Sou advogado há mais de uma década, ex-professor universitário – especialmente nas disciplinas de Ética Jurídica – e ex-vice-presidente da Comissão de Direitos e Prerrogativas da Subseção da OAB de São Luís de Montes Belos (GO). Ao longo dessa trajetória, sempre atuei comprometido com a defesa intransigente das prerrogativas da advocacia e da preservação do Estado Democrático de Direito.
Aprendi (e transmiti aos meus alunos) que o respeito às prerrogativas profissionais não é um privilégio da classe, mas uma garantia fundamental da sociedade. Quando um advogado é impedido de exercer sua função com liberdade e dignidade, é o próprio Estado Democrático de Direito que se vê ameaçado. E, por consequência, cada cidadão perde um pouco da sua proteção contra o arbítrio estatal.
No último dia 22 de abril, durante sessão da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, o ministro Cristiano Zanin determinou o lacre dos celulares de todos os presentes – advogados, jornalistas e até parlamentares – sob a justificativa de evitar gravações indevidas. A medida, inédita e sem respaldo legal ou regimental, foi aplicada de forma indiscriminada, inclusive durante sustentações orais, cerceando o exercício da advocacia e violando frontalmente o art. 7º do Estatuto da OAB e o próprio art. 367, §§ 5º e 6º, do Código de Processo Civil. O uso de celulares é, hoje, ferramenta indispensável para o exercício pleno da profissão, permitindo acesso a memoriais, jurisprudência atualizada e comunicação com a equipe técnica.
Diante desse cenário, o que se esperava era uma reação firme da Ordem dos Advogados do Brasil, histórica defensora das liberdades públicas. No entanto, o que se viu foi um silêncio constrangedor por parte do Conselho Federal da OAB e de seu atual presidente, limitando-se a um ofício protocolar, sem a contundência que o episódio exigia. Em contraste, seccionais como a OAB/GO e a OAB/RJ, por exemplo, não se furtaram a cumprir seu papel institucional. Manifestaram-se de forma enérgica contra a decisão do ministro, alertando para a grave violação das garantias profissionais da advocacia e para os riscos que medidas autoritárias representam à sociedade como um todo.
Se, em tempos passados, o mundo assistiu horrorizado ao esmagamento das liberdades em nome de falsas legalidades, seria exagero perguntar se, hoje, no Brasil, não estamos trilhando o mesmo caminho sob o verniz respeitável de uma toga?
É importante que a sociedade compreenda: a violação das prerrogativas dos advogados não é uma afronta corporativista. Trata-se, na realidade, de um ataque direto ao direito de defesa do cidadão comum. Sem advogados livres, não há como proteger adequadamente os direitos individuais frente ao poder do Estado. Quando se sufoca a advocacia, fragiliza-se a democracia, tornando-se a cidadania refém de arbítrios disfarçados de legalidade.
Não são poucos os exemplos históricos que evidenciam os perigos dessa trajetória. Em regimes totalitários, um dos primeiros alvos é a advocacia independente. Durante o nazismo, advogados judeus foram proibidos de exercer a profissão; na União Soviética, advogados que ousavam contrariar o regime eram perseguidos ou eliminados; em ditaduras latino-americanas, advogados eram presos por defenderem presos políticos. Dirão que qualquer semelhança com o cenário atual é mera “coincidência”. Mas a História costuma ser menos criativa do que gostaríamos.
O cerceamento das prerrogativas é um prenúncio da morte das liberdades. Tolher o exercício da advocacia, ainda que sob pretextos aparentemente legítimos como a “ordem” ou a “segurança”, é prática típica de regimes autoritários que desprezam o devido processo legal. Sempre que um advogado é intimidado ou amordaçado, quem perde não é apenas o profissional, mas o cidadão que, amanhã, poderá necessitar de defesa contra o abuso de poder.
Se, em tempos passados, o mundo assistiu horrorizado ao esmagamento das liberdades em nome de falsas legalidades, seria exagero perguntar se, hoje, no Brasil, não estamos trilhando o mesmo caminho sob o verniz respeitável de uma toga?
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Em nome da “proteção da democracia”, assistimos ao atropelo reiterado de garantias constitucionais, sempre mirando um determinado espectro político-ideológico, enquanto a advocacia – especialmente aquela que ousa erguer a voz em defesa de seus constituintes – passa a ser vista como suspeita. Sob a aparência de legalidade, práticas típicas de regimes de exceção vão se normalizando, e a vida democrática vai se tornando uma ficção tolerada. Já não vivemos, afinal, em um Estado de Exceção – ainda que sem a necessidade de tanques nas ruas, mas com canetas, ofícios e decisões monocráticas? Quem precisa de baionetas quando se tem ministros zelosos demais “protegendo a democracia”?
As mazelas advindas desse tipo de abuso não se limitam ao ambiente forense. Espraiam-se pela sociedade como um todo: enfraquecimento da confiança nas instituições, ampliação do medo social, relativização das garantias constitucionais e, gradativamente, a transformação de direitos em meras concessões revogáveis conforme a conveniência do poder de turno.
O Supremo Tribunal Federal, enquanto guardião da Constituição, deveria ser o exemplo máximo de respeito às garantias fundamentais. No entanto, atitudes como a do ministro Zanin – e de outros, em específico – demonstram um preocupante descompasso entre o discurso de proteção dos direitos e a prática de restrição às liberdades.
Por isso, é imperativo que a OAB, especialmente seu Conselho Federal, retome seu papel histórico de guardiã das liberdades democráticas e seja incisiva. A advocacia brasileira — e a sociedade como um todo — não pode aceitar passivamente práticas que lembrem mais a lógica do autoritarismo do que os valores democráticos que juramos defender.
A história da OAB é marcada por coragem em momentos difíceis: lutou contra o Estado Novo, contra os desmandos do período militar, defendeu a anistia e a redemocratização. Não pode, agora, calar-se quando vê advogados – e, por consequência, cidadãos – expostos a medidas arbitrárias. O silêncio, neste contexto, é a mais grave das conivências. Esse silêncio é ensurdecedor… e covarde!
Que não esqueçamos: defender as prerrogativas da advocacia é, em última análise, defender os direitos de toda a sociedade. Onde a voz dos advogados é sufocada, logo a voz do povo também se cala.
Orion Alves Rabelo Junior, advogado e ex-professor universitário, membro do “Movimento Advogados de Direita do Brasil”.