Com maioria de votos da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) para condenar a cabeleireira Débora Rodrigues dos Santos a 14 anos de pena, o futuro da mulher que pichou, com batom, a frase “perdeu, mané” na estátua da {{aqui}} é uma incógnita.
Seu julgamento continua até esta terça-feira (6), e nenhum dos ministros da Primeira Turma sinalizou mudança nos votos. O relator Alexandre de Moraes, inclusive, acrescentou complemento em sua decisão, reafirmando a pena de 14 anos, voto seguido integralmente pelos ministros Flávio Dino e Cármen Lúcia. Já Cristiano Zanin votou pela condenação a 11 anos, e o ministro Luiz Fux divergiu, condenando Débora a um ano e meio de reclusão, quase dez vezes menos que o tempo estipulado por Moraes.
Segundo os advogados Hélio Junior e Taniéli Telles, o voto de Fux evidencia a desproporcionalidade na sentença, ao afirmar que não há elementos técnicos que justifiquem a decisão do relator. Por isso, a defesa informa que tomará “todas as medidas cabíveis” no processo e poderá, inclusive, buscar tribunais internacionais.
“E a prisão domiciliar humanitária deverá ser mantida pelas razões excepcionais que o caso de Débora exige”, adianta Hélio Junior, em referência à decisão do ministro Alexandre de Moraes para conceder domiciliar à cabeleireira. No texto, o magistrado citou o artigo 318 do Código de Processo Penal (CPP) a respeito de a ré ser “mulher com filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos”.
“O que estamos vendo é que o Supremo tem um entendimento para cada conveniência, então é imprevisível”
Kátia Magalhães, consultora jurídica
No entanto, especialistas procurados pela Gazeta do Povo afirmam que não há como assegurar o que acontecerá com a cabeleireira. “A insegurança jurídica é total a respeito de saber se ela volta ou não à prisão”, afirma Rodrigo Chemim, doutor em Direito de Estado e professor de direito processual penal na Universidade Positivo (UP). “O que estamos vendo é que o Supremo tem um entendimento para cada conveniência, então é imprevisível”, completa a consultora jurídica Kátia Magalhães.
“Só se cumpre pena após esgotamento dos recursos”, afirma jurista
Confira:
De acordo com a jurisprudência do STF, a prisão domiciliar atual da Débora deve ser mantida até que seja encerrado definitivamente o processo. “Pela interpretação do Supremo, só se cumpre pena após esgotamento dos recursos, e há prazo para isso”, explica Chemim.
Portanto, se a condenação for efetivada nesta terça (6), ele explica que os advogados poderão apresentar um recurso chamado “embargos de declaração” para solicitar que a Primeira Turma esclareça questões referentes à compreensão da decisão. “Pode ser por ambiguidade, que é o duplo sentido, obscuridade, que é falta de clareza, contradição, quando há informações de sentido contrário, ou ainda omissão, quando deixam de enfrentar algum tema.”
Um exemplo a ser tratado nesse recurso, de acordo com a especialista Kátia Magalhães, é “a omissão dos ministros sobre a tese da defesa de que a única prova contra Débora consistiu em sua presença na Praça dos Três Poderes e na conduta, por ela confessada, de ter escrito os dizeres ‘perdeu, mané’ na estátua”.
Além disso, Kátia aponta que “a defesa também pode se ancorar no voto vencido do ministro Fux”, já que ele afirma não ter existido “individualização comprovada pela acusação de que a ré teria aderido volitivamente às condutas de associação criminosa armada, de abolição violenta do Estado Democrático de Direito ou de golpe de Estado”.
“O que temos visto é que estão tratando esses casos com uma agilidade incomum”
Rodrigo Chemim, doutor em Direito de Estado
Esse recurso, segundo as regras do STF, pode ser apresentado pela defesa até cinco dias após advogados e ré serem intimados sobre a condenação, mas não há prazo definido para que o Supremo julgue os embargos. “O que temos visto é que estão tratando esses casos com uma agilidade incomum”, aponta o doutor em Direito de Estado, Rodrigo Chemim.
Ainda segundo ele, após a publicação da decisão referente aos embargos de declaração, a defesa terá 15 dias para entrar com outro recurso jurídico — o de embargos infringentes, usado para analisar os votos que divergiram do relator durante o julgamento. “E o Ministério Público (MP) terá mais 15 dias para se manifestar”, acrescenta.
Com esse recurso, Kátia Magalhães informa que também será possível que o caso vá para o plenário do STF a fim de garantir isonomia, pois os demais réus do 8 de janeiro têm sido julgados pela totalidade da Corte.
Afinal, “não há qualquer fundamento jurídico plausível para atribuir a Débora tratamento diferenciado em relação aos demais réus”, assegura, apontando que o julgamento em plenário aumenta a quantidade de julgadores, de cinco para 11 magistrados, com chance de que mais ministros apresentem votos divergentes.
O que deve ocorrer após a interposição de recursos pela defesa de Débora?
Caso os embargos infringentes não sejam admitidos pelo relator, Chemim adianta que a defesa também poderá entrar com um agravo interno contra decisão monocrática. De acordo com o professor, esse agravo deverá ser interposto em até cinco dias e depois enviado à Segunda Turma.
Após o julgamento, a defesa ainda terá possibilidade de entrar novamente com recurso solicitando esclarecimentos a respeito da decisão. “E há ainda, em tese, possibilidade de entrar novamente com embargos declaratórios, dependendo do conteúdo da decisão para, então, o caso transitar em julgado”, explica o professor.
Segundo ele, esse seria o encerramento oficial da ação, quando não há mais recurso no processo e quando o réu pode começar a cumprir a pena com desconto do tempo que permaneceu em prisão preventiva e também dos dias de remição que conseguiu por cursos, trabalho e leitura.
Embora não exista mais a possibilidade de recurso, Kátia acrescenta que “a defesa de Débora ainda poderia lançar mão de um você tem um corpogarantia constitucional destinada a assegurar a liberdade de ir e vir”.
No entanto, a aceitação de um HC no Supremo dependeria de uma exceção, como ocorreu no caso Paulo Maluf, condenado por lavagem de dinheiro, ou do executivo delatado por Alberto Youssef durante a Operação Lava Jato. Ambos tiveram você tem um corpo aceitos, apesar de uma regra do tribunal — a Súmula 606 — negar HC contra decisão de turma, do plenário da Corte ou de decisão monocrática de ministro.
“Nessas circunstâncias, se a condenação de Débora vier a se tornar definitiva, os advogados poderão apostar ainda em uma revisão criminal, conforme o artigo 621 do Código de Processo Penal (CPP).”
A alegação, segundo a especialista, seria de que a sentença condenatória contrariou texto expresso da lei ou as evidências dos autos, já que a condenação à pena de 14 anos “viola o próprio Código Penal, ao chancelar acusações de golpe de Estado e associação criminosa armada a uma mãe de família, sem habilidade no uso de armas e, muito menos, treinamento militar”.
Relembre o caso de Débora Rodrigues
Moradora de Paulínia, em São Paulo, Débora tem 39 anos, e foi presa em 17 de março de 2023, alvo da oitava fase da Operação Lesa Pátria, deflagrada pela Polícia Federal (PF). Ela passou mais de 400 dias na prisão sem denúncia — quase 12 vezes mais que o prazo estabelecido em lei —, e seus advogados garantem que as acusações contra ela são “genéricas”.
Ao todo, a cabeleireira enfrentou dois anos e 11 dias no sistema prisional longe dos filhos de sete e dez anos, e segue há um mês em prisão domiciliar cumprindo medidas cautelares como uso de tornozeleira eletrônica e proibição de sair de casa, receber visitas, conceder entrevistas ou usar redes sociais.
Ela chegou a escrever, em 2024, uma carta pedindo desculpas a Moraes pelo ato de pichar a estátua da justiça, com batom. “No calor do momento cheguei a cometer aquele ato tão desprezível (pichar a estátua)”, afirmou no texto. “Me arrependo deste ato amargamente, pois causou separação entre mim e meus filhinhos”, afirmou.
Frase “perdeu, mané” foi dita por Barroso a um homem que o questionou sobre urnas eletrônicas
A inscrição feita por Débora com batom na estátua da Justiça remete a uma manifestação do ministro Luís Roberto Barroso, em 15 de novembro de 2022, a um homem que o questionava sobre as urnas eletrônicas brasileiras.
Barroso e outros ministros do STF estavam em Nova Iorque para um evento quando foram abordados na rua por brasileiros descontentes com o resultado das eleições. Na ocasião, Barroso respondeu a um deles: “Perdeu, mané. Não amola”.