As eleições municipais de 2024 trouxeram à tona uma questão crucial para a democracia brasileira: o impacto das abstenções, votos nulos e brancos sobre a legitimidade dos eleitos, principalmente em um contexto em que o aumento de gastos públicos, impulsionado por fundos eleitorais e partidários, e emendas parlamentares, não conseguiu virar o crescente retraimento dos eleitores. Essa tendência é visível em várias regiões do país, com índices de continência e votos inválidos que desafiam a percepção de representatividade e questionam o papel dos recursos destinados a mobilizar o eleitorado.
Analisando-se unicamente os dados referentes ao primeiro vez das eleições municipais, pode-se observar que os índices de abstenções e votos inválidos ganham ainda mais relevância ao se observar os municípios com mais de 200 milénio eleitores. Em várias capitais, uma vez que São Paulo, Porto Jubiloso, Curitiba e Rio de Janeiro, o número de eleitores que optaram pela continência, ou cujos votos foram nulos e brancos, superou a quantidade de votos recebidos pelo candidato mais votado. Esse fenômeno se repete em municípios uma vez que Goiânia e Belo Horizonte, onde a soma de “não votos” no primeiro vez excede significativamente os votos obtidos pelos primeiros colocados. Em São Paulo, por exemplo, o prefeito Ricardo Nunes recebeu 1.801.139 votos, enquanto o número de abstenções atingiu 2.548.857. Situação semelhante é observada no Rio de Janeiro, onde Eduardo Paes obteve 1.861.856 votos, comparados aos 1.930.202 “não votos”. Esses dados evidenciam uma crise de representatividade e sugerem um aumento do distanciamento entre eleitores e o processo eleitoral.
O impacto das abstenções dos votos nulos e brancos nas eleições de 2024 aponta para uma crise de representatividade que não pode ser ignorada
O levantamento dos dados do primeiro vez das eleições municipais de 2024 revela que, em diversos municípios, a soma das abstenções, votos nulos e brancos superou o número de votos recebidos pelo candidato mais votado. No Setentrião, por exemplo, 1,78% dos municípios registraram essa situação, correspondendo a 8 de 450 cidades. Na região Núcleo-Oeste, o percentual foi de 1,7% (7 de 467 municípios). No Nordeste, o índice foi de 0,5% dos municípios, ou 9 de 1.793 cidades. Porém, os números são significativamente maiores no Sudeste, onde 7,4% dos municípios, representando 123 de 1.668, observaram esse fenômeno. No Sul, 3,7% dos municípios (44 de 1.191) também apresentaram essa propriedade, evidenciando que o fenômeno dos “não votos” é uma questão vernáculo.
Os dados gerais das eleições de 2024 revelam uma verdade ainda mais ampla em relação ao volume de “não votos” em confrontação com os votos válidos. Tapume de 113 milhões de eleitores votaram em candidatos, enquanto aproximadamente 33 milhões e 797 milénio optaram pelas abstenções, acompanhados de 5 milhões e 272 milénio de votos nulos e 3 milhões e 444 milénio de votos brancos. Isso significa que, do universo totalidade de eleitores, aproximadamente 42 milhões, ou uma parcela considerável, escolheu não validar suas preferências por meio de um candidato, o que representa um índice alarmante de retraimento e repudiação ao processo político vigente.
Esse volume de “não votos” é significativo por sinalizar um distanciamento suculento da população com relação à política municipal e à escolha de seus representantes. Esses dados indicam que, mesmo com esforços para aumentar a participação por meio de campanhas e incentivos, milhões de eleitores preferiram abster-se ou anular seu voto, sugerindo um insatisfação ou uma desilusão com o sistema político lugar. Esse fenômeno é principalmente preocupante no contexto de uma democracia que depende de altos índices de participação para conferir legitimidade aos eleitos.
O cenário de subida continência contrasta com o aumento significativo dos gastos públicos direcionados ao processo eleitoral, principalmente por meio dos fundos eleitorais e partidários, além das emendas parlamentares destinadas a fortalecer a base política dos candidatos. A justificativa para esses recursos geralmente se tarifa na premência de promover a participação cívica, aumentar o conhecimento sobre candidatos e propostas e, assim, reduzir os índices de continência. No entanto, o fenômeno da continência e dos votos nulos e brancos continua a crescer, principalmente em municípios de maior porte, onde os recursos são amplamente empregados. O que se observa é uma desconexão crescente entre os recursos investidos e o resultado em participação efetiva, uma tendência que desafia as estratégias convencionais de mobilização eleitoral e exige uma reavaliação sobre a emprego desses fundos.
O fundo eleitoral, que visa dar suporte a campanhas de candidatos e partidos, alcançou valores recordes em 2024, supostamente visando fortalecer as atividades eleitorais e prometer visibilidade aos candidatos. As emendas parlamentares, por outro lado, representaram uma utensílio política para fortalecer o vínculo dos parlamentares com suas bases, garantindo investimentos locais e atendendo a demandas da população. Entretanto, esses recursos parecem ter tido um efeito restringido no fomento à participação eleitoral. As elevadas taxas de continência revelam que, apesar dos investimentos, a população em muitos municípios continua optando pela não participação, colocando em incerteza a eficiência das emendas e dos fundos em confirmar uma representação mais engajada e legitimada pelo voto popular.
Ao averiguar os dados de abstenções, votos nulos e brancos nas eleições municipais de 2024, 2020, 2016 e 2012, observamos tendências interessantes no comportamento eleitoral em diferentes contextos políticos e sociais. Em 2012, ainda sem os efeitos diretos da crise política desencadeada pela Lava Jato, a continência era significativamente menor em confrontação aos anos seguintes, principalmente no Núcleo-Oeste (16,00%), Sudeste (17,30%) e Sul (13,99%). No entanto, os eleitores que participaram demonstraram um cimeira índice de insatisfação, refletido em uma quantidade expressiva de votos nulos, uma vez que no Sudeste (10,08%) e Nordeste (7,51%), indicando um voto de protesto significativo.
Em 2016, no auge da crise política, com o escândalo da Lava Jato afetando a crédito no sistema, observou-se um aumento na continência, principalmente no Sudeste (20,31%) e Núcleo-Oeste (18,11%). Porém, o percentual de votos nulos também se manteve cimeira, alcançando seu pico em regiões uma vez que o Sudeste (13,25%) e Nordeste (8,24%). Esse cenário sugere que, enquanto segmento dos eleitores que votaram nulo em 2012 passou a optar pela continência em 2016, uma parcela significativa continuou utilizando o voto nulo uma vez que forma de sintoma de insatisfação política, mantendo o índice ressaltado.
Em 2020, a pandemia de Covid-19 trouxe um novo fator de retraimento, elevando ainda mais a continência, principalmente no Sudeste (26,33%) e Setentrião (20,83%). Em contraste, os índices de votos nulos e brancos diminuíram em relação a 2016, sugerindo que muitos eleitores que poderiam ter votado nulo optaram por não comparecer às urnas, possivelmente por receio de contágio. Essa transmigração do voto nulo para a continência indica um desinteresse crescente na participação política direta, intensificado pela crise sanitária.
Em 2024, com a crise sanitária controlada, os índices de continência permanecem elevados, embora com ligeiro redução em algumas regiões, uma vez que no Sul (22,93%) e Nordeste (16,55%). O percentual de votos nulos diminuiu consideravelmente em confrontação com 2016 e 2020, principalmente no Núcleo-Oeste (3,15%) e Setentrião (2,46%). Essa redução sugere a confirmação da tendência observada em 2020, onde eleitores insatisfeitos preferem se evitar completamente do processo eleitoral. A estudo sugere que a suspeição no sistema político que impulsionou o voto nulo em 2012 e 2016 vem se transformando, nos últimos ciclos eleitorais, em uma decisão de abstenções, reduzindo o uso do voto nulo uma vez que forma de protesto e reforçando o fenômeno de retraimento do eleitorado.
A prevalência dos “não votos” uma vez que fator preponderante em diversas regiões e o ressaltado número de eleitores que se abstêm ou invalidam seu voto provocam questionamentos profundos sobre a representatividade dos eleitos. Esse fenômeno, que poderia ser descrito uma vez que uma “crise de legitimidade eleitoral”, sugere que, em muitos casos, os eleitos podem refletir a vontade de uma maioria não engajada, mas sim de uma minoria que efetivamente participa do processo. Esse distanciamento entre eleitores e eleitos cria um déficit de legitimidade e fragiliza a democracia, principalmente em um sistema que já enfrenta desafios em termos de crédito pública e eficiência na representação.
O aumento dos recursos públicos para emprego durante o processo eleitoral, emendas e fundos eleitorais contrasta fortemente com os dados de continência, votos nulos e brancos, indicando que esses recursos, uma vez que estão sendo utilizados, não são suficientes para virar o retraimento dos eleitores. A verdade das eleições de 2024 revela uma premência urgente de revisar as políticas e estratégias de engajamento eleitoral, considerando a perspectiva de uma participação mais autêntica e representativa. É fundamental repensar os métodos de mobilização política, e as ações de campanha devem ser adaptadas para dialogar com uma população que se sente alheia ao processo.
Uma proposta seria direcionar os fundos para programas de ensino política que promovam um entendimento mais profundo sobre o papel dos municípios e o impacto direto das eleições no cotidiano dos cidadãos. Ou por outra, partidos e candidatos poderiam focar em uma informação mais transparente e conseguível, que responda às demandas locais e mostre resultados tangíveis para a população. Outra sugestão seria a revisão dos critérios para o uso das emendas parlamentares, assegurando que essas sejam aplicadas em projetos que gerem benefícios visíveis e imediatos para a comunidade, diminuindo assim o retraimento entre representantes e representados.
Em peroração, o impacto das abstenções dos votos nulos e brancos nas eleições de 2024 aponta para uma crise de representatividade que não pode ser ignorada. Ao mesmo tempo, o aumento dos gastos públicos no processo eleitoral evidencia uma dissonância entre o investimento financeiro e o retorno em participação efetiva. Para uma democracia mais robusta, é necessário um esforço coletivo para compreender e responder às razões por trás do retraimento eleitoral, promovendo uma participação cívica mais significativa e alinhada com os princípios democráticos.
Thiago Esteves, jurisconsulto, é rabino em Ciência Política e e sócio da Eixo Relações Institucionais.