Nascido em Curitiba em 14 de junho de 1925, Dalton Jérson Trevisan dedicou oito décadas da vida quase centenária à literatura. Ao longo da segunda metade do século 20 foi festejado porquê um dos maiores escritores da contemporaneidade, mas também acumulou renome de recluso e abraçou de bom grado a epíteto de “vampiro de Curitiba”.
Apos a morte do responsável, nesta segunda (9), aos 99 anos, a Publicação do Povo destaca algumas das características que marcaram a trajetória do lendário curitibano. Confira:
Início renegado
Confira:
Dalton Trevisan considerava “Novelas Nada Exemplares” (1959) porquê seu livro de estreia, apesar de sua curso literária ter se iniciado anos antes do lançamento que lhe rendeu o primeiro de quatro prêmios Jabuti que colecionou durante a vida.
Em 1945 e 1946, respectivamente, Trevisan já havia disposto no mundo duas novelas: “Sonata ao Luar” e “Sete Anos de Pastor”. Eram livros de publicação própria que foram renegados pelo responsável, assim porquê as publicações iniciais de seus contos, tanto em panfletos independentes quanto em jornais e revistas da cidade.
Essas publicações “extraoficiais” de seus contos não contaram com o afeto do responsável, mas foram uma prática manente dele nos primeiros anos de produção. Trevisan tinha por hábito oferecer os textos para publicação em jornais. Quando não repercutiam, ele mesmo escrevia ao periódico, anonimamente ou sob pseudônimo, para criticar o raconto e gerar burburinho.
O perfil recluso do “vampiro de Curitiba”
Multipremiado e incensado porquê um dos maiores contistas que a literatura já produziu, Dalton Trevisan poderia gozar da notoriedade que vem a reboque com o sucesso, mas era avesso a quaisquer badalações. Evitou os holofotes mesmo quando foi laureado com o Prêmio Camões, o maior da Literatura em Língua Portuguesa, em 2012. Em seu lugar, voou para Portugal uma representante da editora Record (que o publicava desde 1978).
No Instagram, o ator e diretor teatral João Luiz Fiani, que tinha relação profissional com Dalton desde 1989, quando participou do espetáculo “Mistérios de Curitiba”, chega a ver alguma ironia na morte aos 99, já que, assim, Dalton escapa às homenagens que certamente virão em 2025. “O irônico disso tudo é que ele foi embora aos 99 anos… Por que ironia? Por que com certeza seria muito homenageado pelo seu centenário! E isso ele detestava. Qualquer reverência o irritava!”, escreveu.
A obra é mais importante que o responsável, defendia Dalton Trevisan – e por essa razão, dizia ele, não queria que os interesses recaíssem sobre si. Não admitia que lhe tirassem fotos e tinha horror de ser reconhecido em público (mormente se o interlocutor fosse jornalista: a última entrevista que concedeu remonta a 1972). Tal predileção por manter-se em alguma medida no anonimato fez com que – além do posto de gênio literário – Trevisan ganhasse também a renome de recluso e o sobrenome de “vampiro de Curitiba”, emprestado de sua obra homônima.
Depoimentos colhidos no decurso dos anos dão conta de que Dalton resistia a qualquer contato cuja iniciativa não partisse dele próprio. Essa aversão permanente a abordagens alheias ou a convites para eventos, festivais e afins fez substanciar o mito do “vampiro” e a aura inatingível que Dalton se esmerava em cultivar – e que acabou por proteger o estilo de vida humilde que o repórter levava na cidade onde nasceu e morreu.
Curitiba de Dalton, Dalton de Curitiba
As murado de cinquenta obras publicadas por Dalton Trevisan em toda a sua curso têm Curitiba porquê elemento indissociável. Para além de ter deixado logradouros da cidade marcados em suas páginas, da terreiro Tiradentes à rua Dr. Muricy (onde encerrou seus dias), Dalton Trevisan deu dimensão universal aos habitantes da cidade, sempre retratados em temas banais, do paixão à violência, de modo cru e direto.
É universal, também, a própria capital paranaense, que não surge porquê simples cenário, mas porquê protagonista, de tratado com Roberto Nicolato, rabi e doutor em Estudos Literários pela Universidade Federalista do Paraná.
“A maior parte da obra de Dalton Trevisan retrata Curitiba dos anos 1940 e 1950, que é uma Curitiba da memória, mas teve ‘Pico na Veia’, de 2002, que trata de temas mais modernos. Fala sobre drogas, sobre meninos de rua, sobre a violência urbana. A Curitiba que Dalton viaja [em sua obra] é mesmo essa Curitiba mais tradicional e ele é um pouco saudosista nesse sentido, mas não é uma literatura que parou no tempo”, frisa o repórter e jornalista.
Ao olhar para uma cidade que “perdeu a medida”, saindo dos 200 milénio para 2 milhões de habitantes, Trevisan faz sua sátira observando o micro, com estilo e qualidade literária capazes de solevar sua obra para além do lugar. “É um autor de dimensão universal, mesmo falando dos dramas provincianos, das pequenas traições, da solidão e das pessoas ‘pequenas’, marginalizadas. É uma obra que vai permanecer”, sentencia.
Neste sentido, o repórter, professor e crítico literário Miguel Sanches Neto, que foi próximo de Dalton Trevisan por volta dos anos 2000, rememora uma relação próxima do devocional de responsável para com a literatura e um interesse manente em trazer para a sua obra personagens capazes de refletir a quesito humana.
“Dalton colocou para falar os personagens mais periféricos, desde o agricultor provinciano, os marginais de uma maneira geral, os assassinos, as prostitutas, os gigolôs, as travestis, os viciados. Uma marginália muito curitibana na sua configuração, mas de personagens universais, no sentido de que representam a condição humana que se manifesta dentro de Curitiba. São personagens fortes, muitas vezes polêmicos, que não assumem nenhuma visão moralista da sociedade. Veem o mundo a partir da própria experiência degradada. Isso também torna a obra do Dalton extremamente atual”, acredita.
Revisar, revisar, revisar
Miguel Sanches Neto destaca que Dalton Trevisan era avesso a qualquer tipo de texto mais barroco. Buscava sempre uma literatura mais direta, num estilo vocal, próximo da fala das pessoas. Coligado a isso, surgia ainda uma possante preocupação com a revisão e a reescrita.
Hábito cultivado desde o início de sua trajetória literária (e que pode ter levado o responsável a renegar suas primeiras incursões porquê repórter), Dalton Trevisan revisitava com frequência seus escritos anteriores e os editava. Cortava palavras e editava contos já publicados, rendendo versões aprimoradas a cada novidade edição de suas obras.
“Ele foi reinventando a sua escrita através da concisão. Ele era um artífice da linguagem”, afirma Nicolato. Segundo o jornalista e repórter, Dalton Trevisan se debruçava sobre os contos num tirocínio que não limava significados, mas os aprimorava, tornando a obra mais sofisticada com o passar do tempo (ou das revisões).
“Ao longo do dos anos, isso vai dando mais dimensão ao próprio texto. É similar o que acontece com os temas. Em ‘Novelas Nada Exemplares’, que o projetou no cenário nacional da literatura, ele já estava antecipando todos os temas e a linguagem que iria usar em toda a obra. A partir daí aqueles contos vão ser reescritos, cortados, reduzidos, mas num discurso que não se empobrece. É um discurso polissêmico, que tem muita potência”, complementa.
“Mas sem mudar uma vírgula”
Apesar de se debruçar com frequência sobre as próprias linhas, dando origem a novas versões de seus contos a cada novidade edição, Dalton sempre resistiu à adaptação de terceiros, o que limitou, por exemplo, a transposição da sua obra para os palcos.
A primeira adaptação de Dalton para o teatro aconteceu em 1990, com a montagem de “Mistérios de Curitiba”. Posteriormente veio “O Vampiro e a Polaquinha”, de 1992, ambas dirigidas por Ademar Guerra (1933-2003). A segunda peça reunia contos de uma série de obras, com destaque para “O Vampiro de Curitiba” e o texto de “A Polaquinha”, único romance de Dalton, com falas ipsis literis conforme as obras.
A partir de portanto houve outras montagens com direção de Marcelo Marchioro, Felipe Hirsch além de diversas adaptações de João Luiz Fiani, com autorização do responsável.
No cinema, a única obra de Dalton que chegou à tela grande foi “A Guerra Conjugal”. Publicado em 1969, foi ajustado em 1976 com direção de Joaquim Pedro de Andrade.