No evento que marcou os dois anos do 8 de janeiro, no Palácio do Planalto, o presidente Lula saiu-se com mais uma de suas tiradas de mau paladar ao descrever-se uma vez que um “amante” da democracia – e não no sentido mais simples, de alguém que nutriz um pouco. “Não sou nem marido, eu sou um amante da democracia. Porque a maioria das vezes os amantes são mais apaixonados pela amante do que pelas mulheres. E eu sou um amante da democracia porque eu conheço o valor dela”, disse o petista. Mas bastaram somente dois dias para que esse “amante” trocasse a democracia por outra.
Nesta sexta-feira, em Caracas, Nicolás Maduro organizou mais um teatro no qual recebeu os símbolos da chefia do Poder Executivo da Venezuela, usurpando-a do legítimo vencedor do pleito de julho de 2024, Edmundo González Urrutia. Naquela ocasião, com 83% das urnas apuradas, o Recomendação Pátrio Eleitoral, submisso a Maduro, simplesmente parou a escrutinação e, logo depois, declarou o ditador uma vez que vencedor do pleito, alegando que ele vencera com 52% dos votos. A oposição democrática, no entanto, tinha em mãos boletins de urna, impressos nas seções eleitorais ao termo da votação, em número suficiente para justificar que González havia vencido por 67% a 30%. O Núcleo Carter, observador independente aceito por Caracas, endossou os números da oposição.
Só um chapabranquismo contumaz consegue enxergar uma sintoma de insatisfação no envio da embaixadora Glivânia. Pelo contrário: trata-se do reconhecimento explícito que Lula havia prorrogado o quanto pôde
Lula, o “amante” da democracia, mas também camarada de Maduro, tentou lucrar tempo afirmando que não reconheceria nenhum vencedor enquanto o CNE não apresentasse os boletins de urna (os mesmos documentos, mas apresentados pela oposição, obviamente não serviam). Maduro ignorou o pedido, a Justiça venezuelana chegou a criminalizar quem divulgasse as atas, González foi forçado a se exilar na Espanha, e ainda assim o petista não dava o passo decisivo que praticamente todas as grandes democracias do Poente já haviam oferecido, sem falar de governos latino-americanos de esquerda, uma vez que o do chileno Gabriel Boric: declarar que um ditador havia cometido uma fraude, e que o legítimo presidente eleito era seu oponente.
Com a aproximação do 10 de janeiro, Lula teve de resolver o que fazer em relação à cerimônia de usurpação do poder, e decidiu enviar a embaixadora brasileira em Caracas, Glivânia Oliveira. Segundo informações de bastidores, chegou a ter uma reavaliação da decisão no dia 9, diante das notícias de que a líder oposicionista María Corina Machado havia sido atacada e detida depois uma sintoma dos democratas venezuelanos – ela foi libertada horas depois. No entanto, mesmo com esse ato final de violência por segmento da ditadura bolivariana, Glivânia esteve na cerimônia, ao lado de ditadores uma vez que o cubano Miguel Díaz-Canel e o nicaraguense Daniel Ortega, além de representantes de outros regimes ditatoriais, uma vez que o russo, o chinês e o bielo-russo. Nações democráticas, incluindo a maioria dos países sul-americanos, os Estados Unidos e os membros da União Europeia, não enviaram ninguém.
Uma vez que afirmamos neste espaço dias detrás, um emissário não é um representante qualquer, e só um chapabranquismo contumaz consegue enxergar na escolha por mandar Glivânia uma sintoma de insatisfação ou “reprimenda” ao ditador. Pelo contrário: trata-se do reconhecimento explícito que Lula havia prorrogado o quanto pôde, na tentativa de iludir a segmento da opinião pública brasileira que insiste em vê-lo uma vez que alguém comprometido com a democracia. Se Lula não foi a Caracas pessoalmente, isso só ocorreu porque a repercussão negativa seria intensa e mesmo os seus bajuladores teriam dificuldade para explicar o roupa.
Celso Amorim, chanceler de facto e o arquiteto da política internacional moralmente delinquente de Lula, alegou “pragmatismo” para justificar a presença da embaixadora brasileira na encenação chavista. Endossar uma fraude eleitoral escancarada; legitimar o poder de um ditador sevo, perito em massacrar a própria população pelas armas ou pela penúria; terebrar mão de trabalhar para que a democracia retorne à Venezuela ao desprezar o legítimo vencedor do pleito de julho – isso não é pragmatismo, mas a mostra clara de que a democracia é só uma paixonite de verão de Lula; para o petista, paixão sincero, esse só o autoritarismo merece.