Desde que assumiu uma cadeira no Supremo Tribunal Federal (STF), em fevereiro de 2024, indicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o ministro Flávio Dino vem protagonizando uma série de episódios polêmicos e decisões impactantes que demonstram o protagonismo cada vez mais evidente.
Em pouco mais de um ano, Dino passou de novato no colegiado e integrante mais associado ao governo petista a uma figura central em julgamentos e embates, rivalizando até mesmo com o ministro Alexandre de Moraes em termos de ativismo judicial, influência política e apelo midiático.
Logo nos primeiros meses, Dino determinou o bloqueio de 1.283 emendas parlamentares destinadas à área da saúde, sob a justificativa de falta de transparência. A decisão irritou congressistas, que viram a medida como afronta à autonomia do Legislativo — dando o tom da sua relação com o Parlamento.
Por iniciativa própria, no mês passado, Dino cobrou de Sóstenes Cavalcante (RJ), líder do PL na Câmara, explicações sobre as declarações do deputado relacionadas a emendas. O magistrado rejeitou a defesa da imunidade parlamentar, exigindo “responsabilidade” em discursos públicos.
Na mesma linha combativa, Dino fez duras críticas à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), e afirmou que a entidade atua por “interesses imediatos” e alterna papéis públicos e privados de maneira incoerente. A fala gerou protestos de juristas, que viram nela um ataque à autonomia da instituição.
Ministro bate-boca com colega ao criticar autoridade ser chamada de ladrão
Confira:
- 1 Ministro bate-boca com colega ao criticar autoridade ser chamada de ladrão
- 2 Dino sugere nome para “chapa imbatível” para disputar o governo do Maranhão
- 3 Para especialistas, Dino continua atuando como político mesmo no Judiciário
- 4 Inquérito sobre desvios de emendas parlamentares amplifica poder de Dino
- 5 Dino diz haveria “dissolução da República” se o STF não puder analisar decisões da Câmara
Em outro episódio recente, Dino discutiu com o ministro André Mendonça durante julgamento que analisava a elevação de pena para crimes contra a honra de servidores. Ele defendeu a medida, ressaltando ser inaceitável ouvir ofensas. Já Mendonça alertou para riscos à livre expressão.
As sessões do STF também têm servido de palco a Dino para momentos de exposição pessoal. Em março, após citar a Bíblia durante um voto, ele foi alvo de uma brincadeira de Moraes, que o chamou de “candidato a papa”. O episódio viralizou nas redes sociais, confirmando-o como figura midiática.
Dino também mostra firme alinhamento com todas as posições de Moraes, sobretudo em casos envolvendo os réus de 8 de janeiro de 2023. Ambos votaram pela abertura de ações penais contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e aliados e apontaram as maiores condenações para a suposta trama golpista.
Mas nem todos os movimentos de Dino passaram sem questionamentos. Em março de 2024, ele suspendeu o processo de escolha de um conselheiro do Tribunal de Contas do Maranhão – estado que governou por dois mandatos -, o que gerou críticas por suposta interferência indevida.
Além disso, Dino também votou para distribuir sobras eleitorais que beneficiariam o PSB, ao qual estava filiado até ser indicado ao STF, levantando suspeitas de conflito de interesse.
Dino sugere nome para “chapa imbatível” para disputar o governo do Maranhão
Durante aula magna realizada em 9 de maio, no Centro Universitário UNDB, em São Luís, Dino sugeriu “chapa imbatível” para as eleições ao governo do Maranhão em 2026, encabeçada pelo vice-governador Felipe Camarão (PT) e tendo a professora de Direito Teresa Helena Barros como a sua vice.
A declaração gerou reações políticas. O governador Carlos Brandão (PSB), ex-aliado de Dino, afirmou que “esse não é momento de disputa política”. A relação entre os dois se deteriorou desde a nomeação do ministro ao STF, com o rompimento político se tornando público em dezembro de 2024.
O deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) criticou a postura de Dino, chamando-o de “juiz de palanque” por sua sugestão durante evento que abordava temas como a harmonia entre os poderes. A fala de Dino reacendeu debates no Congresso sobre limites da atuação política de membros do Judiciário.
Nas suas redes sociais, o senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS) explicitou a crítica à decisão de Dino de interferir na política do Maranhão. “Para ser coerente, ele deveria ter permanecido então na política. Não o fez e agora rasga aquilo que deveria proteger”, escreveu.
Para especialistas, Dino continua atuando como político mesmo no Judiciário
Para o advogado e professor de Direito Ricardo Peake Braga, a postura “extravagante” de Dino já era esperada. A primeira razão disso vem do fato de que os próprios integrantes do STF, incluindo o seu presidente, Luís Roberto Barroso, terem declarado que a Corte se tornou uma instância política.
O especialista avalia que, por essa razão, o mais novo ministro do tribunal se sentiu “à vontade” para atuar tanto em temas jurídicos quanto políticos. “Não nos esqueçamos que Flávio Dino foi um notório filiado ao combativo Partido Comunista do Brasil (PCdoB) há até bem pouco tempo”, sublinhou.
Braga, autor do livro “Juristocracia e o Fim da Democracia” (2021), critica a expansão do Judiciário no Brasil. Ele argumenta que o STF rompeu os seus limites institucionais, assumindo também funções legislativas e executivas, o que comprometeu princípios democráticos e a separação dos poderes.
Para o cientista político Antônio Flávio Testa, a atuação de Dino revela não só personalidade expansiva, mas também ambições. “A sua argumentação jurídica e o seu embate com o Congresso o aproximam de Lula, enquanto tenta se viabilizar como opção da esquerda à Presidência da República”, diz.
Testa ressalta que, após governar o Maranhão por oito anos e exercer outras funções públicas, “Dino sabe bem como funciona a política brasileira” e perseguirá seu objetivo até o fim. Nesse sentido, erros poderão ocorrer, como afrontar garantias parlamentares e suscitar suas polêmicas passadas.
Quanto a Moraes, o especialista vê motivações no plano pessoal que vão além do jogo político. “Junto com Dino, ele forma uma dupla de ministros do STF que refletem um momento bem particular do ativismo político da Corte, com perspectiva preocupante para a institucionalidade do país”, diz.
Inquérito sobre desvios de emendas parlamentares amplifica poder de Dino
A grave tensão entre Dino e o Congresso sobre emendas parlamentares iniciou em agosto de 2024, quando o juiz sustou o pagamento até que os parlamentares aprovassem projeto para evidenciar o destino dos recursos. A lei sancionada em novembro não o satisfez, e então ele impôs novas regras.
Em fevereiro, Dino homologou o plano da Advocacia-Geral da União (AGU) e do Congresso para rastrear a execução de emendas de comissão e bancada. Em abril, o ministro deu 10 dias à Câmara e ao Senado para informarem como seria registrada a autoria do responsável por mudar tal planejamento.
Provocado por entidades, Dino mandou o Congresso explicar, em abril, como realizaria a identificação de autores das emendas de comissão e bancadas quando houvesse mudança na destinação dos recursos. O Congresso recorreu das decisões, alegando “autonomia desmedida” do Executivo”.
Dino diz haveria “dissolução da República” se o STF não puder analisar decisões da Câmara
Outra manifestação recente de Dino ocorreu no caso envolvendo o embate entre a Câmara e o STF em razão da ação penal contra o deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ). A Primeira Turma do Supremo restringiu a decisão da Câmara que havia suspendido toda a ação penal por suposta tentativa de golpe contra Ramagem (PL-RJ). Houve críticas à decisão do STF no Legislativo. O presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), recorreu da determinação do colegiado. Para ele, a medida “configura violação ao princípio estruturante da separação de Poderes”.
Diante disso, Flávio Dino afirmou na quarta-feira (14) que, se a Corte não puder analisar a validade das decisões da Câmara dos Deputados, haveria a “dissolução da República”.
“Esses dias a Primeira Turma, presidida pelo ministro Zanin, em tema relatado pelo eminente ministro Alexandre de Moraes, se defrontou com esta ideia, de que a separação de Poderes impediria a Primeira Turma de se pronunciar sobre uma decisão da Câmara dos Deputados”, disse o ministro durante a sessão desta tarde.
O ministro afirmou que, caso esse argumento seja usado para impedir as prerrogativas de um tribunal, cada Poder poderia formar a própria República. “Ora, se assim fosse, nós teríamos uma dissolução da República. Porque aí cada Poder e cada ente federado faz a sua bandeira, o seu hino, emite a sua moeda e aí, supostamente, se atende a separação dos Poderes”, afirmou.
Dino, que faz parte do colegiado, emitiu o voto mais duro durante o julgamento. Ele afirmou que apenas em “tiranias” um ente do Estado pode concentrar poderes e alertou que a suspensão parcial da ação penal contra Ramagem não impede uma eventual prisão preventiva ou o afastamento do cargo.
“Somente em tiranias um ramo estatal pode concentrar em suas mãos o poder de aprovar leis, elaborar o orçamento e executá-lo diretamente, efetuar julgamentos de índole criminal ou paralisá-los arbitrariamente – tudo isso supostamente sem nenhum tipo de controle jurídico”, disse o ministro.