O Instituto de Defesa dos Diretos das Religiões Afro-Brasileiras (Idafro) acionou o Ministério Público do Estado da Bahia (MP-BA) para que a autarquia publique uma recomendação proibindo a contratação da cantora Claudia Leitte no Carnaval de Salvador. No documento obtido pela Gazeta do Povonesta quinta-feira (30), o Idafro pede que o MP-BA realize a expedição para a prefeitura da capital baiana e também ao governo do estado.
O pedido foi endereçado à promotora Livia Santana e Sant’Anna Vaz, da Promotoria de Justiça Especializada no Combate ao Racismo e à Intolerância Religiosa.
A Idafro reforça no pedido que a “Constituição Federal proíbe a contratação de shows musicais que promovam a intolerância religiosa”, conforme o seguinte trecho:
“Os Estados comprometem-se a prevenir, eliminar, proibir e punir, de acordo com suas normas constitucionais e com as disposições desta Convenção, todos os atos e manifestações de racismo, discriminação racial e formas correlatas de intolerância, inclusive: i. apoio público ou privado a atividades racialmente discriminatórias e racistas ou que promovam a intolerância, incluindo seu financiamento.”
De acordo com o instituo, existem “elementos probatórios” que corroboram para a medida, como o “ofício do ECAD e a notícia da ação cível movida por compositores contra a noticiada (Cláudia Leitte)”.
A cantora baiana passou a ser investigada após falar de sua fé cristã por meio da alteração da letra de uma música de axé, durante um show no dia 14 de janeiro, em Salvador. Claudia Leitte repetiu a troca que tem feito no trecho da música “Caranguejo”, que cita “saudando a rainha Iemanjá”, por “eu canto meu Rei Yeshua” (Jesus, em hebraico).
O vídeo do show foi amplamente divulgado, e a cantora passou a ser acusada de intolerância religiosa por usuários das redes sociais.
O caso foi levado pela Iyalorixá Jaciara Ribeiro e o Instituto de Defesa dos Direitos das Religiões Afro-Brasileiras (Idafro) ao MP-BA que, por meio da Promotoria de Justiça de Combate ao Racismo e à Intolerância Religiosa, decidiu instaurar o inquérito para investigar suposto “ato de racismo religioso consistente na violação de bem cultural e de direitos das comunidades religiosas de matriz africana”, com possibilidade de responsabilização criminal.
Esta não é a primeira vez que Claudia Leitte muda a letra de “Caranguejo”. A canção foi composta em 2004 por Alan Moraes, Durval Luz e Luciano Pinto, integrantes da banda Babado Novo, da qual Leitte era vocalista, e está no DVD Axemusic de 2014 do grupo. Em fevereiro deste ano, durante o Carnaval, um vídeo antigo da cantora interpretando a música com a alteração da letra também viralizou e provocou críticas.
“Intolerância religiosa”
Em entrevista à Gazeta do Povoo coordenador do Idafro, advogado Hédio Silva Jr, informou que existem duas provas, produzidas recentemente, as quais, segundo ele, podem complicar a situação da cantora baiana no âmbito criminal.
Hélio explica que uma das provas seria a resposta do ECAD, de que “não consta nenhuma alteração formal na letra da música”. “Ou seja, ela anunciou, fez inserir em documentos, em jornais, etc… a informação de que teria feito alteração sem ter feito alteração”, diz o coordenador.
A outra prova, de acordo com o instituto, é a ação civil movida por dois compositores contra Cláudia Leitte, por “violação de direito autoral”, porque ela alterou a composição da música sem avisá-los.
“Não há como ela querer vir dizer que a criação teria sido uma criação artística. Aquilo não tem nada de artístico. Depois também consta dos autos que ela confessou a razão pela qual ela mudou a letra da lei. Ela mudou a letra da lei por intolerância religiosa, porque ela mudou de religião. Ela alterou improvisando ali no palco, uma gambiarra, e alterou por intolerância religiosa”, acusou Hélio.
O advogado ainda reforça “não há discussão sobre o dano ao sentimento das religiões de matriz africana”. Ele cita que, desde 2022, está em vigor “um tratado internacional que prevê que o Estado não pode contratar nenhum tipo de manifestação, inclusive artística, que propague intolerância religiosa”.
“Por essas razões, nós ingressamos com esse pedido, que será oportunamente apreciado pela presidente do Inquérito Civil e vai tomar uma decisão. Mas no entendimento do IDAF não há nenhuma dúvida de que a prefeitura e o governo do estado devem proibir Cláudia Leite de fazer show, não só no carnaval, mas de fazer show até que tenha uma solução definitiva a essa acusação que pesa contra ela, que repito, já hoje com base em provas robustas”, concluiu.
A Gazeta do Povo tentou contato com a assessoria da cantora Claudia Leitte, mas ainda não teve retorno. O espaço segue aberto para manifestação.