Recentemente, o presidente da Argentina, Javier Milei, protagonizou um episódio embaraçoso ao declarar apoio a uma das memecoins – um criptoativo sem lastro, baseado em piadas da internet, caracterizado por extrema volatilidade e alto risco de perda. Pouco tempo depois, ele recuou e justificou sua mudança de postura alegando entusiasmo pela tecnologia, mas admitindo desconhecimento sobre o funcionamento desse tipo de ativo como investimento. Apesar disso, afirmou ser especialista em crescimento econômico, com ou sem dinheiro, mas não em tecnologias relacionadas a criptoativos.
Para alguém que se considera um potencial ganhador do Prêmio Nobel de Economia, Milei demonstra dificuldades com conceitos fundamentais da própria disciplina, a começar pelo funcionamento da moeda em uma economia de mercado. Embora a especulação não seja um crime, em mercados maduros e regulados, práticas desse tipo são vistas com ressalvas e coibidas, pois frequentemente sinalizam intenções duvidosas por parte dos agentes econômicos.
Afinal, quem se importa com uma moeda estável, com credibilidade ou com a confiança dos investidores internacionais, quando se pode, como Milei, promover um mercado onde o único garantido é a possibilidade de ganhar – ou perder – tudo de uma vez?
No entanto, se há algo que a promoção de ativos sem lastro como o memecoins e a constante desregulação defendida por Milei evidenciam, é a falta de previsibilidade nas políticas econômicas do país. A credibilidade internacional da Argentina deveria ser uma preocupação constante, especialmente em um ambiente financeiro global que valoriza estabilidade e confiança. Porém, o mercado, por algum motivo, parece aplaudir o radicalismo de Milei, aceitando seu discurso ultraliberal e sua “motosserra fiscal” como se fossem a solução para todos os problemas econômicos.
O episódio expõe um paradoxo na visão ultraliberal de mercado. Enquanto os cortes de gastos públicos são levados ao extremo – aproximando-se de zero, sem afetar os salários da elite política –, o Estado abdica de seu papel regulador, deixando investidores desprotegidos e abrindo caminho para um mercado regido mais pela selvageria do que pela confiança. A crença de Milei de que novos aportes financeiros para iniciativas empreendedoras possam surgir de esquemas especulativos, como as memecoins, não reflete apenas desconhecimento sobre novas tecnologias, mas revela a má-fé de quem lucra com a ausência de regulamentação.
E isso não é por acaso. Embora as políticas de Milei claramente favoreçam uma pequena parcela de insiders e especuladores, há um segmento do setor financeiro que continua encantado com seu modelo de desregulação total. Em muitos casos, o mercado prefere ignorar as contradições evidentes e fechar os olhos para os riscos que essas políticas impõem à economia real. Afinal, por mais que se fale em liberdade de mercado, o que estamos realmente vendo é um sistema que beneficia os poucos à custa de muitos.
Mas o mercado, com toda sua imprevisibilidade, tem um hábito curioso: de repente, ele se “surpreende” com algum resultado inesperado ou um comportamento de fanfarra. E, quando isso acontece, a confiança evapora tão rápido quanto o valor de uma criptomoeda inflada pela euforia. A ironia é que, ao defender um modelo econômico sem regulação, como o das memecoins, Milei pode estar contribuindo para um colapso ainda maior, onde as consequências de sua política econômica radical afetarão não apenas os mais vulneráveis, mas todos que dependem de um sistema financeiro funcional.
No final, é até divertido pensar que, enquanto o resto do mundo tenta entender as complexidades das economias modernas, a Argentina parece encontrar consolo em um líder que defende um modelo ultraliberal onde o caos se torna uma “oportunidade”. Talvez seja isso o que o país precise: mais euforia, mais especulação, mais liberdade para aqueles que sabem manipular o sistema financeiro.
Afinal, quem se importa com uma moeda estável, com credibilidade ou com a confiança dos investidores internacionais, quando se pode, como Milei, promover um mercado onde o único garantido é a possibilidade de ganhar – ou perder – tudo de uma vez, como o das memecoins? Em um cenário assim, a verdadeira pergunta não é se a economia argentina pode se recuperar, mas sim quanto tempo até o próximo desastre ser tratado como “uma simples chance de crescimento”. Até lá, quem sabe a criptomoeda não volta a ser a solução para os problemas econômicos do país ou ao menos uma boa piada para se contar no futuro.
Guilherme Frizzera é doutor em Relações Internacionais e coordenador do curso de Relações Internacionais da UNINTER; Marcos José Valle é doutor em Sociologia e professor de Gestão, Comunicação e Negócios da UNINTER.