Conhecido como “estudante de direita” desde seu ingresso na Universidade de São Paulo (USP), em 2020, o aluno Victor Henrique Ahlf Gomes afirma que foi expulso da instituição no final da graduação por “perseguição política”. O paulista de 22 anos concluiu o curso de Direito com alto desempenho acadêmico — média geral 9,1 — e nota máxima no Trabalho de Conclusão de Curso (TCC). No entanto, afirma que enfrentou um Processo Administrativo Disciplinar (PAD) com “viés político” que o expulsou da instituição e o proibiu de se formar.
“Entendo desproporcional a expulsão do aluno”, apontou pela rede X a professora de Direito Penal na USP, Janaina Paschoal. “Todos os créditos cumpridos, notas altas, não poder colar grau? Não se tratasse de um aluno abertamente de direita, o espírito de conciliação teria falado mais alto”, continuou a jurista.
O professor José Mauricio Conti, de Direito Financeiro na USP, também se manifestou no espaço de comentários da postagem. “Participei do julgamento e analisei todas as provas. Uma decisão absurda e profundamente lamentável”, escreveu o docente, caracterizando o caso como “vergonhoso”.
À Gazeta do Povo, Conti explicou que faz parte da comissão deliberativa da Faculdade de Direito — composta por professores, servidores e ex-alunos — e, por isso, teve acesso a todo o processo. “Não há nada que pudesse ser transportado para o mundo acadêmico para justificar essa decisão”, garantiu o especialista, ao apontar que “as provas são extremamente frágeis” e que “a versão do estudante é coerente e sempre foi a mesma”.
Não se tratasse de um aluno abertamente de direita, o espírito de conciliação teria falado mais alto”
Janaina Paschoal, professora de Direito Penal na USP e vereadora de São Paulo
De acordo com o professor, o PAD foi aberto pela instituição após uma desavença do rapaz com a namorada, em 2022, quando o jovem fez uma reclamação contra a garota na Ouvidoria da Faculdade de Direito, onde ela também estudava. Após alegações de defesa da moça, no entanto, a diretoria inverteu a denúncia, abrindo procedimento administrativo contra Victor.
“O caso está em sigilo, mas reportagens publicadas nos últimos dias mostraram que as acusações tratam de situação equivalente a assédio sexual e importunação durante trabalhos escolares, e nada disso foi comprovado”, garante o professor. “Quem analisou as provas, e isso posso afirmar com absoluta segurança, sabe que são extremamente fracas, a começar pela palavra da vítima, que dá depoimentos divergentes.”
Victor explica o que aconteceu entre ele e a ex-namorada
Confira:
- 1 Victor explica o que aconteceu entre ele e a ex-namorada
- 2 Victor afirma que o PAD foi usado para reprimir “opiniões de direita”
- 3 PAD não poderia ser aberto por questões fora da universidade
- 4 “O que fizeram com o Victor foi imperdoável”, afirma advogada de defesa
- 5 Faculdade de Direito agendou reunião para reavaliar o caso
Em entrevista à Gazeta do PovoVictor diz que namorou a garota durante nove meses no início do curso de Direito, em 2021, época da pandemia de Covid-19. Depois disso, terminaram o relacionamento, mas mantiveram contato. Então, em abril de 2022, decidiram voltar e combinaram um passeio.
De acordo com Victor, o encontro ocorreu em uma sexta-feira a noite, quando buscou a garota na casa de uma amiga para irem ao shopping. “Jantamos, nos beijamos e decidimos reatar o namoro”, conta, ao citar que trocaram mensagens nos dias seguintes e se viram na segunda-feira, durante a aula. “Tentei conversar, mas ela deu a entender que não queria.”
Victor descobriu, então, que alunos comentavam a respeito de seu encontro. “Soube por um amigo que estavam falando que eu a teria forçado a sair comigo, mas mostrei para ele que tínhamos conversado antes”, conta o rapaz, explicando que havia combinado o passeio com a garota durante a manhã de sexta-feira, pessoalmente. “Um amigo nos viu juntos no Salão Nobre da faculdade e testemunhou isso no processo.”
A Gazeta do Povo teve acesso à transcrição dos depoimentos, que seguem em sigilo. Segundo esse colega, Victor e a ex-namorada se encontraram “em aparente e total reaproximação”, com abraços e troca de carinhos. “Parecia que tinham reatado plenamente”, disse. Outra testemunha afirmou que a própria vítima contou que “tinha chamado o Victor para ir ao shopping” porque ainda gostava dele.
No entanto, rumores de que o encontro teria sido forçado continuaram nos dias seguintes, inclusive com afirmação de que a ex-namorada estaria com um braço roxo devido a um suposto “puxão” dado por Victor ao tentar conversar com ela em sala de aula. “Isso não aconteceu”, alega o rapaz. “Tem depoimentos de pessoas no PAD que estavam ao nosso redor na sala e confirmam”, continua.
De acordo com as testemunhas, Victor sentou atrás da jovem para chamá-la para conversar durante a aula de segunda-feira pela manhã, mas a moça não gostou, levantou da cadeira e saiu da sala. “Não vi o Victor puxar a Sophia pelo braço”, relatou um amigo da garota. Outra amiga da jovem também nega ter visto qualquer sinal de agressão.
Mesmo assim, o rapaz relata que os comentários sobre a o “suposto roxo” continuaram na universidade, assim como acusações de que ele teria trancado a garota em seu carro no final do encontro da sexta-feira à noite, a obrigando a permanecer no local.
No entanto, a própria vítima afirmou, em um de seus depoimentos no PAD, que saiu com o ex-namorado voluntariamente. “Entrei no carro porque eu quis”, disse. “Eu fui jantar com ele porque eu quis”, continuou.
Victor, então, ficou preocupado com as versões que ouviu pela faculdade e decidiu abrir uma reclamação. “Só que fizeram pouco caso da acusação ser de um homem contra uma mulher, e vi que teria que resolver na Justiça”, narrou o estudante, que abriu processo contra a moça por calúnia e difamação. Ele retirou o processo nos meses seguintes, mas relata que precisou enfrentar um processo administrativo por conta disso. “Começou a perseguição política.”
Victor afirma que o PAD foi usado para reprimir “opiniões de direita”
Victor passou a responder a um Processo Administrativo Disciplinar, foi privado de frequentar as aulas no final de 2022 e precisou mudar de turno, sem contato com a ex-namorada — fato confirmado pelas testemunhas.
Além disso, conta que vários amigos passaram a ser questionados sobre possíveis atitudes preconceituosas dele dentro ou fora da USP. “A tônica do PAD foi procurar na minha vida pessoal opiniões que, para eles, seriam consideradas homofóbicas, racistas, etc.”, pontuou o estudante, comentando que foi questionado, inclusive, a respeito de cotas raciais e nazismo.
“Teve até um depoimento em que a testemunha fala que eu sempre repudiei o nazismo por eu ser de direita, inclusive por eu achar o nazismo tão ruim como o comunismo”, revela.
A Gazeta do Povo conversou com esse colega, que afirma ter ficado surpreso com o tom da comissão. “Me perguntaram até se o acusado nunca tinha feito comentários machistas ou que objetificavam mulheres em contextos descontraídos como um bar”, relatou João*. “E quando falei ‘não, nunca’”Assim, o professor retrucou, dizendo que não era possível não ter nenhum comentário em um boteco, tomando uma cervejinha com os amigos.”
Além de revelar que julgadores manifestavam descrença em seu depoimento, o colega denuncia que foi coagido durante testemunho. “Apresentaram uma conversa (de WhatsApp) que eles consideraram racista”, e “tentando fazer com que a interpretação deles fosse prova cabal de racismo, disseram que eu estava mentindo”.
João*, que é negro, garantiu que o tom da conversa pela rede social não era racista, até porque ele jamais teria amizade com alguém que o fizesse, mas foi acusado de falso testemunho. “Me ameaçaram de encaminhamento de ofício para a polícia porque eu tinha cometido um crime e que, se eu não me retratasse, estaria susceptível a ser preso”.
“Teve até um depoimento em que a testemunha fala que eu sempre repudiei o nazismo por eu ser de direita, inclusive por eu achar o nazismo tão ruim como o comunismo”, revela.
Victor Henrique Ahlf Gomes, estudante de Direito na USP
Segundo Victor, o print apresentado seria parte de uma conversa de WhatsApp em tom de brincadeira porque ele e alguns amigos de viés político conservador sofriam comentários preconceituosos na faculdade em relação a pessoas de direita serem “nazistas, fascistas e outras ‘istas’”. Então, brincavam com esses “títulos” na tentativa de enfrentar o preconceito de forma mais leve. “Era uma forma irônica de se referir a mim, que tenho sobrenome alemão, mas usado completamente fora de contexto.”
PAD não poderia ser aberto por questões fora da universidade
Ainda de acordo com Victor, mensagens como essa que não tinham relação com a ex-namorada, obtidas de forma ilícita e que se referem a fatos externos ao ambiente acadêmico nem deveriam ser analisadas no PAD, mesmo se tratasse realmente de crime.
“Não podem ser julgadas, no âmbito administrativo, condutas ocorridas fora do ambiente físico da faculdade”, apontou o estudante, ao citar como exemplo o caso de uma ex-aluna de Medicina da USP condenada na justiça ano passado por desviar quase R$ 1 milhão destinados à formatura da turma.
Em nota, a Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) informa que “a ocorrência mencionada é de natureza externa à instituição” e que “a situação foi analisada pela Comissão de Ética da USP, em conformidade com as normas e procedimentos internos”.
Apesar de a jovem ter sido condenada na Justiça a cinco anos de reclusão, ela não foi alvo de procedimento administrativo, conseguiu se formar em Medicina e, segundo reportagem da CNN, obteve este ano registro profissional como médica ativa no Conselho Federal de Medicina (CFM).
“O que fizeram com o Victor foi imperdoável”, afirma advogada de defesa
Então, “o que fizeram com o Victor foi imperdoável”, afirma a advogada Alessandra Falken Parmiggiani. Segundo ela, o manual de procedimento disciplinar da universidade não foi seguido, e o PAD deixou claro que “não há nenhuma prova que condene o réu”.
Por isso, ela informa que Victor entrou na Justiça para solicitar nulidade do processo, e uma liminar chegou a ser publicada quatro dias antes da formatura para que ele participasse com sua turma, ainda que sofresse ameaças no grupo da formatura, caso aparecesse no evento (imagem abaixo).
No entanto, “no final da tarde do dia 3 de fevereiro, véspera da colação, a USP conseguiu suspender a medida liminar de primeira instância”, relatou a advogada. O processo deve ter decisão definitiva, em breve.
Faculdade de Direito agendou reunião para reavaliar o caso
Enquanto o processo tramita na Justiça, uma reunião da Comissão da Faculdade de Direito da USP foi marcada para a próxima quinta-feira (27) a fim de analisar novamente o caso do aluno Victor Henrique Ahlf Gomes, em possível juízo de retratação. A convocação foi enviada aos professores, servidores e ex-alunos da comissão na semana passada (imagem abaixo).
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De acordo com o professor Mauricio Conti, é “oportunidade de rever a decisão de forma mais imparcial e isenta”, já que no dia do julgamento, alunos se manifestavam na porta do local coagindo professores a votarem contra o estudante. “E o aluno é claramente inocente.”
Segundo a Pró-Reitoria de Graduação da USP, “os processos administrativos disciplinares são conduzidos por comissões formadas”, então a Reitoria “não tem acesso ao andamento”. A universidade também informou não dispor de dados sobre outras expulsões que já ocorreram na instituição para que as penalizações fossem comparadas.
A Gazeta do Povo tentou contatar a ex-namorada de Victor, mas não obteve resposta. O espaço continua aberto para manifestações.
João* preferiu manter seu nome em sigilo; ele foi testemunha de defesa no Processo Administrativo aberto pela Faculdade de Direito contra seu amigo Victor.