Com uma semana de pontificado, será que já podemos fazer um exercício de futurologia ou ao menos projetar algumas luzes sobre os rumos que o ministério de Leão XVI irá tomar? É difícil dizer. Há quem creia que a sua primeira homilia, no último dia 9, já nos fornece boas pistas e até as linhas fundamentais da marca que o novo Papa quer imprimir à Igreja.
O novo Papa reafirmou Jesus como “único salvador”, a Igreja Católica como “arca de salvação” e “farol que ilumina as noites do mundo”, e o seu próprio ministério como a missão de “suceder ao Primeiro dos Apóstolos”, São Pedro.
Crítico em relação às pessoas que, em vez da fé cristã, “preferem outras seguranças, como a tecnologia, o dinheiro, o sucesso, o poder e o prazer”, chamou-as de “fracas e pouco inteligentes”.
No mesmo sermão, o pontífice ainda alvejou o “ateísmo prático” dos que se dizem cristãos e são batizados, mas não vivem de acordo com a fé que dizem professar. Além disso, falou da indiferença do mundo em relação à mensagem de Cristo e deplorou os ataques à “dignidade da pessoa, a crise da família e tantas outras feridas das quais a nossa sociedade sofre, e não pouco.”
Frei Betto, famoso expoente brasileiro da Teologia da Libertação e muito ligado ao presidente Lula e às fileiras da esquerda política, se disse “decepcionado” com a homilia inaugural do novo Papa.
No dia 11 de maio, Betto disse ao canal da revista Fórum no Youtube que aquele “foi um sermão de piedade, muito voltado para dentro da instituição, um sermão mais centrado na fé do que no amor, mais centrado na piedade do que na justiça. Isso me deixou um pouco decepcionado.”
Já Dom Athanasius Schneider, bispo cazaque ligado aos fiéis mais tradicionais, declarou, neste 13 de maio, em entrevista ao canal do Youtube Caravelas Podcast, que gostou das primeiras manifestações do novo Papa.
Contudo, o bispo também afirmou que gostaria de vê-lo revogar algumas das disposições do antecessor, como a Declaração Supicans Trustque liberou as bênçãos para pessoas unidas a outras do mesmo sexo; os trechos da Exortação Ame a felicidade que teriam enfraquecido a doutrina da indissolubilidade do matrimônio ao minimizar o veto da Comunhão Sacramental aos divorciados recasados; a Declaração de Abu Dhabique teria criado um “relativismo religioso” ao pôr em dúvida qual é a religião verdadeira e querida por Deus; e a perseguição à Missa tradicional em latim, restringida no motu proprio Tradições guardiões.
Fato é que o novo Papa sinaliza para uma continuidade em relação às posições de Francisco no tocante a grandes questões humanitárias e sociais, como a pobreza, a guerra e o tratamento aos imigrantes.
Porém, seu discurso e tratamento pastoral devem ser menos acomodatícios, no tom e na letra, quanto às pautas polêmicas de moral e costumes em que Francisco se mostrava mais condescendente
A Doutrina Social da Igreja, vale lembrar, não é idêntica à sua orientação pastoral, que diz respeito ao modo como os pastores (os clérigos) ensinam e orientam o rebanho nas questões de fé e moral.
As críticas que muitos católicos tradicionais – leigos, padres e inclusive cardeais – faziam ao pontificado de Francisco miravam não tanto as suas declarações puramente sociais ou de diálogo com o mundo externo, mas sobretudo suas posições pastorais, de orientação aos fiéis, que lhes pareciam demasiadamente progressistas ou mais afins às últimas tendências do mundo do que ao ensinamento perene do Evangelho.
Leão XVI, a propósito, também já fez referência a vários temas caros a Francisco, como a humildade que deve pautar a atuação dos clérigos e a questão da sinodalidade. Mas Prevost parece ter mais facilidade do que Bergoglio para expressar do que se trata precisamente a sinodalidade proposta pelo Vaticano: uma escuta de todos os setores da Igreja, sem exclusivismos, mas em espírito de unidade, de disposição em caminhar na mesma direção que a Igreja universal caminha, que é a de Cristo e não a do mundo.
Assim, o Papa descarta uma visão de sinodalidade tendente a um parlamentarismo ou “democratismo” eclesial que acabaria numa fragmentação pastoral e doutrinal, com cada conferência episcopal podendo definir o seu modo próprio de ser Igreja.
Ele rejeita de cara, portanto, a linha do Caminho Sinodal alemão, uma experiência semiprotestante jamais aprovada por Francisco, mas tampouco reprimida por ele com suficiente firmeza, na visão dos críticos.
Leão XIV é um continuísta tanto dos melhores projetos de Francisco – que realizou reformas estruturais importantes na hierarquia e na burocracia eclesial – quanto de seus predecessores mais conservadores.
Sua sensibilidade, simplicidade e capacidade deixar as coisas mais claras, de colocar melhor os pingos nos is, sem deixar tantas margens para interpretação subjetiva, devem contribuir para fortalecer o seu pontificado e unir as diferentes alas – com exceção, talvez, daquela que via em Francisco uma oportunidade para fazer uma revolução interna e transformar a Igreja Católica em ONG progressista ou caixa de ressonância da agenda acordou.
Isso não significa que devamos esperar um novo Pio IX, que fustigava energicamente instituições liberais como a maçonaria e condenava em bloco os “erros do mundo moderno”.
Mas podemos esperar, certamente, um pontificado menos ambíguo e menos acomodatício que o anterior. Algo na linha do antecessor nominal em que o próprio Prevost afirmou ter se inspirado na escolha do seu nome papal: Leão XIII.
De fato, o último Papa a usar o nome de Leão antes de Prevost foi sensível à realidade dos pobres, dos escravizados e das massas de operários que vinham sendo explorados desde a Revolução Industrial. Foi isso que o motivou a lançar as bases da moderna Doutrina Social da Igreja.
Nem por isso, contudo, ele deixou de criticar as mazelas da modernidade liberal, de reafirmar a fé católica em seu inteiro teor ou de defender os valores morais inegociáveis que a Igreja sempre defendeu.
Se Leão XIV seguir como um bergogliano na reforma estrutural e disciplinar do clero e, por outro lado, for um sincero leonino pastoral e doutrinal, fará sem dúvida um pontificado de salutares contribuições para a Igreja e a humanidade inteira.
Luiz de Moraes é jornalista, mestre em filosofia política, professor e catequista de jovens e adultos.
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