No Supremo Tribunal Federalista (STF), o ministro Alexandre de Moraes também reagiu agressivamente ao pregão feito por Zuckerberg e chamou o americano de “irresponsável”: “aqui no Brasil, a nossa Justiça Eleitoral e o nosso Supremo Tribunal Federal, ambos já demonstraram que aqui é uma terra que tem lei. As redes sociais não são terra sem lei. No Brasil, só continuarão a operar se respeitarem a legislação brasileira. Independentemente de bravatas de dirigentes irresponsáveis das Big Techs“.
Para especialistas em Relações Internacionais e Recta Do dedo consultados pela Publicação do Povo, essas reações podem ser a primeira lanço de um jogo de poder que será travado nos próximos anos entre as Big Techs e o Estado brasílio. Mas, em certa medida, as autoridades brasileiras precisarão mudar os planos que tinham em relação a iniciativas de coibir a liberdade de sentença.
“Se os interesses dessas empresas poderosíssimas, com enorme lobby, que movimentam valores bilionários, forem afetados, isso pode naturalmente melindrar as relações do Brasil com os Estados Unidos. Até porque Trump considera isso uma cruzada, uma missão que ele tem neste seu segundo governo, na sua volta ao poder”, alerta Elton Gomes, doutor em Ciência Política pela Universidade Federalista de Pernambuco (UFPE) e professor da Universidade Federalista do Piauí (UFPI).
“Se o Brasil adotar medidas extremamente restritivas como aquela que adotou contra o grupo X, com a suspensão dos sites, o bloqueio das plataformas, isso coloca o Brasil numa posição muito delicada, muito vulnerável, porque vai fazer coro com regimes autoritários ou de acentuadas características autoritárias semiditatoriais que, com alguma frequência, recorrem à solução do shutdown, de tirar do ar plataformas inteiras. É o caso do Irã, da China, da Coreia do Norte, da Rússia e de outros regimes autoritários pelo mundo afora”, acrescenta.
Para Gomes, a regulação de mídias sociais em democracias só tende a ser muito vista internacionalmente quando feita por meio de processos legislativos, porquê ocorreu na União Europeia, Argentina e Japão. No Brasil, no entanto, a pronunciação entre Executivo e Judiciário para tratar do tema lançaria um mau sinal até mesmo do ponto de vista do negócio.
“Afastaria parcerias e investimentos, porque ficaria comprovada a situação de que o Brasil é um país muito volátil, muito inseguro, muito imprevisível do ponto de vista das pessoas que querem contratar negócios e adquirir bens e serviços com brasileiros”, diz.
Para ele, porém, qualquer mudança dificilmente se daria de uma hora para outra, muito menos com um país porquê os EUA, que têm histórico de firme relação diplomática com o Brasil. “Os Estados Unidos são o país com o qual o Brasil tem a maior quantidade de acordos, tratados e convenções estabelecidas. É uma relação profundamente institucionalizada, que não tende a ser tão afetada por mudanças de governo ou mudanças de postura de grandes organizações com capacidade de exercer lobby e influência sobre o governo, como é o caso das Big Techs.”
Meta e Judiciário devem medir poder a partir de agora, dizem especialistas em Recta Do dedo
Especialistas em Recta Do dedo esperam, nos próximos anos, uma guerra mais política do que jurídica entre a Meta e o Judiciário brasílio no que se refere à liberdade de sentença. E os primeiros efeitos poderão ser sentidos na discussão sobre o cláusula 19 do Marco Social que está em curso no STF.
“Eles vão medir poder. Como o Zuckerberg sinalizou a ruptura com determinada ideologia no Brasil e se aliou a outra ideologia, buscando força nos Estados Unidos, o Judiciário tende a pisar em ovos, sob o risco de sofrer alguma espécie de retaliação”, afirma o legista perito em Recta Do dedo Fernando Brizola. “O Judiciário tenderá a sofrer certa pressão do governo americano para que o Brasil faça uma revisão interna do modo como está agindo contra as redes sociais, para que busque certo equilíbrio.”
O legista Gabriel Avelar, perito em Recta Do dedo, ressalta que o Judiciário brasílio dificilmente conseguirá agir com a Meta da mesma forma porquê fez com o X, em caso de descumprimento de decisões judiciais.
“Para o Supremo, era mais fácil bloquear o X, porque, do ponto de vista da população que vota, não há tantos usuários do X no Brasil. O X é uma rede social muito limitada. Agora, se tirarem do ar o WhatsApp, por exemplo, o custo político disso é infinito. A questão é quão entrincheiradas politicamente ficariam essas autoridades. Elas responderiam a uma forte pressão econômica. Se uma empresa americana está perdendo um milhão por dia, é uma coisa. Se ela estiver perdendo um bilhão por mês – um dinheiro que está deixando de ir para os Estados Unidos –, é diferente”, comenta Avelar.
Para ele, os ministros do STF “vão estar muito cautelosos com isso, porque entendem que é muito diferente bloquear o X e bloquear Instagram e WhatsApp”. Na visão dele, eventuais bloqueios por tempo restringido podem ocorrer, mas zero próximo do que se viu com o X. “Não acho que eles teriam coragem, por exemplo, de bloquear indefinidamente.”
Brizola considera que o Judiciário colocaria o Brasil em uma guerra de proporções muito mais amplas do ponto de vista geopolítico caso resolvesse confrontar a Meta da mesma forma porquê fez com o X.
“As redes sociais se tornaram um ponto central, porque a gente vive o que se tem chamado hoje de “economia da atenção”. As plataformas digitais se tornaram centrais para a economia e a política, em todos os sentidos, e assumiram um papel de absoluta relevância para a sociedade. Uma decisão dessas geraria um risco muito grande, com desafios geopolíticos bem relevantes”, avalia.
Avelar acredita que “os ventos vão mudar”. “Hoje, quem restringe o discurso tem muito poder, porque existe uma percepção pública de que é necessário censurar para proteger a democracia, por exemplo. Só que eu acredito que, dentro de alguns meses, o discurso contrário vai começar a ganhar força.”