A Câmara dos Deputados da Itália aprovou nessa terça-feira (20) o Decreto-lei apresentado pelo governo da primeira-ministra Giorgia Meloni que limita o acesso de cidadania por descendência.
Com a votação, o Parlamento validou definitivamente a lei. O projeto já havia passado pelo Senado na última quinta-feira.
A Itália concede sua nacionalidade seguindo o princípio do “jus sanguinis” (direito de sangue) sem limite de gerações. O decreto-lei do governo Meloni, no entanto, busca restringir a concessão do documento a filhos e netos de italianos, excluindo as demais gerações.
Ou seja, o solicitante precisar ter um dos pais – biológico ou adotivo – ou avós portadores exclusivamente da cidadania italiana. Também haverá concessão se o pai ou a mãe de um solicitante nascido no exterior tiver residido “por pelo menos dois anos consecutivos” no país europeu após obterem a cidadania e antes do nascimento do solicitante.
Os descendentes de italianos que se naturalizaram brasileiros perdem o direito, de acordo com o novo decreto-lei, mesmo que cumpram os requisitos das duas gerações.
As mudanças já estão em vigor?
Confira:
- 1 As mudanças já estão em vigor?
- 2 O direito à cidadania italiana foi extinto para outras gerações?
- 3 Tenho cidadania italiana por meio de pais ou avós. Posso transmitir o direito ao meu filho?
- 4 Já iniciei meu processo no consulado italiano. O novo decreto me afeta?
- 5 O Decreto-lei pode ser barrado pela Suprema Corte italiana?
Sim. Tammy Cavaleiro, advogada especialista em cidadania europeia e sócia da empresa Você Europeuexplica que o decreto-lei, de forma provisória, já está em vigor desde o dia 28 de março deste ano.
“O que acontece é que, se o Parlamento italiano não o aprovasse, ele perderia a vigência, mas isso não aconteceu. O senado aprovou o texto – com emendas – no dia 15 de maio, e a Câmara seguiu a decisão do Senado. Agora, o decreto-lei segue para a sanção do presidente Sérgio Mattarella”.
O direito à cidadania italiana foi extinto para outras gerações?
Não. A advogada Mariane Baroni, diretora jurídica da Master Cidadania que atua há mais de 20 anos diretamente na Itália com reconhecimento de cidadania o direito de sangueexplica que “o direito à cidadania italiana não foi extinto. Ele apenas deixou de ser acessível por vias administrativas para determinadas gerações”.
Segundo a jurista, o decreto bloqueou o agendamento de processos em consulados e comuni – unidades administrativas dentro da Itália – para descendentes além da segunda geração, inviabilizando a obtenção da cidadania por vias administrativas.
“Com isso, a alternativa viável passa a ser exclusivamente judicial, caminho que já vinha sendo utilizado por milhares de famílias, especialmente nas chamadas “ações contra filas”. De acordo com Baroni, “o Judiciário italiano continuará a reconhecer esse direito com base na Constituição e na jurisprudência consolidada”.
Tenho cidadania italiana por meio de pais ou avós. Posso transmitir o direito ao meu filho?
Em alguns casos. Tammy Cavaleiro, da Você Europeuexplica que o Decreto-lei “abriu uma janela para filhos menores de idade de italianos nascidos no exterior solicitarem a nacionalidade italiana até o dia 31/05/2026”. Segundo a jurista, haverá uma regulamentação própria da lei que explicitará o fluxo dessa solicitação na prática.
Já iniciei meu processo no consulado italiano. O novo decreto me afeta?
Incerto. De acordo com Cavaleiro, ainda não há uma definição clara a esse respeito. “Ficou confuso quando será efetivamente considerada a data do protocolo no consulado. Mas acreditamos que nos próximos dias os próprios consulados vão se manifestar a respeito para definir regras mais claras de quem teve o seu processo protocolado”.
O Decreto-lei pode ser barrado pela Suprema Corte italiana?
Sim. Fábio Dias, sócio cofundador do FdS Advogados e parceiro da empresa Cidadania4Udiz que existe uma possibilidade muito real da Suprema Corte declarar a inconstitucionalidade da lei, “o que não exatamente vetar a lei. o projeto se converterá em lei e, como lei, será válida. Mas a corte constitucional na Itália, assim como em outros países ocidentais, faz um controle a posteriori de constitucionalidade, ou seja, ela analisa uma lei que já faz parte do ordenamento jurídico, que passou pelo Parlamento e pela sanção presidencial, e ela confronta essa lei com a Constituição”.
“Se a Corte entender que a lei está em desacordo com a Constituição, uma vez que a lei tem um nível hierárquico inferior ao ordenamento constitucional, o que acontecerá é a declaração de inconstitucionalidade e ela para de gerar efeito”, explica.
“Em caso de entendimento de inconstitucionalidade da lei, é como se ela nunca tivesse existido. Na prática, isso significa que aquela norma deixa de ser aplicada e passa a valer a lei antiga, neste caso a de 1992”, informa Dias.
O jurista destaca que há um consenso jurídico de que o Decreto-lei é “absolutamente inconstitucional”.
“Seja pela retroatividade, que viola o direito adquirido de milhões de pessoas, seja pela violação do princípio da isonomia – pela diferenciação entre cidadãos italianos que têm ou não têm dupla cidadania – ou seja pelo rito legislativo escolhido do Decreto-lei que só deveria ser aplicado em uma matéria em que há urgência. Por tanto, há uma grande expectativa de que a lei seja derrubada pela Corte constitucional”.