No último dia 8 de maio, as atenções de todos os católicos e de todo o mundo se voltavam para uma chaminé. É curioso pensar que num tempo onde o mundo está na tela de um celular, tanta gente tenha voltado seus olhares para uma chaminé.
Todos queriam observar a cor da fumaça e, assim, chegar a uma resposta a respeito da escolha do sucessor de Pedro.
O mundo, mesmo sem saber, anseia por aquilo que não passa, por aquilo que é perene. Em meio a críticas ácidas e piadas que escondem o desconserto diante daquilo que é eterno, todos voltaram os olhos para a chaminé e depois para o grande balcão central da basílica de São Pedro.
Depois de uma espera que parecia interminável, veio a fumaça branca e o anúncio: o Cardeal Robert Francis Prevost foi eleito como o 267° sucessor de São Pedro, tomando o nome de Leão XIV!
Nesta eleição, como em outras, as expectativas externas falharam miseravelmente. Nenhum dos papabiles mais comentados foram eleitos, mas sim o discreto e quase tímido Cardeal Prevost.
O legado de “Leão”
Confira:
Contrastando com sua costumeira calma, tomou o nome de “Leão”, colocando-se em linha com os predecessores de mesmo nome, dos quais o primeiro, chamado de “Magno”, destacou-se pela coragem em conduzir a Igreja enquanto o mundo romano ruía diante do avanço do bárbaros.
O império caiu, mas a Igreja seguiu. Átila, rei dos hunos, violento, cruel e intrépido no seu desejo de dominação foi surpreendido por um homem magro, alquebrado pelos anos, mas que não o temia.
O monarca bárbaro viera para destruir Roma e o Papa Leão Magno o mandou descer do cavalo para falar-lhe. Num tom de deboche e achando graça da imprudência do velho pontífice, obedeceu para medir até onde iria a audácia do sucessor de Pedro, mas para surpresa de todos, abaixou sua cabeça e ouvia atentamente o que o papa lhe dizia.
Findo o diálogo que mais parecia um monólogo de tão pouco que o rei bárbaro falou, o temido Átila montou em seu cavalo e deu ordem à sua tropa para que se retirasse.
Sem entender, seus generais quiseram saber o que o motivará a desistir de invadir Roma e o mesmo contou que enquanto Leão lhe falava, via sobre sua cabeça dois homens de aspecto majestoso, um deles trazendo nas mãos duas chaves e outro uma espada; furiosos conversavam entre si invocando a ira de Deus sobre os hunos. Átila quis retirar-se.
Ao longo da história da Igreja, o primeiro papa Leão inspirou outros que lhe seguiram. No fim do século XIX, no auge da Segunda Revolução Industrial, a Igreja foi governada por Leão XIII.
O Cardeal Gioachino Pecci, da nobreza italiana, deixou a casa paterna para ser padre, tornou-se bispo, foi feito cardeal e em 1878 sucedeu Pio IX no segundo pontificado mais longo da história. Ele tomou o nome de Leão XIII e seu pontificado também seria longo e ele seria o papa mais longevo a governar a Igreja.
Em seu tempo, combateu os erros modernos, o ateísmo, o relativismo religioso, a maçonaria, a exploração injusta do trabalho, o liberalismo e o comunismo
Outros papas de mesmo nome fizeram história e agora, no ano de 2025, assistimos à eleição de um novo papa que se inspirou em Leão XIII para a escolha do nome.
A ligação deste com a codificação da Doutrina Social da Igreja, antes espalhada por vários documentos e agora reunida na encíclica Rerum Novarum (1891), bem como a ligação deste papa com a Ordem de Santo Agostinho, da qual o papa atual faz parte, influenciaram na escolha do nome.
Leão XIII era grande devoto de Nossa Senhora do Bom Conselho, um dos quatro títulos marianos venerados pela ordem. Além disso, quando criança, Leão XIII teve muito contato com os agostinianos, depois, na adolescência, frequentou a igreja dos mesmos em Roma e tudo isso foi decisivo para sua vocação, tornando-o um grande amigo e benfeitor dos agostinianos.
Filho de Santo Agostinho
O Cardeal Prevost foi eleito sucessor de Pedro e em sua primeira aparição surpreende com discurso centrado na verdade, caridade e reconstrução espiritual da Igreja.
Como bom filho de Santo Agostinho fez questão de falar da paz que Cristo dá e não daquela que os esforços humanos tentam obter, muitas vezes sem sucesso e sem durabilidade. Insistiu na busca da verdade e na caridade.
Agostinho, converteu-se, viveu e pregou como fruto de seu encontro com a Verdade que para a igreja não é um conceito ou um sistema de crenças e sim uma pessoa: Jesus Cristo. Para a fé católica, a Verdade encarnou-se e esta verdade foi recordada de modo eloquente pelo papa.
Paramentos
A restauração do uso das vestes corais do Romano Pontífice alegrou o coração dos católicos que viram nesse gesto uma valorização daquilo que representa, ressalta e demonstra a grandeza do ministério petrino.
A paramentação não é mera ostentação de símbolos de poder, como os desavisados poderiam pensar ou como aqueles que nada entendem da Tradição da Igreja podem ousar criticar.
Os paramentos e os símbolos representam realidades muito profundas. Não se trata de uma exaltação da pessoa do papa, mas sim do papado enquanto instituição divina para governar a Igreja de Cristo.
No capítulo 16 do Evangelho de São Mateus, Cristo entrega as chaves do céu às mãos de Pedro e lhe promete que o mal não prevalecerá sobre sua Igreja. Diante da grandeza deste mistério e da sublimidade da promessa divina, ao longo dos séculos a tradição vestiu os pontífices com paramentos que expressem essa grandeza, mas sempre em vista de uma só coisa: o louvor devido à Deus por sua bondade e pelo mistério de seu amor que congrega os seus eleitos na barca de Pedro.
Valorizar o que é da Igreja, e dar aos católicos a confirmação na fé que esperam, não pode despertar outra reação senão a alegria e a esperança de um pontificado frutuoso.
É cedo para dar um prognóstico a respeito do governo de Leão XIV, mas seria temerário não dar um voto de confiança a um pontificado que começa tão bem delimitado
Pronunciamento aos jornalistas
Na sua homilia diante dos cardeais que o elegeram, o papa reafirmou a doutrina católica, referiu-se a si de modo claro como sucessor de Pedro, demonstrou uma grande estima por uma clareza teológica tão necessária em nossos tempos de ambiguidade.
Na ocasião, tratou do dever de anunciar o Evangelho antes de qualquer outra coisa: “Ainda hoje não faltam contextos em que a fé cristã é considerada uma coisa absurda, para pessoas fracas e pouco inteligentes; contextos em que em vez dela se preferem outras seguranças, como a tecnologia, o dinheiro, o sucesso, o poder e o prazer.”
Tal como na espiritualidade de Santo Agostinho o enfoque está no encontro pessoal com a Verdade, também nas primeiras falas do pontífice esse acento apareceu. Aos jornalistas reunidos no dia 12 de maio na Sala Paulo VI afirmou: “Salvemos a comunicação de todo preconceito, rancor, fanatismo e ódio. Purifiquemo-la da agressividade. Não precisamos de uma comunicação ruidosa, muscular, mas sim de uma comunicação capaz de escutar, de acolher a voz dos fracos que não têm voz. Desarmemos as palavras.”
Diferentes interpretações
A euforia da eleição papal, como era de se esperar, levou muita gente a fazer leituras simplistas da realidade, cada qual querendo encontrar na fala do Santo Padre ou em seus gestos algo que lhes agradasse mais ou que se aproximasse daquilo em que acreditam.
Os mais progressistas se alegraram ao ouvi-lo agradecer o papa Francisco e ao falar em “sinodalidade”, outros se impressionaram unicamente com a estética do momento. Outros, mais afeitos à Tradição da Igreja destacaram com entusiasmo sua fala reafirmando a salvação unicamente em Cristo e o papel da Igreja enquanto farol neste mundo de trevas.
Muitas mídias, no entanto, já começaram os recortes que descontextualizam e a exploração de narrativas compostas por recortes daquilo que não gostam.
Será desafiador enxergar com serenidade os passos deste pontificado, mas como se reza no pequeno exorcismo de Santo Antônio: “venceu o Leão da tribo de Judá! Fugi, potências inimigas”. Assim o cremos. Leão XIV saberá conduzir a barca de Pedro, pois Cristo está na barca e não a deixará perecer.
Viva Cristo!
Viva a Igreja!
Viva Leão XIV!
Luiz Raphael Tonon é professor de filosofia e história, e leigo consagrado. Se dedica à educação há quase duas décadas.
