O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino afirmou nesta sexta-feira (9) que a suspensão da ação penal contra o deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ), determinada pela Câmara, não impede uma eventual prisão preventiva. A Primeira Turma formou maioria para limitar a resolução que barrou todo processo por suposta tentativa de golpe contra Ramagem.
O texto aprovado pelos deputados abre brecha para beneficiar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no caso. O posicionamento do ministro Alexandre de Moraes, relator da ação, foi acompanhado por Dino e Cristiano Zanin. O voto do ministro Luiz Fux, seguindo o entendimento de Moraes, chegou a aparecer, mas pouco tempo depois foi retirado do sistema.
Em seu voto, Dino reforçou que a prisão preventiva ou uma medida cautelar de afastamento do cargo “pode ser decretada a qualquer tempo pelo Poder Judiciário”.
“A suspensão é válida exclusivamente durante o exercício do mandato, uma vez que se trata de prerrogativa instituída em benefício da atividade legislativa. De tal sorte, ela não subsiste se houver prisão preventiva e/ou afastamento cautelar do parlamentar, por força do art. 319, VI, do CPP”, afirmou.
O ministro destacou que essa norma consta no “Código de Processo Penal – este, evidentemente, Lei aprovada pelo Congresso Nacional”. Em um recado ao Congresso, ele afirmou que apenas em “tiranias” um ente do Estado pode concentrar poderes.
“Somente em tiranias um ramo estatal pode concentrar em suas mãos o poder de aprovar leis, elaborar o orçamento e executá-lo diretamente, efetuar julgamentos de índole criminal ou paralisá-los arbitrariamente – tudo isso supostamente sem nenhum tipo de controle jurídico”, disse Dino.
“Maiorias ocasionais podem muito em um sistema democrático, mas certamente não podem dilacerar o coração do regime constitucional”, acrescentou. Ele ressaltou que a decisão do Poder Legislativo “não é imune ao controle jurisdicional, por força do princípio da inafastabilidade da jurisdição, notadamente em face da possibilidade de abusos e desvios”.
“Friso que o art. 53, § 3º, da CF, não atribui às Casas Legislativas a competência para decidir, em caráter terminativo, pela sustação da ação penal. Isso porque está em causa processo judicial, sendo certo que, nessa conjuntura, a decisão final constitui ato típico e exclusivo do órgão competente do Poder Judiciário”, disse.
Câmara vê interferência do STF no Legislativo
O embate entre o Legislativo e o Judiciário se aprofundou a partir das decisões de Dino sobre a distribuição de emendas parlamentares. O impasse mais recente abrange a competência da Câmara em decidir, com base na Constituição, sobre os próprios deputados.
No início de abril, o PL pediu à Câmara a suspensão da ação penal contra Ramagem, que é o único acusado com foro privilegiado no inquérito do golpe, com base no artigo 53 da Constituição, que estabelece que partidos pode sustar processos sobre eventuais crimes ocorridos após a diplomação.
Antes de a medida ser aprovada, Zanin informou que a ação só poderia ser travada em relação às acusações de dano qualificado pela violência e grave ameaça, contra o patrimônio da União, e com considerável prejuízo para a vítima, e deterioração de patrimônio tombado, vinculadas ao 8 de janeiro de 2023, após a diplomação.
A Câmara enfrentou o STF e aprovou a resolução que trava o processo contra Ramagem por 315 votos a favor e 143 contra, na última quarta-feira (7). Durante a sessão, o relator do pedido do PL, deputado Alfredo Gaspar (União-AL), defendeu que a Casa decidiu dentro de suas competências.
“Esta Casa não é menor do que qualquer Poder da República. Estamos decidindo os fundamentos das prerrogativas constitucionais deste Parlamento”, disse Gaspar.
Câmara ultrapassa prerrogativas e interfere na competência do STF, diz Dino
Para Dino, as determinações sobre o tema aprovadas pela Câmara “ultrapassam em muito a previsão constitucional” e representam “indevida ingerência em um processo judicial de competência exclusiva” do STF.
Ele apresentou ressalvas ao voto do relator, destacando que a lei utilizada pela Câmara para barrar a ação “suspende a prescrição, enquanto durar o mandato”. Ou seja, as regras se “aplicam exclusivamente aos parlamentares, durante (e em virtude) do exercício do mandato”, pois a diplomação constitui a última fase do processo eleitoral.
“Assim sendo, não há que se falar em atribuição da Casa Legislativa para buscar suspender ação penal quanto a crimes supostamente praticados por parlamentar ANTES da diplomação. A razão é óbvia: o exercício do mandato parlamentar pressupõe a diplomação, de modo que, antes dela, não há o que assegurar em termos de direitos e prerrogativas”, disse o ministro.
“Acrescento que a suspensão a que se refere o art. 53, § 3º, da CF, aplica-se a uma ÚNICA legislatura. Em caso de reeleição, não há prorrogação da suspensão da ação penal”, ressaltou.