A região do Ártico é, historicamente, área de muita exploração e disputas geopolíticas. Ainda na Guerra Fria, o Oceano Ártico era palco de inúmeras operações de submarinos nucleares soviéticos e americanos, além de ser destino de inúmeras incursões de diferentes países. A pesca na região, por exemplo, é atividade econômica significativa para diferentes países, como a Dinamarca, que vê praticamente um quinto da exportação da Groenlândia como sendo oriunda da pesca.
A extração de recursos também é significativa para EUA, Rússia e a própria Dinamarca, além do Canadá e da Noruega. Estes cinco países formam o grupo de países com territórios no Ártico e protagonistas das maiores disputas. Além destes, Suécia, Finlândia e Islândia também têm territórios próximos na região. O Ártico, portanto, corresponde a parcela significativa das atividades econômicas atuais e potenciais de diversas nações. No entanto, um fenômeno bem conhecido e amplamente divulgado pelo mundo vem acirrando as disputas geopolíticas pela região: as mudanças climáticas.
As consequências naturais das mudanças climáticas no Ártico são inúmeras. A emissão de CO2 e Metano por conta do derretimento do Permafrost, o aumento do nível do mar causado pelo derretimento das geleiras e o impacto em fenômenos como as correntes de jato e os ciclos de precipitação são alguns dos principais analisados por especialistas de todo o mundo. Quanto à essas consequências, a Comunidade Internacional vem se mobilizando cada vez mais, com organizações como o AMAP, vinculado ao Conselho do Ártico, O POLARIS, da União Europeia e o IPCC, vinculado à ONU, que classifica a região como uma região de destaque das mudanças climáticas desde 2007.
No entanto, outro panorama um pouco menos conhecido referente à questão Ártico é o aumento exponencial das tensões geopolíticas na região por inúmeros motivos. Com o degelo da região, novas rotas marítimas com imenso potencial estão surgindo, abrindo diversas oportunidades – e disputas – para países da região. Além disso, as mudanças climáticas e o degelo também trouxeram à tona a existência de inúmeros recursos naturais, incluindo minerais importantes e novas reservas de petróleo e gás natural, que intensificam ainda mais essas disputas.
A descoberta de novas reservas de minerais valiosos como o cobre, o níquel, o ouro e o diamante e de fontes energéticas (petróleo e gás natural) incentiva novas rivalidades envolvendo projetos extrativos na região
As rotas do noroeste e do nordeste, por exemplo, impulsionadas pelas mudanças climáticas, têm sua situação atual marcada pela dicotomia entre a possibilidade de se tornarem grandes rotas do comércio internacional, inclusive potencialmente competindo com o Canal de Suez, e a instabilidade causada por reivindicações territoriais, com a Rússia, por exemplo, declarando a rota do nordeste como parte de sua zona econômica exclusiva, tentando controlar o tráfego da região.
O comércio internacional e as rotas marítimas, no entanto, não são as únicas novidades trazidas pelas mudanças climáticas ao Ártico. A pesca, por exemplo, vem também se tornando potencial causa de instabilidades geopolíticas. Isso porque esta atividade tão importante para povos da região, como o já citado exemplo da Groenlândia, vem sendo impactada pelo aquecimento global a medida em que os padrões migratórios dos peixes são alterados, fazendo com que peixes que antes estivessem nas águas de um país possam migrar para outro, fomentando disputas. Essas disputas, inclusive, já foram premeditadas pelo Conselho do Ártico, que em 2018 assinou uma moratória proibindo a pesca comercial em águas internacionais no Ártico por 16 anos.
Por fim, a descoberta de novas reservas de minerais valiosos como o cobre, o níquel, o ouro e o diamante e de fontes energéticas (petróleo e gás natural) incentiva novas rivalidades envolvendo projetos extrativos na região. A China, por exemplo, país sem território no Ártico mas muito atento na região, investe significativamente em mineração e infraestrutura, por exemplo, na Groenlândia e na Islândia, preocupando os EUA e a Europa que temem um aumento da influência chinesa na região. Pequim também investe significativamente em projetos extrativos em conjunto com a Rússia, alimentando a aliança entre os dois países que, naturalmente, traz preocupação ainda maior para o eixo Washington-Bruxelas.
Todos estes fatores – o surgimento de novas rotas marítimas, os novos desdobramentos no mercado de pesca e o grande potencial de extração mineral – fazem com que o Ártico se torne cada vez mais uma área disputada e explorada por diferentes países. A Rússia, por exemplo, militariza cada vez mais a região, com dezenas de bases e navios de guerra na região. A China, por sua vez, explora a possibilidade de algo nos padrões da Nova Rota da Seda no Ártico, olhando com bons olhos a possibilidade de investimento nas extrações na região. A OTAN, no entanto, não fica para trás.
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Apesar de presença naval menor do que Moscou na região, a organização se atenta cada vez mais à região, reativando o monitoramento da Lacuna de GIUK contra eventuais submarinos russos, investindo bilhões de dólares em tecnologia de guerra naval e adestrando suas tropas para combates na região, como feito no Trident Juncture, maior exercício militar da história recente da organização, envolvendo cerca de 50.000 militares na Noruega.
Quando se trata do futuro da Geopolítica, muito se diz do Oriente Médio, do Sahel africano, do Leste Europeu e do Extremo Oriente. É bem verdade que essas nações devem ser bem observadas e serão, provavelmente, palcos de grandes disputas por poder entre nações pequenas e grandes. No entanto, as terras e águas geladas do Ártico devem, também, receber muito mais holofotes do que atualmente recebem, uma vez que representam, certamente, um dos maiores tabuleiros geopolíticos do futuro próximo. O que se desenha atualmente, e tende a se intensificar cada vez mais, é uma presença cada vez maior russo-chinesa de um lado e ocidental do outro, disputando a hegemonia e o controle desta tão rica e preciosa região.
Felipe Vasconelloscriador do Observatório Atena, autor do livro “Politikos – Um Livro de Receitas Políticas”.
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