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Logo “Ainda Estou Aqui” foi indicado aos Oscars de melhor filme e melhor filme estrangeiro. E Fernanda Torres ao Oscar de melhor atriz.
Parabéns para Walter Salles, Fernanda Torres e todo o pessoal do Itaú. Enfim, não deve ser zero fácil para um nepo bilionário esquerdista encontrar espaço na também bilionária e esquerdista Hollywood. E ainda mais com um filme que fala de comunistas bonzinhos, normais e felizes que estavam lá, ouvindo tranquilamente seu caetanozinho, quando se deparam com a truculência da ultradireita militar, fascista e conservadora dos anos 1960.
Isso é o que eu chamo de superação!
“ABAIXO A LEI ROUANET”
Confira:
Jogados os confetes irônicos, é hora de expor que, nos últimos dias de 2024, fui observar ao tão falado “Ainda Estou Aqui”. E o que vi não foi cinema, e sim uma peça de propaganda. Ora, alguém pode discutir que o cinema todo, desde Chaplin, é mais propaganda do que arte ou entretenimento. Tem razão, você que disse isso. Mas algumas peças de propaganda buscam ao menos ser sutis e, com isso, conseguem se passar por arte. “Ainda Estou Aqui”, nem isso.
Evito, porém, me juntar ao coro dos que empunham cartazes virtuais com os dizeres “NÃO VI E NÃO GOSTEI”, “ABAIXO A LEI ROUANET”, “NÃO AGUENTO MAIS FILME SOBRE A DITADURA!” ou “ZZZZZZZZZZZZ”. Porque não há particularidade mais reprovável na direita do que essa recusa em ouvir o que a esquerda hegemônica está dizendo e ensinando aos nossos filhos em filmes e livros.
A propósito disso, peço licença para expor que não. Você não é melhor nem mais inteligente nem mais puro nem mais santo nem mais conservador nem mais direitista por se recusar a observar a um filme porquê “Ainda Estou Aqui”. Na melhor das hipóteses, você é somente alguém que tem susto de se confrontar com algumas incoerências próprias da guerra ideológica. Uma vez que, por exemplo, a verdade incômoda de que os milicos só fizeram eme.
A maior falta de “Ainda Estou Aqui”
E tem mais. Vi, por exemplo, muita gente dando cambalhotas dignas de uma Rebeca Andrade para, mesmo se dizendo cristão, justificar, quando não aplaudir, o sequestro, tortura e morte do ex-deputado Rubens Paiva. “Ah, porque ele queria implantar uma ditadura comunista no Brasil”, dizem. É verdade, mas isso justifica tirar o pai de uma família, torturá-lo, matá-lo e vanescer com o corpo dele? Não justifica.
E veja só porquê são as coisas: é justamente nesse ponto que está a maior falta de “Ainda Estou Aqui”. Você saberia se tivesse ido ao cinema, seu preguiço! Porque o filme prega para convertidos interessados na lenga-lenga da ditadura de 1964 e não consegue transmitir a tragédia humana daquela condição histórica: num dia porquê outro qualquer, um pai de família foi tirado de lar, torturado e morto. O corpo nunca foi apresentado para a família, que se viu obrigada a viver um luto eterno.
E, repetindo: o filme não consegue nem mesmo mostrar a estupidez dos militares que, em vez de livrarem o Brasil do comunismo, porquê prometiam, acabaram por produzir uma esquerda mítica.
Totalitarismo atual
Se muito que é compreensível. Enfim, se Walter Salles conseguisse mostrar a psique esmagada pelo totalitarismo estatal de antigamente talvez isso reverberasse no totalitarismo atual que mantém presas mães e avós, que tortura presos com crises renais e que mata militantes perigosíssimos porquê Clezão. E aí quem teria que se confrontar com as incoerências da guerra ideológica seria a esquerda.
É para não ter de se deparar com esse dilema que, em “Ainda Estou Aqui”, ao longo de todo o período em que Rubens Paiva permaneceu perdido e antes de permanecer simples que o ex-deputado foi assassinado nos clichezentos porões da ditadura, paira sobre a família um ridículo ar de normalidade. As crianças brincam e estudam. Eunice arranja tempo até para dar umas braçadas nas águas do Leblon.
Talvez seja uma piscadela para os presos de 8 de janeiro. Um pouco porquê: sejam fortes. Vocês conseguem e quem sabe daqui a 60 anos alguém se dê ao trabalho de fazer um filme sobre vocês.
Tipos
Percebe porquê “Ainda Estou Aqui” é mera peça de propaganda que reduz os seres humanos a personagens de uma narrativa desgastada, tal qual objetivo final é a consolidação da esquerda mítica? Eunice não é mulher, mãe e viúva; é um tipo. É “a personificação da resistência”. Assim porquê Rubens Paiva é um tipo. Nesse custoso, ele é “a vítima inocente do regime militar”. Até as crianças são tipos e representam “o futuro”. E assim por diante.
Esquerda mítica
Tudo isso para retratar alguma coisa que a plateia de direita, por ignorância e teimosia, se recusa a ver: a gênese de uma esquerda que não é a esquerda puro de “Anos Rebeldes”, nem a esquerda intelectualóide de “O Que É Isso Companheiro?”, nem a esquerda proto-identitária de “Marighella”, nem a esquerda pragmática de “Lula, o Filho do Brasil”. É a esquerda que chamei de mítica e vou teimar: mítica.
Sim, mítica! Uma esquerda que é espantoso, ou melhor, venerável por seus ideais puros de justiça social, paridade e liberdade, independentemente do que tenha ocorrido depois. Isto é, do que a própria esquerda tenha feito desses ideias depois da redemocratização. Uma esquerda para sempre raça e que, em pleno 2025, vê se pode!, quer nos convencer de que não tem zero a ver com o pragmatismo corrupto da esquerda que está no poder desde 2002.
Filme que ganhou Oscar não pode estar incorrecto
“Ai, mas porque o Oscar isso, o Oscar aquilo”. Camarada, Oscar é que nem macumba e só pega em quem acredita. Oscar só tem relevância e só serve porquê atestado de qualidade artística para quem é intelectual e esteticamente imaturo. Oscar só empolga quem tem porquê parâmetro de vida o sucesso terreno. Você não é desses, né?
No grande esquema das coisas, Oscar não significa absolutamente zero. Tanto que, no dia seguinte à premiação, estaremos falando de outras coisas. Preocupante mesmo é saber que “Ainda Estou Aqui” será exibido nas aulas de história pelas próximas décadas, sob o argumento de que “um filme que ganhou o Oscar não pode estar dizendo nada de errado nem de contestável”.
“Vani! Ô, Vani!”
Sobre Fernanda Torres no papel de Eunice (a mãe com tanta consciência social que se preocupa mais em assestar as contas com a empregada do que em comprar comida para os filhos), trata-se de uma boa atriz num papel menor. Convenhamos: qual a dificuldade de fazer rosto de braba?
Por falar nisso, pode ter sido má vontade minha, mas a verdade é que, ao longo de todo o filme, fiquei esperando Eunice soltar a Vani (apud “Os Normais”) que Fernanda Torres a muito dispêndio estava segurando dentro de si.
Fernanda Torres que, por ser escrava de seu meio, tem que ser uma atriz no papel eterno de ativista prafrentex, reproduzindo falas alheias com a maior naturalidade verosímil – seu dom. Dá pena.
Dito isso, adianto que, se Fernanda Torres lucrar o Oscar, ótimo, maravilha e que seja feliz tentando saciar com a estatueta aquela sede que, sabemos nós, elogios, aplausos e reconhecimento internacional nenhum são capazes de saciar.