(JR Guzzopublicado no jornal O Estado de S. Paulo em 15 de janeiro de 2025)
O ministro Luís Roberto Barroso, de tempos em tempos, se propõe a uma missão praticamente impossível: convencer qualquer habitante do mundo existente além do edifício-sede do STF que o tribunal ora presidido por ele faz alguma coisa boa, ou pelo menos de alguma utilidade, para os brasileiros que vão tirar do bolso quase R$ 1 bilhão para remunerar pelo seu sustento no ano de 2025. É a chamada incoerência em termos. O ministro não pode mostrar zero de bom no STF porque não há zero de bom para mostrar no STF.
A última tentativa de resolver esse teorema que propõe a quadratura do círculo foi um cláusula do ministro Barroso, publicado há pouco em O Estado de S. Paulo. É uma coisa sem esperança. Num texto que tem as impressões digitais dos assessores de prelo que o STF mantém em sua folha de pagamento, Barroso (ou os assessores) parecem explorar duas vertentes — uma inútil, e a outra objetivamente errada.
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A primeira é um “balanço de obras” do Supremo. Ficou parecendo um desses textos assinados por prefeitos de cidade do interno para falar muito de si mesmos. A outra acusa O Estadoum dos raríssimos órgãos de prelo brasileiros que não faz homenagem automática ao STF, de ter uma postura “raivosa” quanto à nossa “Suprema Corte”, uma vez que diz Lula.
A bula do Barroso
E quais seriam essas obras que, na bula do ministro, mostram a intensa operosidade do tribunal — e, pelo que dá para entender, O Estado esconde? Fala-se, ali, na geração de exames para a magistratura e para os cartórios. É citada a “paridade de gênero” nas promoções por préstimo. São mencionadas a redução nas ações trabalhistas, aumento na arrecadação municipal e doação de R$ 200 milhões para o Rio Grande do Sul. etc. etc. O STF, a um evidente momento, é descrito por Barroso uma vez que o tribunal “mais produtivo do mundo”.
O problema, uma vez que sempre, é a velha pergunta: “E daí?” O Supremo não é criticado por organizar exames para cartórios, nem por fazer “paridade de gênero”, nem por doar moeda para as vítimas de enchentes. É criticado, isso sim, pela conduta objetiva dos seus membros. Ninguém está reclamando da redução das causas trabalhistas. O problema é a decisão individual de um ministro em perdoar dívidas de muro de R$ 20 bilhões de empresas que confessaram crimes de prevaricação ativa. É produzir aberrações integrais uma vez que o “flagrante perpétuo”, ou a urgência de fiança para crimes inafiançáveis. É conduzir há quase seis anos um questionário penal sem data para ser encerrado e que investiga tudo.
Não é a discordância em relação ao texto das sentenças, uma vez que alegam os ministros, que culpa as críticas. Não é o que eles decidem. É o que fazem. O STF considera normal que mulheres dos ministros exerçam serviços de advocacia em causas sob a opinião de seus maridos. Fica irritado quando se estranha que façam conferências em português, no exterior, em “eventos” patrocinados por empresas que também têm causas no tribunal. Acha que é um “ataque ao sistema de justiça” relatar ao público que um ministro vai ver um jogo de futebol no exterior levando um segurança pago pelo Tesouro — ou que esse ministro foi reprovado duas vezes no concurso para juiz de Recta.
A outra abordagem de Barroso não melhora em zero o conjunto da obra. Uma vez que poderia resultar alguma coisa de positivo da denúncia de que o jornal teria “raiva” dele? Não tem nenhum cabimento o magistrado supremo do Brasil fazer uma denúncia dessas a um órgão de prelo, ou a ninguém que possa vir a ter uma culpa a ser julgada por ele — ou mesmo que não venha a ter nunca.
O presidente do STF tem de ser recto. Não é uma opção; é obrigatório. De mais a mais, a denúncia não faz nexo. Quando, precisamente, O Estado foi “raivoso” com o ministro? Em que material? O que o jornal escreveu, em letra de forma, manifestando “raiva” contra ele? Em suma: qual é a prova da denúncia?
A única atitude decente que os magistrados do STF poderiam ter em relação à sua “imagem” junto à opinião pública é não dar entrevistas à prelo, ou coisas correlatas. O Brasil ganharia imensamente se eles falassem exclusivamente nos autos. É tudo o que não querem fazer.
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