em R$ 50 mensais. “Quem não paga é intimidado”, revelou um dos moradores à GloboNews, sob anonimato. “Não tem negociação. O método é o de sempre: arma apontada, gritos e humilhação.”
Essa nova “mensalidade” se soma a uma longa lista de cobranças extorsivas que sustentam o império clandestino da milícia em Rio das Pedras — comunidade que, segundo o IBGE, é a quinta mais populosa do Brasil e a segunda em número de residências.
O crime como modelo de negócio
A estrutura de exploração operada na comunidade remonta a um modelo miliciano consolidado há mais de três décadas: serviços essenciais são sequestrados, convertidos em monopólios ilegais e transformados em fonte de lucro. Tudo à base da coerção.
Gás, água, internet, eletricidade — nada é fornecido sem o aval dos criminosos, que controlam inclusive os meios de distribuição. Um botijão de gás, que poderia ser encontrado a preços menores, é vendido a R$ 150. Desse valor, R$ 35 vão diretamente para a milícia. O garrafão de água mineral de 20 litros, vendido a R$ 15, carrega embutido um repasse de quase 50% ao crime organizado.

Não há escolha nem quando o assunto é energia. O famoso “gato” não é uma opção ilegal tomada por necessidade, mas uma imposição. O custo da instalação clandestina: R$ 400 para residências e até R$ 1 mil para comerciantes. O uso mensal gera mais cobranças: R$ 100 para moradias e até R$ 3 mil para empresas, conforme o porte.
E não para por aí. Os comerciantes da região enfrentam um verdadeiro cerco tributário extraoficial. Pagam 10% sobre cada produto vendido, além de uma taxa de segurança que varia entre R$ 50 e R$ 350 por semana. Estima-se que existam mais de 4 mil estabelecimentos comerciais em Rio das Pedras, o que transforma o setor em um dos pilares de arrecadação da milícia.
“É a lei”, declarou um comerciante à GloboNews. “Ou paga, ou fecha.” A fala resume o ambiente de chantagem e insegurança. “Quem não paga tem o comércio fechado”, acrescentou. “Muitos estão falindo ou voltando para o Nordeste.”
Território silenciado pela milícia
A paisagem noturna na comunidade é marcada pela presença ostensiva de homens armados. A “lei da mordaça” é silenciosa, mas eficaz. Moradores se comunicam apenas por mensagens de texto, nunca por áudios, e evitam menção pública à realidade em que vivem.
“À noite, é o terror”, relatou um morador. “Passam homens armados, fazendo ronda. Todo mundo finge que não vê, porque se falar, paga com a vida. Rio das Pedras pede socorro.”
+ Leia mais notícias do Brasil em Oeste
A sensação de abandono não é injustificada. Mesmo depois da prisão do chefe da quadrilha no mês passado, segundo a Polícia Civil, a estrutura criminosa segue intacta. Os milicianos operam com métodos cada vez mais sofisticados de dominação.
A Polícia Militar afirma que está intensificando o policiamento e trabalhando em conjunto com a Polícia Civil para reunir informações. No entanto, os moradores seguem descrentes da efetividade dessas ações, diante da continuidade das cobranças, ameaças e da ocupação territorial imposta pelos milicianos.
A ausência do Estado como regra
A tragédia silenciosa que se desenrola em Rio das Pedras expõe, com crueza, o colapso institucional em certas áreas do Brasil urbano. A inexistência do poder público, somada ao avanço de grupos armados, transforma cidadãos em reféns de um sistema paralelo — onde não há justiça, apenas imposição.
Enquanto autoridades anunciam operações pontuais e prisões simbólicas, o cotidiano segue regido por regras que jamais foram aprovadas, mas que são obrigatórias. E o custo da submissão não é apenas financeiro. É psicológico, social, humano.
A história de Rio das Pedras, embora extrema, não é isolada. Representa uma ferida aberta no tecido urbano do país — uma mancha crescente que só será estancada com presença efetiva, ação estratégica e coragem política.