Em 1968, quando Donald J. Trump graduava-se em economia, na Universidade da Pensilvânia, o mundo assistia a uma revolução cultural, que, décadas mais tarde, ressoaria nos discursos de combate aos legados desse movimento nas campanhas do “novo” presidente republicano. Maio de 1968, na França e no mundo, ressignificou o papel do sujeito em sociedade ao se contrapor aos domínios das instituições e ideologias hegemônicas no mundo. Escola, universidade, família, capitalismo, socialismo soviético, Estado. Tudo passou a ser visto uma vez que instrumentos de controle social.
Mais do que liberdade, a termo de ordem tornou-se libertação. Libertar-se das amarras do machismo, homofobia, degradação ambiental, patriarcalismo, entre outros, passou a criar a gramática dos novos movimentos sociais, que ganhariam força ao longo das décadas vindouras. No entanto, de forma estrutural e, ao mesmo tempo, paradoxal, as novas ideias libertadoras foram absorvidas por uma novidade concepção neoliberal de mundo. Quem identifica segmento desse processo é o professor Mark Lilla, responsável do livro O progressista de ontem e do amanhã: desafios da democracia liberal no mundo pós-políticas identitárias (Ed. Cia das Letras).
Traduzida muito mais uma vez que um valor, e não uma vez que uma pretexto, a liberdade volta a se encontrar com seus valores tradicionais, no que diz reverência às liberdades religiosas, liberdade de frase e cidadania do dedo
De harmonia com o responsável, a partir da chamada “Dispensação Reagan”, que defendia muito os valores individuais em detrimento de valores sociais, os movimentos progressistas abraçaram esses espaços da antipolítica e promoveram diversas lutas identitárias e verticais em um mundo cada vez mais atomizado. Ao chegarem ao poder nas eleições de Clinton, Obama e Biden, esses movimentos começaram a irradiar suas ideias de libertação em espaços acadêmicos e culturais.
Tais bandeiras, que se colocaram uma vez que ativistas, libertadoras e redentoras chegaram às políticas de diversas grandes empresas, estabelecendo-se uma vez que uma grande “cultura woke”. Suas conquistas, todavia, alcançaram um determinado limite, quando as contradições entre as diversas lutas identitárias se encontraram com o retorno de um mundo mais conservador a partir da Crise de 2008, que colocou em xeque muitas das premissas estabelecidas a partir da dezena de 1970.
A partir desse contexto que o movimento Tea Party nos EUA, juntamente com a subida de Donald Trump em 2015-2016, trouxe à tona uma sociedade americana em procura de um novo protagonismo e um novo olhar social, distante da perspectiva de um novo Estado de Muito-Estar Social, mas social no sentido comunitário, em que família, religião, ensino, formação cívica e nacionalismo voltam a criar uma novidade gramática político-cultural.
A reação a esse novo conservadorismo veio em forma de protestos virtuais, cancelamentos, demissões, perseguições, que chegaram a um ponto em que até pessoas do lado progressista da força passaram a ser excluídas por determinadas falas ou textos. Diante do esgotamento dessas lutas, que não criaram um novo projeto de sociedade e relegaram as lutas sociais a visões verticais e, em alguns pontos, autoritárias, a volta de Donald Trump se fez presente de forma avassaladora.
Ao invadir a maioria no Congresso e Senado, Donald J. Trump atraiu para si um poder que já extrapolou suas vias institucionais. Nesses últimos dias, posteriormente diversas empresas cancelarem seus programas identitários, a Meta, uma das maiores empresas de tecnologia e mídia social do mundo, aderiu a uma série de propostas em obséquio da liberdade de frase, excluindo a possibilidade de inúmeras perseguições via política de checagem.
Subjaz desse novo “espírito do tempo”, uma novidade lance em obséquio das liberdades em detrimento das libertações. Traduzida muito mais uma vez que um valor, e não uma vez que uma pretexto, a liberdade volta a se encontrar com seus valores tradicionais, no que diz reverência às liberdades religiosas, liberdade de frase e cidadania do dedo. Mas, esses movimentos não devem destituir as conquistas em obséquio das diversas comunidades que passaram a ter representações fundamentais para o fortalecimento da cultura republicana e dos espaços democráticos. A política respira.
Victor Missiato, professor de História no Escola Presbiteriano Mackenzie (CPM) Tamboré, é exegeta político e doutor em História.