Em reunião com empresários no dia 16 de julho de 2024, Lula fez a seguinte afirmação: “O povo mais pobre, o povo mais humilde, quando ele tem um pouquinho de dinheiro, ele não compra dólar, ele compra comida, ele compra coisas para a família”. A declaração do presidente ganhou os noticiários e, a partir daí, surgiram comentários e análises a respeito do tema, com destaque para uma pergunta: pobre não consome dólar? Desnecessário explicar que a pergunta não se refere ao dólar físico, mas aos produtos que os pobres consomem, a começar pela alimentação.
A declaração de Lula tinha como pano de fundo o aumento do preço do dólar – a mudança na meta fiscal do governo, em abril do ano passado, havia dado início a um movimento de desvalorização do real – e as preocupações quanto à possibilidade de haver elevação da inflação em função do encarecimento das matérias-primas (incluindo fertilizantes), equipamentos e produtos de consumo importados. Na outra ponta do comércio exterior, o lado das exportações, a maior cotação do dólar eleva os preços em reais dos produtos vendidos ao exterior, principalmente os alimentos gerados pelo agronegócio, o que contribui para criar pressão altista sobre os preços internos desses produtos.
De início, a declaração de Lula é falsa pelo simples fato de que a desvalorização da moeda nacional frente ao dólar faz aumentar os preços em reais de tudo o que o país importa, sejam insumos ou produtos acabados que, se não são comprados e consumidos diretamente pelos pobres, entram na produção e distribuição de vários bens e serviços consumidos pelas classes de menor renda. Essa equação é simples e fácil de entender, mas parece que, no governo do PT, a começar pelo presidente da República, a capacidade para entender até os aspectos mais óbvios da realidade é uma qualidade escassa.
O pobre consome dólar, ainda que indiretamente, e sofrerá toda vez que a política errática do governo provocar elevação do preço da moeda estrangeira
Para ilustrar, vale mencionar alguns exemplos, começando pela comida: toda ela é produzida usando máquinas, equipamentos, combustíveis, fertilizantes e outros insumos importados. O transporte coletivo usa combustível derivado do petróleo, produto esse que o Brasil importa e exporta em função da dificuldade das refinarias nacionais em processar o petróleo pesado (dias atrás, Lula também disse “não comer petróleo e não beber gasolina”, aliás). Os medicamentos usam tecnologia estrangeira, máquinas e componentes importados. Máquinas e equipamentos eletrônicos – como celulares, computadores, tablets, satélites de comunicação, máquinas hospitalares etc. – ou são integralmente importados ou usam componentes importados.
Todos os produtos e serviços acima citados são consumidos pelos pobres e têm seus preços aumentados no mercado interno quando o dólar sobe. Portanto, ficando apenas nesses exemplos, está claro que os pobres consomem dólar, sim, e tudo fica mais caro quando o preço do dólar sobe. Declarações do governo, principalmente quando saem da boca das mais altas autoridades, têm efeito pedagógico positivo ou negativo e contribuem para melhorar ou piorar o nível de compreensão da realidade por parte da sociedade. Quando falsas, declarações governamentais têm o poder de deseducar e piorar o entendimento de questões importantes da vida nacional.
Quanto às relações comerciais do Brasil com o resto do mundo, a análise deve começar com algumas premissas conhecidas. Em primeiro lugar, todos os países se deparam com bens e serviços de que necessitam, mas não produzem no mercado interno, ou produzem em quantidades insuficientes; da mesma forma, há produtos que são produzidos em quantidades maiores do que o suficiente para abastecer o mercado interno, e cujos excedentes são vendidos a quem não consegue produzi-los. No caso do Brasil, o país só tem a ganhar com a aumento da abertura de sua economia para o exterior e a elevação da participação no comércio global. O aumento da demanda externa por produtos brasileiros contribui para o crescimento do PIB, do emprego e da renda interna, além de elevar as receitas em dólares, o que ajuda a conter a cotação da moeda estrangeira.
Uma máxima existente nas relações internacionais é que, ao aumento do comércio exterior, seguem-se os investimentos e que, ao aumento dos investimentos, segue-se a transferência de tecnologia. O Brasil é altamente carente de investimento estrangeiro e de tecnologia estrangeira; logo, o aumento do comércio exterior contribui para ampliar a absorção de investimentos e tecnologias que o mundo gerou e o Brasil não tem.
Nesse sentido, é um erro de política externa discriminar e hostilizar nações com as quais o Brasil precisa manter relações econômicas, principalmente os Estados Unidos. Lula tem uma longa lista de declarações elogiosas a ditaduras e críticas aos Estados Unidos, como a fala grosseira sobre Donald Trump, dizendo que a volta dele ao poder “é o fascismo e o nazismo voltando a funcionar com outra cara” – a declaração foi anterior à vitória eleitoral de Trump, em novembro do ano passado; após o resultado, o petista se mostrou menos verborrágico. O mais deplorável nessa postura de Lula é que ele declarou, em alto e bom som, que tem orgulho de ser chamado de “comunista”, quando o comunismo é o regime político mais sanguinário de toda a história da humanidade, nunca superado em seus 100 milhões de mortos somente no século passado.
Para que fique bem claro, portanto, Lula está errado: o pobre consome dólar, ainda que indiretamente, e sofrerá toda vez que a política errática do governo provocar elevação do preço da moeda estrangeira.