Além do impasse com registros de violência envolvendo indígenas e agricultores próximo à região de fronteira, o estado do Paraná tem outra dimensão com registro de conflitos: produtores rurais da região de Sengés e Doutor Ulysses, na mote da Região Metropolitana de Curitiba com o estado de São Paulo, estão tendo suas áreas ocupadas por grupos de quilombolas que requisitam a propriedade da terreno.
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A região conta com extensas áreas de madeira reflorestada com pinus para atender a indústria de papéis e embalagens. Em pelo menos uma propriedade rústico da região, os quilombolas estariam impedindo os agricultores de retirarem da dimensão a produção de madeira e resina oriundas dos plantios de reflorestamento.
É o que relata um boletim de ocorrência ao qual a Jornal do Povo teve chegada. Segundo o documento, trabalhadores desta propriedade teriam sido comunicados por membros do grupo de quilombolas de que tudo o que há no lugar pertence a eles. Esses quilombolas, aponta o boletim de ocorrência, andariam armados e teriam uma postura hostil e intimidadora contra os trabalhadores.
“Os trabalhadores foram informados [por um quilombola] que tudo o que há [na propriedade rural] é de propriedade do ‘movimento’. Por isso, serão impedidos de retirar [a produção]. [O quilombola] chegou ao ponto de mandar um recado [à proprietária rural] no sentido de que ela está trabalhando para eles, e que tudo, árvores, a terra e a resina são dos quilombolas”, diz trecho do boletim de ocorrências registrado junto à Polícia Militar lugar.
Quilombolas “expulsaram” PM de dimensão invadida
Confira:
Em mensagens de áudio trocadas com a proprietária, os prepostos da rancho alertam que os quilombolas teriam montado “guaritas” nos acessos à propriedade, para assim impedir a saída dos produtos. Em um dos áudios, o trabalhador informa a proprietária que uma viatura da PM chegou até uma dessas guaritas no início do mês, mas teria sido “expulsa” pelos quilombolas.
A Jornal do Povo entrou em contato com a Polícia Militar do Paraná para confirmar se houve alguma ação da PM no lugar, mas até a publicação desta reportagem não havia recebido uma resposta. O espaço segue cândido para manifestações.
“Eles dizem que não aceitam a presença da PM ali porque, por serem quilombolas, a única força policial que eles ‘respeitam’ seria a Polícia Federal, ou a Força Nacional”, disse a proprietária rústico, que pediu para não ser identificada por temor de represálias por segmento dos quilombolas. À reportagem, ela contou que a dimensão foi invadida ainda em 2008, mas que os ânimos ficaram mais acirrados a partir de 2023.
Comunidade do Varzeão foi reconhecida em 2023
Naquele ano, o Instituto Vernáculo de Colonização e Reforma Agrária (Incra) reconheceu, nos municípios de Sengés e Doutor Ulysses, uma dimensão de 7,2 milénio hectares porquê sendo a Comunidade Quilombola Varzeão. A portaria foi publicada no dia 20 de novembro, data em que se comemora o Dia da Consciência Negra.
“Existe uma série de etapas que precisam ser cumpridas antes da titulação dos quilombolas. Em 2023, o Incra reconheceu a área como uma comunidade quilombola, mas isso ainda não quer dizer que eles sejam os donos da área. Esses quilombolas simplesmente estão se apropriando do que não é deles, e ninguém está fazendo nada em relação a isso”, reclamou a proprietária.
Uma vez que o Incra determina que uma dimensão é dos quilombolas
A reclamação da agricultora encontra respaldo na descrição do processo de titulação publicado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário e Lavoura Familiar (MDA), órgão ao qual o Incra é subordinado. Posteriormente a portaria de reconhecimento há ainda duas etapas a serem cumpridas até que os quilombolas possam se intitular donos das áreas.
O processo todo começa com a autodefinição. Segundo o Incra, “as comunidades quilombolas são grupos étnicos – predominantemente constituídos pela população negra rural ou urbana –, que se autodefinem a partir das relações específicas com a terra, o parentesco, o território, a ancestralidade, as tradições e práticas culturais próprias”.
Cabe à Instauração Palmares enunciar a Diploma de Autorreconhecimento, primeiro passo no caminho da delimitação da dimensão quilombola. A próxima lanço é a elaboração de um Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID), no qual os autodeclarados quilombolas precisam apresentar “informações cartográficas, fundiárias, agronômicas, socioeconômicas, históricas, etnográficas e antropológicas” sobre a comunidade.
Publicado o RTID, abre-se um prazo de 90 dias para que os possíveis interessados se manifestem contrariamente ao processo de delimitação da comunidade quilombola. Oriente recurso é apresentado à Superintendência Regional do Incra, e precisa sofrear “evidências relevantes” contra a delimitação.
Cumprida esta tempo vem a publicação do reconhecimento, um “ato formal que reconhece oficialmente os limites do território quilombola, assegurando a visibilidade e a proteção das terras da comunidade”. A partir do reconhecimento, a próxima lanço é a desapropriação dos imóveis privados que estiverem localizados dentro da comunidade.
Segundo o Incra, “os imóveis desapropriados passarão por uma vistoria e avaliação de preços, com o pagamento prévio em dinheiro pela terra nua, respeitando os direitos dos proprietários”. Só logo ocorre a titulação, por meio de um documento coletivo emitido em nome da associação dos quilombolas. Uma vez obtida essa titulação, a comunidade fica proibida de vender ou penhorar a dimensão.
Proprietária que perdeu dimensão para comunidade quilombola tem reintegração de posse
A proprietária rústico revelou à Jornal do Povo que tem em seu obséquio uma decisão judicial de reintegração de posse da dimensão, com transitado em julgado no Supremo Tribunal Federalista (STF) em 2019. Ainda assim, disse, ela não consegue reaver a propriedade. Por isso, entrou na Justiça para suspender a cobrança do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rústico (ITR).
“São mais de 30 casas construídas na minha propriedade, e quando eu vou lá sou ameaçada. Eu tenho a matrícula da terra e a reintegração de posse, mas acho impossível que essa decisão seja cumprida. E para a Receita Federal, eu sou devedora do ITR”, disse. Ela ofídio do Incra a indenização pela dimensão, próxima lanço lítico dentro do processo de delimitação da comunidade quilombola.
“Eles estão se apossando de tudo. Desde 2008 começaram a construir casas bem nos locais onde a madeira era retirada. Agora, com base nessa portaria do Incra, cercaram a área dizendo que tudo é deles, se achando os donos. Foram milhões de reais investidos para agora eles dizerem que eu estou plantando para os quilombolas. O direito à propriedade é constitucional, mas pelo jeito isso não vale mais nada”, desabafou.
A reportagem entrou em contato com o Incra questionando a atuação do órgão nos conflitos entre os quilombolas na Comunidade do Varzeão e os proprietários rurais. Até a publicação desta reportagem não houve retorno. O espaço segue cândido para posicionamento do órgão.