O advogado constitucionalista André Marsiglia afirma que não há na denúncia pedido de prisão imediata. “E não vejo nenhuma razão para qualquer prisão antes do julgamento. Mesmo que a denúncia siga adiante, haverá motivo apenas caso algum deles (dos denunciados) tente interferir concretamente no julgamento ou fugir”, avalia.
De acordo com a PGR, Bolsonaro é apontado como líder de uma organização criminosa responsável por ações que teriam atentado contra a democracia. O procurador-geral da República, Paulo Gonet, ressalta que o grupo buscava sustentar um “projeto autoritário de poder”, com a articulação de um suposto golpe de Estado. A denúncia diz que o grupo possuía uma estrutura hierárquica consolidada dentro do próprio Estado, com forte influência de setores militares e divisão de tarefas estratégicas entre seus membros.
A defesa do ex-presidente afirma que não há mensagem de Bolsonaro que embase a acusação da PGR, apesar de uma “verdadeira devassa” que foi feita em seus telefones pessoais. “A inepta denúncia chega ao cúmulo de lhe atribuir participação em planos contraditórios entre si e baseada numa única delação premiada, diversas vezes alteradas, por um delator que questiona a sua própria voluntariedade”, disseram os advogados de Bolsonaro em nota.
O advogado Alessandro Chiarottino, especialista em Direito Constitucional, avalia que a possibilidade de Bolsonaro ser preso é grande, mas não neste momento. Ele afirma que as especulações nos bastidores e na imprensa são de que o STF o condene por unanimidade na 1º Turma, uma vez que o regimento da Corte não prevê a designação do caso ao plenário, ou seja, não deve ir a julgamento pelos 11 ministros. “Embora atos preparatórios não sejam considerados crime no Brasil, creio que o STF aceitará a versão da PGR, segundo a qual as ações de Bolsonaro já configuram tentativa”, avalia.
A prisão preventiva pode ser decretada apenas sob a justificativa que Bolsonaro ou os outros denunciados, em liberdade, possam constituir um risco para o processo, analisa o especialista. “Com a formalização da acusação, o caso avança para análise da Justiça, o que reacende o debate sobre a possibilidade de prisão dos envolvidos”, reforça.
O advogado avalia que o processo deve tramitar rapidamente, até porque as acusações eram de conhecimento público e “certamente os ministros já têm, ao menos em parte, convicção formada”.
O advogado especialista em direito penal Márcio Nunes destaca que, em regra, a prisão ocorre como consequência de uma condenação penal definitiva, quando não há mais possibilidade de recursos, o que não é o caso agora, em que a denúncia foi apresentada. Ele também concorda que, durante a tramitação do processo criminal — desde a fase de inquérito até a sentença final — a detenção de um investigado pode ser determinada com a justificativa de garantir o andamento das investigações e a integridade do processo.
“Tal medida deve ser decretada por decisão judicial e utilizada quando outras alternativas não forem suficientes para evitar prejuízos ao caso”.
STF vai decidir se tornará denunciados réus: especialistas dão medida como certa
Confira:
A PGR encaminhou a denúncia ao Supremo Tribunal Federal (STF), o que representa uma acusação formal contra Bolsonaro e outras 33 pessoas. Cabe agora ao STF analisar se aceita ou não a denúncia. Especialistas dão como certo que todos, ou a maioria, se tornem réus em ações penais. Fontes ligadas ao processo estimam que até março o STF tomará essa decisão. Caso a denúncia seja aceita, inicia-se a ação penal.
Segundo o criminalista Márcio Nunes, o processo passará por diversas etapas, incluindo a apresentação de defesa, a coleta de provas e depoimentos, até chegar à decisão final da Corte.
Os ministros do STF avaliarão as informações reunidas e decidirão se os acusados devem ser absolvidos ou condenados. Há uma expectativa na Corte que os julgamentos ocorram ainda em 2025 para que não conflitem com o ano eleitoral, em 2026.
O especialista lembra que, no caso de os réus serem absolvidos, o caso é arquivado, mas a medida é dada como improvável, ao menos no caso da maioria dos denunciados.
Em caso de condenação, são aplicadas penas que podem incluir prisão, multa ou restrição de direitos. Pelos crimes aos quais Bolsonaro está sendo denunciado, por exemplo, as penas podem somar mais de 40 anos.
“Não acredito em uma prisão imediata, a menos que haja algo que possa interferir na investigação ou se houver risco de fuga”, avalia Nunes. O criminalista lembra que, apesar de responderem em liberdade, há situações que podem justificar uma prisão provisória, como a prisão preventiva.
A prisão preventiva é uma medida excepcional adotada para garantir a chamada ordem pública, assegurar o andamento do processo e evitar interferências que comprometam as investigações. Não há um prazo pré-definido para essa medida, que pode ser aplicada se houver indícios de que a liberdade do investigado representa um risco ao processo.
O general Braga Netto, também denunciado nessa terça por Gonet, está preso preventivamente há quase dois meses. Para justificar a prisão do ex-candidato a vice-presidente na chapa de Bolsonaro em 2022, a PF alegou que ele estaria interferindo nas investigações. O STF acatou o pedido de prisão. Em nota, os advogados José Luis Oliveira Lima e Rodrigo Dall’Acqua, que atuam na defesa de Braga Netto, classificaram a denúncia contra o general de “fantasiosa” e afirmam que ele, em mais de 60 dias de prisão, ainda não teve amplo acesso aos autos.
A decisão sobre uma prisão preventiva aos demais denunciados que respondem em liberdade cabe ao Judiciário, neste caso ao STF, e pode ser tomada mediante solicitação do Ministério Público – a Procuradoria-Geral da República – ou da Polícia Federal (PF). Especialistas lembram que isso pode ocorrer em qualquer fase da investigação, desde que se comprove a necessidade para garantir a instrução criminal. Essa foi a justificativa usada para a prisão de outros cinco investigados durante operação da PF no fim do ano passado.
“Por regra, uma prisão durante o processo só ocorre caso haja evidências de que o investigado está obstruindo a Justiça, intimidando testemunhas ou criando obstáculos para a condução do caso, ao menos assim deveria ser”, lembra Márcio Nunes.
STF pode determinar restrições temporárias a denunciados
Mesmo sem a decretação de prisão, a Justiça pode impor restrições temporárias aos investigados para evitar supostas infrações ou garantir o que chama de andamento normal do processo. Algumas das medidas cautelares previstas incluem:
- Comparecimento periódico à Justiça;
- Proibição de frequentar determinados locais ou de manter contato com outros investigados;
- Restrição de deslocamento para fora da cidade de residência;
- Recolhimento domiciliar noturno;
- Afastamento de função pública;
- Monitoramento eletrônico por tornozeleira.
Nesta quarta-feira, um dia após a denúncia da PGR contra Jair Bolsonaro, ministros do STF consideram improvável a decretação de sua prisão preventiva. Essa posição, que já era discutida desde o indiciamento de Bolsonaro pela Polícia Federal em novembro, foi mantida mesmo após a formalização da denúncia em 18 de fevereiro.
A maioria dos ministros entende que a prisão preventiva só deve ocorrer após uma condenação em decisão colegiada. Além disso, há receio de que a prisão de Bolsonaro antes de uma sentença definitiva possa agravar o clima político, potencializando ataques à Corte. A denúncia da PGR também sugere que uma prisão preventiva não é o caminho imediato.
O que ocorre após a decisão final do STF?
Se a denúncia for aceita, lembra o advogado Márcio Nunes, o processo seguirá até que haja uma decisão definitiva. Caso o STF decida pela absolvição, os réus são liberados das acusações e o caso é arquivado.
Se houver condenação, a pena será definida e, após esgotados os recursos, ocorrerá a execução da sentença. A forma de cumprimento da pena será determinada pelos ministros da Primeira Turma, composta por Alexandre de Moraes, Flávio Dino, Cristiano Zanin, Cármen Lúcia e Luiz Fux. As penas devem, pela regra legal, ter como base o entendimento sobre a gravidade da condenação e o tempo de prisão estabelecido para cada envolvido.
Trata-se do “Time Justiça” contra o “Time Bolsonaro”, avalia advogado
Para o advogado Luiz Augusto Módolo, a denúncia de Gonet chega em uma espécie de “anticlímax”. “Ela já era esperada. Há dois anos o Brasil aguarda uma espécie de confronto final entre o chamado ‘Time Justiça’ e o ‘Time Bolsonaro’, desde o fatídico dia 8 de janeiro de 2023”.
Módolo descreve que, desde janeiro de 2023, as prisões de pessoas sem antecedentes criminais e com um perfil bem distante do poder foram se avolumando, “havendo ainda a condenação de motoboys e técnicos de saneamento a penas que quase chegam a duas décadas de cadeia” . “Nem mendigos escaparam da sanha persecutória”, critica.
Para o especialista, a denúncia de Gonet vem sem novidades e se desenha para ter consequências legais por se tratar de um julgamento muito esperado. O advogado avalia ser interessante analisar o tratamento que alguns réus receberam na denúncia e citou como exemplo o jornalista Paulo Figueiredo.
“Ele é tratado como peça essencial do golpe, mesmo estando nos EUA, praticamente exilado. Seria o primeiro golpista da história que armou um golpe de escritório em casa ou por um programa de reuniões virtuais (…) Note-se que mesmo com anos de condutas sendo analisadas, desde 2021, e considerando até a quantidade de réus envolvidos no 8/1 é de se imaginar que farto material probatório estaria na peça. Não é o que ocorre”, avalia, ao mencionar que apenas seis testemunhas são arroladas na denúncia.
Módolo também critica o fato de não haver na denúncia da PGR um capítulo sobre as provas que serão produzidas, o que segundo ele é essencial em qualquer petição inicial ou denúncia.