O Ministério Público Federal (MPF) investiga possíveis fraudes em licitações que envolvem emendas Pix enviadas pelo deputado Hugo Motta (Republicanos-PB) ao município de Santa Luzia, na Paraíba. A apuração busca determinar se uma empresa de fachada venceu a concorrência e se houve desvio ou aplicação irregular de recursos federais.
Santa Luzia, que tem 15 mil habitantes, recebeu R$ 900 mil em transferências especiais enviadas por Motta nos anos de 2023 e 2024. Além disso, em 2023, o deputado Frei Anastácio (PT-PB) destinou R$ 100 mil à cidade. Essas emendas permitem o repasse direto de valores sem a necessidade de um projeto específico. O Supremo Tribunal Federal (STF) determinou posteriormente maior controle sobre esse tipo de transferência.
Obras sob suspeita
Confira:
Os recursos foram utilizados na reforma de uma praça municipal. A licitação promovida pela prefeitura estabeleceu um custo de R$ 1,3 milhão para a obra, que incluía a renovação de canteiros e a construção de quiosques.
A empresa vencedora, Construtora Barbosa e Ferreira Ltda., é alvo da investigação. O MPF suspeita que a companhia seja de fachada. A sede da empresa fica em uma residência modesta no município de Desterro, que tem apenas 8 mil habitantes. O endereço levanta dúvidas sobre a capacidade técnica e financeira da construtora.
Outro ponto sob apuração envolve os trabalhadores contratados para a obra. Há indícios de que moradores locais realizaram o serviço sem vínculo formal com a empresa responsável.
Controvérsias e questionamentos jurídicos
A construção dos quiosques gerou protestos entre os moradores. Alguns entraram com uma ação no Tribunal de Justiça da Paraíba (TJ-PB), e alegaram que a obra bloqueou a passagem de veículos em frente às residências e favoreceu comerciantes em um contexto eleitoral. Henry Lira (Republicanos), atual prefeito de Santa Luzia, foi eleito no pleito de 2024 e é aliado político de Hugo Motta. No início das obras, a gestão municipal estava sob comando de Zezé (Republicanos), outro aliado do parlamentar.
Apesar disso, moradores de Santa Luzia ouvidos pela reportagem afirmaram que os comerciantes locais ficaram insatisfeitos com a obra, pois ela teria causado mais prejuízos do que benefícios ao comércio. O município fica a 37 minutos de Patos, cidade natal de Motta e seu principal reduto eleitoral.
O TJ-PB chegou a suspender temporariamente a obra no ano passado para evitar impactos aos moradores. Em 25 de fevereiro deste ano, autorizou a retomada da construção.
O empresário Ricássio Ferreira do Nascimento, proprietário da construtora investigada, negou qualquer irregularidade, conforme informou o portal UOL. Segundo ele, a interrupção ocorreu por decisões judiciais, mas garantiu que a execução será concluída e que sua empresa venceu a licitação por oferecer o menor preço.
“Paramos a obra por conta de problemas na Justiça, mas vamos finalizar. Minha construtora está em dia, meu meio de vida é esse”, disse Nascimento ao UOL. “Sempre vem denúncia de um lado ou do outro, mas quando eu ganho a licitação eu ganho realmente no preço.”
Oeste entrou em contato com a assessoria do deputado Hugo Motta e com Zezé, ex-prefeito de Santa Luzia, mas não recebeu retorno até o fechamento desta reportagem.
Interferência do MPF e decisão do STF
No fim de 2024, o MPF analisou se a investigação deveria continuar na esfera federal. O questionamento surgiu porque o repasse envolvia recursos da União destinados ao município. A procuradoria em Campina Grande sugeriu o arquivamento, e alegou que se tratava de uma questão municipal.
No entanto, a 5ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF, que supervisiona investigações em Brasília, decidiu manter a apuração. O colegiado também permitiu que a procuradora responsável pelo caso se afastasse, caso desejasse. A decisão seguiu jurisprudência recente do STF, que estabelece que a Justiça Federal deve fiscalizar transferências especiais.
Outros contratos sob investigação
Além da reforma da praça, outra obra em Santa Luzia está sob investigação. Em 2021, o município recebeu R$ 3,2 milhões em emendas de relator indicadas por Hugo Motta para financiar a construção do Parque de Eventos. A obra se prolongou por três anos além do previsto. Depois de problemas na execução, a conclusão ocorreu com uma empresa diferente da contratada inicialmente.
O vereador Ricardo Morais (MDB) denunciou indícios de superfaturamento e falhas na fiscalização do contrato. Ele apresentou imagens que mostram tijolos mais finos do que os pagos pela prefeitura. A gestão municipal ainda não se pronunciou sobre as denúncias.
Outra obra sob suspeita envolve a cidade de Patos, onde Nabor Wanderley (Republicanos), pai de Hugo Motta, ocupa o cargo de prefeito. O MPF apura irregularidades na recuperação de avenidas da cidade, financiada com R$ 4,7 milhões em emendas de relator, conhecidas como “orçamento secreto”. O convênio foi assinado no fim de 2020, e os repasses foram executados durante a gestão de Nabor Wanderley.
Em setembro de 2023, a Polícia Federal e o MPF deflagraram uma operação para investigar essa obra. Na época, Hugo Motta afirmou, por meio de sua assessoria, que não era alvo da investigação. O deputado defendeu o trabalho dos órgãos de fiscalização e declarou que eventuais irregularidades devem ser punidas conforme o devido processo legal.