Jaguaré, no Norte do Espírito Santo, conta com nove marcas de café conilon especial registradas, oito delas produzidas por mulheres. Faz parte da lista o café Calvi, comandado por Kettini Upp Calvi. O fato de ser mãe solo do Samuel e da Alice, formada em Assistência Social e morar em Vitória há 22 anos não foram impedimentos para a empreendedora propor uma nova fonte de renda para família.
Pelo contrário, ela largou a estabilidade de uma carreira de 15 anos no serviço público e voltou para sua terra natal para fundar, ao lado pai e dos irmãos, uma agroindústria e assim agregar valor ao café conilon produzido na propriedade.
Filha e neta de produtor rural, na infância e adolescência Kettini participava de todo processo de produção de café, desde o plantio, passando pela adubação e a secagem dos grãos. Incentivada a estudar desde muito cedo, ela se mudou para capital e, apesar do sucesso profissional, faltava algo.
Coincidência ou não, um dos trabalhos que executava era a gerência de projetos ligados a agricultura. Foi ali que começou a ter contato com as políticas de incentivo do Governo do Estado à produção de conilon de qualidade. A iniciativa de voltar para Jaguaré e iniciar a produção de cafés de qualidade veio na pandemia.

Kettini com os filhos Samuel e Alice
“Fui embora estudar, mas sempre quis desenvolver algo que preenchesse um vazio que tinha dentro de mim, queria ter meu próprio negócio. Quando comecei ouvir falar sobre conilon de qualidade me chamou muito a atenção, até então só sabia do arábica. No período da pandemia, veio a vontade de voltar para próximo dos meus pais”, conta Kettini, que também tem formação em gestão de projetos pela Fundação Getúlio Vargas.
Ainda morando em Vitória, ela começou a pesquisar sobre cafés especiais, conhecer pessoas ligadas ao setor e buscou informação junto ao Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper). Assim nasceu a agroindústria que leva o nome da família e fica na localidade de Barra Seca Velha, distrito de Fátima, em Jaguaré. Um investimento de cerca de 500 mil só para instalação da agroindústria.


Primeiro veio o Café Calvi, em seguida criaram o Energia Z, um pré-treino a base de cafeína, e o Café Jaguaré. “Nós conseguimos chegar em um processo que extrai mais cafeína dos grãos e fizemos o pré-treino. O café Jaguaré é uma linha gourmet, e o nome é uma homenagem ao nosso município que já é reconhecido nacionalmente por ser um grande produtor de conilon”, explica.
Visionário, atento às inovações do mercado e disposto a fazer algo diferente do que todo mundo já faz com o café, Alex Sander Upp Calvi, irmão de Kettini, aceitou de imediato a proposta. Já o pai, Paulino Calvi, foi resistente até o café começar ganhar concursos de qualidade.
“O início foi desafiador, mas em pouco tempo conseguimos mostrar que existe mercado e um futuro promissor quando trabalhamos com qualidade. Hoje, meu pai é o maior incentivador. É aquele que está todos os dias na fábrica comigo, não me deixa sozinha, me ajuda no desenvolvimento das atividades. Ele abraçou a causa, vende café, fala de café de qualidade e sempre nos acompanha nos eventos”.
O café beneficiado pela família é 100% produzido por eles. Para isso, foi necessário adequar o manejo das lavouras desde as mudas até a colheita. Os produtos são vendidos no comércio de Jaguaré, no site da empresa e em plataformas de marketplace Mercado Livre, Shopee. Agora, eles se preparam para entrar Amazon.


Família Calvi
“Para chegar em uma lavoura que produz conilon especial, fizemos uma ampla pesquisa para identificar qual clone que se adaptaria ao nosso clima e que trouxesse ao mesmo tempo uma bebida agradável e suave. Acompanhamos todo o processo produtivo, desde a seleção da muda até a colheita, industrialização e comercialização. Também tivemos que investir em absolutamente tudo, em termos de adubação, uso de defensivos, quantidade de água, tudo é controlado, esse é o nosso diferencial”, pontua Kettini.
Mãos femininas
Todo trabalho realizado na agroindústria é feito por mãos femininas. Além de Kettini, todas as colaboradoras são mulheres. Além das funcionárias fixas, sempre que precisa de mão de obra extra para fazer a seleção de grãos, torra ou o processo de embalagem, ela recorre as esposas dos parceiros agrícolas. A única força masculina presente é para levantar as sacas de café.
“O Café Calvi começou por uma mulher e eu sempre tive vontade de desenvolver um trabalho que tivesse a força e a mão de obra feminina. Priorizei a contratação de mulheres e a nossa mão de obra, dentro da fábrica, além de ser familiar e toda feminina. Só temos mulheres no dia a dia do negócio”.
Agroturismo
Na esteira de ideias para agregar valor à propriedade, Kettini trabalha para inserir o Sítio Boa Vista na lista de opções de turismo do município. “Já idealizamos dois produtos de agroturismo”, conta.
Uma das opções é o Dia de Campo na Lavoura. Um passeio de trator pelas lavouras para os visitantes verem de perto uma plantação de café, seguido de uma visita a trilha ecológica que será criada na mata ao lado do cafezal.
O segundo produto é um dia de fábrica. A ideia é abrir a fábrica de cafés especiais os visitantes, grupos de cinco a 10 pessoas, vivenciam todo o processo de preparação dos cafés, desde seleção de grãos, torra, embalagens e rotulagem.
“O final dessa experiência será na Lavoura do Turista, uma área reservada em frente a fábrica para que os turistas que desejarem plantem o seu pé de café. A muda será etiquetada com o nome dele e um número, e o turista acompanhar pelo site o desenvolvimento do seu pé de café por meio de fotos. No período de colheita, caso ele queira, ele poderá vir até aqui colher o seu café”, detalha a empreendedora.
Os projetos estão em fase de desenvolvimento e regularização e a expectativa é que as rotas entrem em funcionamento a partir de 2026.
Mulheres no agro
Engajadas e organizadas, as mulheres impulsionam a criação de ambientes dinâmicos e o crescimento dos negócios dentro e fora das porteiras. Kettini Calvi faz parte das 947 mil mulheres que estão de alguma forma ligadas ao comando de propriedades rurais no país, de acordo com o Censo Agropecuário do IBGE, de 2017.
Levantamentos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que as mulheres são responsáveis por 30 milhões de hectares com produção de agronegócio – o que representa aproximadamente 8,5% da área ocupada por sítios e fazendas no país.
Cerca de 71% das mulheres ligadas ao agro precisam lidar com diversas tarefas e responsabilidades, mostram os dados da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag).