Ofuscado pelo “caso Diddy”, um outro escândalo perturbador envolvendo uma personalidade da escol americana acaba de voltar aos holofotes: a ação enfrentada por Mike Jeffries, ex-CEO da marca de voga Abercrombie & Fitch, réu de operar uma rede de prostituição masculina e tráfico sexual.
Recluso em outubro de 2024 e liberado depois o pagamento de uma fiança no valor de US$ 10 milhões (R$ 62,8 milhões na cotação atual), ele corre o risco de ser sentenciado à prisão perpétua pelo aliciamento de ao menos 15 vítimas — número que pode chegar a 100, segundo os promotores.
Mas um indumento novo, surgido na semana do Natal, causou uma reviravolta no processo: Jeffries, de 80 anos, foi diagnosticado com demência e Alzheimer de início tardio. Agora, os advogados do empresário questionam sua capacidade de compreender racionalmente a situação.
Uma audiência de conhecimento foi marcada para junho, com o objetivo de prescrever se o réu está realmente capaz para enfrentar o julgamento. Enquanto isso, os acusadores tentam relembrar sua trajetória controversa junto à opinião pública, para que o caso não esfrie.
Com formação universitária na dimensão de negócios, Mike Jeffries assumiu a Abercrombie & Fitch em 1992 — e promoveu uma transformação radical na empresa.
Sob sua liderança, a rede varejista deixou de oferecer trajes para homens “tradicionais” e começou a vender, mais do que roupas, um estilo de vida descolado, marcado por uma atmosfera jovem e hipersexualizada.
Objeto de libido de uma geração, a marca saltou de resultados modestos para lucros exorbitantes na viradela do século. Com receitas próximas dos US$ 2 bilhões anuais, a Abercrombie & Fitch chegou a ter mais de 800 lojas nos primeiros anos da dezena de 2000.
O que Jeffries não esperava era a guinada politicamente correta da sociedade americana.
Em poucos anos, a aura de exclusividade da Abercrombie & Fitch virou sinônimo de elitismo. Para piorar, o CEO meteu os pés pelas mãos em uma entrevista polêmica concedida à revista Salon em 2006, em que afirmou produzir peças unicamente para pessoas bonitas e magras.
“Nós vamos atrás de jovens atraentes com atitude e muitos amigos. Muitas pessoas não pertencem à nossa marca, e realmente não podem pertencer. Somos excludentes? Totalmente”, disse.
Em seguida, a empresa passou a enfrentar uma série de processos de discriminação, nos quais ex-funcionários alegavam terem sido demitidos por serem velhos demais ou não se encaixarem em um padrão estético rigoroso.
Um dos casos mais emblemáticos envolveu uma jovem muçulmana que moveu uma ação contra a companhia por ser impedida de usar o hijab no envolvente de trabalho.
Nesse meio tempo, Mike Jeffries acabou sendo retirado do função de CEO. Mais especificamente em 2014, quando as críticas da mídia e sucessivas campanhas de boicote promovidas na internet começaram a comprometer a performance financeira da rede varejista.
Essas e outras histórias são contadas no documentário da Netflix “Abercrombie & Fitch: Ascensão e Queda”. Lançada em 2022, a produção é um panfleto woke que denuncia “como a marca prosperou através da exclusão” e comemora seu processo de adaptação a um marketing mais “diverso e inclusivo”.
Esquema incluía até um depilador profissional contratado para as orgias
Até 2023, o executivo parecia ser unicamente mais um “boi de piranha” sacrificado em nome da ideologia identitária.
Mas uma passagem breve do filme da Netflix já sugeria o que seria confirmado mais tarde: Jeffries usava sua posição de poder para fins, digamos, íntimos e pessoais (permanecer perto de modelos sarados para seduzi-los com promessas profissionais).
Aliás, ele levava uma vida familiar convencional com a mulher e o fruto até 2006, quando se assumiu homossexual. Sete anos depois, revelou estar morando em uma novidade mansão, com seus três cachorros e um parceiro 20 anos mais jovem, Matthew Smith.
Considerado persona non grata entre os diretores da Abercrombie & Fitch, por atuar porquê uma espécie de “consultor informal” da empresa, Smith também era o sócio do ex-CEO em suas ofensivas sexuais.
De consonância com as investigações, conduzidas pela Procuradoria de Novidade York e o FBI, a dupla organizou, entre 2008 de 2015, “eventos de sexo” em diversas cidades americanas e resorts no exterior.
Os participantes, quase sempre aspirantes a modelos e atores, eram atraídos pela oportunidade de conseguir contratos de trabalho. Antes de entrarem nas festas, tinham de assinar acordos de confidencialidade e entregar seus celulares.
Ainda segundo a arguição, Mike Jeffries, Matthew Smith e um terceiro cúmplice, James Jacobson, usavam métodos de coerção, fraude e força para manter relações com os rapazes. As vítimas alegam que o trio ameaçava prejudicar suas carreiras se recusassem as investidas.
O esquema também envolvia funcionários que organizavam o transporte dos homens e mantinham o sigilo das atividades. Esse grupo incluía uma equipe de recrutadores e até um depilador contratado para raspar os pelos dos jovens durante as orgias.
Jeffries integra uma galeria de poderosos envolvidos em crimes sexuais
“Este caso pode ser um dos mais organizados esquemas de tráfico sexual já investigados nos Estados Unidos”, disse, numa entrevista coletiva, o legista Brad Edwards, representante das vítimas.
Ele conta com o escora do procurador Breon Peace, sabido por conseguir uma sentença de 30 anos de prisão para o cantor R. Kelly, também réu de tráfico sexual.
“Para qualquer um que pense que pode explorar e coagir os outros usando o chamado ‘teste do sofá’, este processo deve servir como um aviso. Prepare-se para trocar o sofá por uma cama em uma prisão federal”, afirmou Peace no mesmo encontro com jornalistas.
O caso de Mike Jeffries não é solitário. O executivo integra uma longa lista de personagens da escol artística e corporativa americana denunciados nos últimos anos por organizar redes de prostituição para satisfazer os próprios impulsos doentios. Uma galeria que inclui, entre outros nomes, Jeffrey Epstein, Harvey Weinstein e os já citados Diddy e R. Kelly.
Todos eles receberam as chamadas “punições exemplares” e acabaram na ergástulo, porquê é geral em processos de grande repercussão nos EUA. Portanto, é muito difícil que Jeffries, Smith e Jacobson (atualmente livres sob fiança) escapem ilesos das acusações. A exceção pode ser o CEO reformado, caso seu laudo médico seja levado em consideração.
A sociedade, no entanto, começa a exigir que o “andar debaixo” também seja investigado e punido com o mesmo rigor. São dezenas de cúmplices, facilitadores e, principalmente, outras figuras de supino perfil que desfrutam desses esquemas — mas ainda seguem protegidas por seu poder e influência.