Longe dos holofotes e embates tensos entre esquerda e direita, o Senado conduz, por meio da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), o debate sobre a mais profunda reforma eleitoral do país em décadas. Se aprovadas, as mudanças devem impactar diretamente as disputas de poder.
Com esse potencial, estão sob análise do colegiado dois projetos: o novo Código Eleitoral (PLP 112/2021) e a proposta de emenda à Constituição que extingue a reeleição para cargos do Executivo (PEC 12/2022). Ambas as matérias são relatadas pelo senador Marcelo Castro (MDB-PI). O novo parecer sobre o PLP 112 deve ser lido na comissão nas próximas semanas.
Após sofrer resistências – sobretudo no quesito representação feminina no Legislativo –, Castro anunciou recentemente uma série de reuniões com líderes partidários para formar consensos e fazer ajustes necessários para a votação, visando facilitar o avanço dos textos no Senado e na Câmara.
O novo Código Eleitoral propõe cota de 20% das vagas nas câmaras municipais, assembleias legislativas e na Câmara dos Deputados para as mulheres. Esse percentual substituiria a regra atual que obriga partidos a reservarem para mulheres ao menos 30% das candidaturas ao Legislativo.
Segundo Castro, a medida corrige o “persistente desequilíbrio de gênero na política brasileira”, onde a presença de mulheres está abaixo da média global. Ele destaca que o país tem cerca de 700 cidades sem vereadoras e está entre os últimos em representatividade feminina na América Latina.
Fim da reeleição vem com ampliação de mandatos e unificação das eleições
Confira:
- 1 Fim da reeleição vem com ampliação de mandatos e unificação das eleições
- 2 Senadoras querem manter percentual mínimo de candidaturas femininas
- 3 Novo Código Eleitoral cria regra específica para auditoria da urna
- 4 Reforma eleitoral prevê que candidatura de militares e policiais exigirá saída do cargo 4 anos antes
- 5 Projeto limita edição de normas pelo TSE para proteger a efetividade de leis
A PEC 12/2022 propõe mudanças estruturais no calendário e na duração dos mandatos de deputados, prefeitos, governadores e presidente, que passariam a ser de cinco anos. No caso dos senadores, a duração seria ampliada de oito para dez anos.
A proposta ainda unifica as eleições gerais e municipais, que passariam a ocorrer simultaneamente a cada cinco anos. A outra mudança radical que propõe é o fim da reeleição consecutiva para chefes de governo municipal, estadual e federal. Deputados e senadores continuariam podendo se recandidatar.
As duas propostas avançam em meio à já iniciada corrida para o Palácio do Planalto, com defensores no Congresso alegando que o atual modelo leva à fragmentação partidária, à baixa renovação de eleitos e à disputa eleitoral permanente, e ainda que inibe o planejamento de políticas públicas de longo prazo.
A expectativa do relator é apresentar parecer unificado do novo Código Eleitoral nas próximas semanas, mirando sua votação em plenário ainda no primeiro semestre.
Senadoras querem manter percentual mínimo de candidaturas femininas
O debate sobre a reforma do Código Eleitoral vem gerando fortes reações, sobretudo das parlamentares mulheres. Nas audiências da CCJ, senadoras expressaram preocupação com a retirada de punições para partidos que descumprirem a cota de 30% de candidaturas femininas.
As senadoras Soraya Thronicke (Podemos-MS) e Professora Dorinha Seabra (União Brasil-TO) temem que a mudança reduza candidaturas femininas. O relator rebateu ao lembrar que manteve destinação obrigatória de 30% dos recursos eleitorais para candidatas e contagem em dobro dos votos em mulheres para fins de distribuição dos fundos eleitoral e partidário.
A Secretaria da Mulher da Câmara criticou a troca da obrigatoriedade de candidaturas por uma reserva de cadeiras. Caso o percentual mínimo de mulheres eleitas não seja alcançado, o projeto prevê a possibilidade de anular a eleição e convocação de uma nova.
Novo Código Eleitoral cria regra específica para auditoria da urna
Com 898 artigos, o novo Código Eleitoral traz mudanças em vários pontos da legislação. Ele agrega as regras das leis das eleições, dos partidos, de inelegibilidades e de combate à violência política contra a mulher.
Uma das inovações do código é o capítulo sobre urnas eletrônicas, que prevê auditoria permanente do sistema por partidos, universidades e outras instituições. A Justiça Eleitoral terá de fazer testes públicos de segurança e garantir transparência de votação, apuração e totalização.
No campo digital, será permitido o impulsionamento de conteúdo por pré-candidatos a partir do início do ano eleitoral, limitado a 10% dos gastos da campanha. O projeto tipifica como infração o uso de notícias falsas, disparos em massa não autorizados, manipulação de perfis e invasões de contas.
A propaganda eleitoral passa a permitir mensagens negativas contra adversários, desde que não contenha “calúnia, injúria, discurso de ódio ou difusão de inverdades”. Manifestações políticas em templos e universidades não serão consideradas propaganda irregular.
Reforma eleitoral prevê que candidatura de militares e policiais exigirá saída do cargo 4 anos antes
No novo Código Eleitoral, o pedido de registro de candidaturas será antecipado para 14 de agosto. Todos os cargos passam a ter mesmo prazo de desincompatibilização: 2 de abril do ano da eleição. A proposta estabelece ainda que juízes, promotores, policiais e militares devem se afastar dos cargos quatro anos antes do pleito.
No financiamento de campanhas, o texto impõe novos limites a doações de pessoas físicas: 10% dos rendimentos brutos do ano anterior, com mínimo garantido de R$ 2.855,97. A doação em bens ou serviços sobe de R$ 40 mil para R$ 100 mil. Também será permitido ao candidato custear até 30% da própria campanha, se o teto de gastos for de até R$ 120 mil.
A prestação de contas para campanhas com movimentação inferior a R$ 25 mil será simplificada. As penalidades para desaprovação de contas estarão limitadas a multas de até R$ 30 mil. O julgamento das contas partidárias será administrativo e terá prazo de três anos.
No campo das penalidades, condutas como caixa dois, abuso de poder, corrupção e uso indevido de comunicação só resultarão na cassação de mandato se influenciarem o resultado da eleição. A inelegibilidade será limitada a oito anos, contados a partir do ano seguinte ao julgamento.
Projeto limita edição de normas pelo TSE para proteger a efetividade de leis
Pela proposta em discussão no Senado, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) terá competências limitadas: não poderá editar normas que contrariem o novo Código ou a Constituição. Alterações de jurisprudência só valerão para eleições um ano após serem editadas. Recursos contra decisões de juízes eleitorais serão suspensas até julgamento final nos tribunais regionais.
Para Marcus Deois, diretor da consultoria Ética, a atualização do Código Eleitoral deve virar prioridade no Congresso por força do calendário, já que mudanças precisam ser sancionadas até um ano antes das eleições de 2026.
Ele acredita que a reserva de 20% das cadeiras legislativas para mulheres deve avançar com apoio das bancadas femininas, além da definição mais clara de inelegibilidade, tema que deve unir apoiadores do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o maior rival, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
O especialista destaca ainda a proposta de aplicar a fidelidade partidária a cargos majoritários, permitindo troca de partido só na janela eleitoral, seis meses antes do pleito. “As regras da política exigem revisão contínua, independente de ideologia”, finaliza.