O jurista André Marsiglia analisou a nota publicada pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, em que negou a revista britânica O economista ter dito: “Vencemos o bolsonarismo”.
Barroso respondeu à reportagem A Suprema Corte do Brasil está em julgamentoa qual acusa o Judiciário brasileiro de concentrar um poder excessivo, com destaque à atuação do ministro Alexandre de Moraes.
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Para André Marsiglia, “não cabe a um tribunal debater com a imprensa por meio de nota oficial” e que Barroso “talvez não entenda o cargo que ocupa”.
O especialista e pesquisador em liberdade de expressão sinalizou que o presidente do STF, “ao usar a nota para defender colegas e sua própria atuação, não respeita o dever de impessoalidade, imposto pelo artigo 37 da CF a todo agente público”. “Deveria ser punido em razão disso”, afirmou.
Os oito erros de Barroso
Leia abaixo os oito erros apontados pelo especialista Marsiglia sobre as declarações de Barroso na nota à revista britânica O economista.
STF independente
Na nota, Barroso disse que o STF precisou ser “independente e atuante para evitar o colapso das instituições, como ocorreu em vários países do mundo, do leste Europeu à América Latina”.
Marsiglia rebateu: “Ao chamar os atos de ‘ameaças à democracia’ prejulga casos ainda sob análise da Corte e mostra justamente sua falta de independência”.
Crise de confiança
Outro ponto levantado pelo presidente da Suprema Corte foi que “não existe uma crise de confiança” em relação ao STF. Em relação a esse ponto, Marsiglia destacou: “O instituto Opinião mostra que cerca de 50% das pessoas não confiam no STF. No Sul, o índice beira 60%”.

Decisões monocráticas
Barroso declarou, em resposta à revista britânica: “As chamadas decisões individuais ou ‘monocráticas’ foram posteriormente ratificadas pelos demais juízes”.
O jurista também classificou a fala como errada. “Boa parte das decisões é tomada em inquéritos, e a jurisprudência do STF veda os poucos recursos existentes, como HC, em caso de decisões monocráticas de ministro do STF em inquéritos”, disse.
Suspensão do X
O presidente do STF avaliou a suspensão da rede social no Brasil, por determinação de Moraes. Disse que a deliberação ocorreu porque o X retirou “os seus representantes legais do país, e não em razão de qualquer conteúdo publicado”.
Marsiglia rebateu: “Não explica que a falta de representante ocorreu porque o ministro Moraes ameaçou prendê-lo, se não cumprisse ordens censórias de exclusão de conteúdo”.
“Derrotamos o bolsonarismo”
Na nota, Barroso negou ter dito a emblemática frase: “Derrotamos o bolsonarismo” e alegou que foi uma declaração dos “eleitores”.
“Errado”, afirmou Marsiglia. “A frase dele, gravada, em 12/7/23, em um evento da UNE, foi exatamente a seguinte: ‘Nós derrotamos a censura, nós derrotamos a tortura, nós derrotamos o bolsonarismo para permitir a democracia e a manifestação livre de todas as pessoas’.”
Julgamento nas turmas
O ministro também justificou os julgamentos na Corte: “A regra de procedimento penal em vigor no Tribunal é a de que ações penais contra altas autoridades seja julgada por uma das duas turmas do tribunal, e não pelo plenário”.
Este foi o sexto erro apontado por Marsiglia, o qual argumentou que, “essa regra, advinda de regimento interno do STF, já mudou outras vezes”. “Não haveria nada de excepcional se ela fosse relativizada para o julgamento do ‘golpe’”, disse.
Ofensas aos ministros
Ao falar sobre a imparcialidade nos julgamentos envolvendo Bolsonaro, o magistrado alegou que “quase todos os ministros do tribunal já foram ofendidos pelo ex-presidente”.
O jurista sinalizou mais um erro de argumentação: “Os pedidos de afastamento dizem respeito a um juiz ser vítima de uma suposta trama contra sua vida (Moraes) e a os outros terem se manifestado publicamente contra Bolsonaro (Dino) ou terem participado de processos judiciais contra ele (Dino e Zanin). São casos específicos e com afastamento previsto em lei”.
Revista usa narrativa da suposta tentativa de golpe
Por fim, Barroso declarou que o enfoque da reportagem da O economista “corresponde mais à narrativa dos que tentaram o golpe de Estado do que ao fato real de que o Brasil vive uma democracia plena, com Estado de direito, freios e contrapesos e respeito aos direitos fundamentais”.
Para Marsiglia, a fala está incorreta. “Se uma Nota Oficial do STF reconhece ter havido tentativa de golpe, parece que o julgamento, ainda em curso, já foi feito sem sabermos”, apontou.
O especialista em liberdade de expressão alertou que “estamos diante de um teatro” e que o “STF precisa se explicar imediatamente” sobre a nota publicada.