Na última quinta-feira (17), o influenciador Felipe Neto explicou ao vivo, durante longas duas horas e meia, o processo de sua conversão à militância de esquerda.
Intitulado “A história não contada do maior youtuber do Brasil”, o seminário online marcou o aniversário de quatro anos do Instituto Conhecimento Liberta (ICL) – que, apesar do nome, é uma empresa de cursos e mídia comandada pelo economista Eduardo Moreira, ex-sócio do banco Pactual.
No evento, apresentado pelo próprio Moreira, Neto repetiu as informações contidas em seu novo livro, ‘Como Enfrentar o Ódio’. Ele conta, basicamente, como se transformou de propagador em objeto da raiva de boa parte da sociedade.
“Quando a gente é pobre, é ensinado a defender e proteger rico”, disse o influenciador. De origem humilde, ele se justifica dizendo que tinha uma visão de mundo baseada nas opiniões de seu tio – um “radical de direita que culpa a esquerda por todos os problemas do mundo”. “É um tipo muito comum nas famílias brasileiras”, afirmou.
Ao contrário de Felipe Neto, Eduardo Moreira nunca foi pobre. No entanto, como o youtuber, também virou a casaca, politicamente falando, depois de se tornar bem-sucedido profissionalmente e milionário.
Agora, os dois estão juntos em uma empreitada ambiciosa: transformar o ICL em um grande grupo de comunicação progressista.
Anunciado em julho como novo sócio da empresa, Neto chega com a missão de trazer novas ideias e, principalmente, usar sua fama para ampliar a audiência.
“O Felipe vai ajudar a gente a dar o próximo passo para disputar com a mídia corporativa no Brasil”, disse Moreira quando a parceria foi divulgada.
“Esquece a Jovem Pan. Jovem Pan não tem que ser rival do ICL. Porque está comendo poeira e vai comer muito mais poeira ainda”, afirmou o influenciador.
“Existe uma doença no Brasil chamada Brasil Paralelo”, afirma Moreira
Mas não é bem assim. O canal jornalístico do grupo no YouTube, o ICL Notícias, tem sido líder de audiência em seu segmento apenas durante a faixa da manhã – e não possui, nem de longe, a capilaridade da Jovem Pan, com sua extensa rede de rádios e presença na tevê por assinatura.
Além disso, a empresa liderada pelo ex-banqueiro ainda não se firmou no mercado dos documentários politizados, no qual também aposta e é dominado pela produtora Brasil Paralelo, de viés conservador.
Em uma live promovida em agosto pelo site de esquerda Brasil 247, Eduardo Moreira disse que “existe uma doença no país chamada Brasil Paralelo”. “Esses caras investem muito na parte estética, lançam aqueles trailers super bem feitos, mas vendem um conteúdo perigosíssimo.”
Na ocasião, Moreira divulgava um documentário do Instituto Conhecimento Liberta chamado ‘Vai pra Cuba, Eduardo’, que mostra sua primeira viagem à ilha do Caribe e conta com uma finalização mais burilada em comparação aos outros títulos do gênero produzidos pelo grupo.
Meses antes, no entanto, o ICL havia sido bem mais agressivo em sua tentativa de concorrer com a Brasil Paralelo. Lançou uma série chamada ‘Máquina de Moer Reputações’, sobre “as estratégias das milícias digitais e empresas de produção de conteúdo ligadas à extrema direita para atacar a credibilidade de pessoas que defendem pautas humanitárias”.
São três episódios que rebatem o viés crítico com o qual a produtora conservadora aborda, em seus conteúdos, a trajetória de três personagens cultuados pela esquerda brasileira – Marielle Franco, Maria da Penha e Paulo Freire.
“A extrema direita tem um plano perverso para manchar a imagem de grandes defensores da democracia”, diz a campanha de promoção da produção.
Empresário diz que seria muito mais rico se não produzisse jornalismo
Surgido como uma plataforma de educação, o ICL hoje oferece mais de 300 cursos online mediante o pagamento de uma assinatura mensal. Há desde aulas técnicas (finanças, línguas, marketing digital) até palestras ministradas por figurinhas carimbadas da esquerda – como Leonardo Boff, Marilena Chauí, Jandira Feghali e Márcia Tiburi.
Em entrevista à Gazeta do Povo, Eduardo Moreira explica que os recursos utilizados para produzir o canal de notícias no YouTube e os documentários vêm justamente da venda desses treinamentos.
“O jornalismo para mim é um centro de custos. Eu sou um cara rico, dentro do padrão brasileiro, e poderia ser muito mais rico se não trabalhasse com jornalismo”, diz o empresário, que injeta todo mês cerca de R$ 1 milhão no ICL Notícias – cuja equipe conta com nomes como Chico Pinheiro, Heloísa Vilella, Xico Sá, Juca Kfouri e Cristina Serra (todos com passagens pela Globo ou por canais pagos do grupo).
Segundo ele, sua incursão pela imprensa vem de um desejo de participar do debate diário sobre as grandes pautas e da chamada disputa de narrativas. “Meu objetivo é lutar pela história que é contada para as pessoas.”
Moreira revela que o Instituto Brasil Liberta fechou 2023 com um custo total de R$ 36 milhões e faturamento de R$ 40 milhões. O dinheiro que sobrou foi investido em novos programas para o YouTube e na área de documentários.
“Se tivermos lucro de novo neste ano, queremos entrar no entretenimento e produzir séries ficcionais. Adoraria fazer um ‘Succession’ brasileiro, por exemplo, até porque já vivi muito naquele mundo”, diz, referindo-se ao drama da HBO, sucesso de crítica e audiência nos EUA, sobre o dono de um conglomerado de comunicação que deve decidir qual de seus filhos vai assumir o controle da companhia.
Questionado acerca de seu passado “despolitizado”, usado pela direita e até por alguns setores da esquerda (desconfiados de sua origem privilegiada e ligação com o mercado financeiro) para atacá-lo, Moreira afirma que as pessoas não devem ser “escravas do que já foram”.
“Se a gente na vida não tiver o direito de mudar, então pega todo mundo que já errou uma vez e mata. Eu não posso ver uma coisa nova e dizer ‘agora acredito nisso’? Todas as grandes figuras religiosas, dos santos aos mestres orientais, são exemplos de transformação”, diz, citando, sem receio de soar pretensioso, Sidarta Gautama e Jesus Cristo.