Os casos mais recentes de agressões envolvendo indígenas no oeste do Paraná se somam a uma extensa lista de episódios que caracterizam a tensão entre representantes das etnias e produtores rurais locais. Em generalidade, a disputa por uma espaço de aproximadamente 24 milénio hectares que abrange áreas rurais nos municípios de Guaíra, Altônia e Terreno Roxa.
A Jornal do Povo reuniu documentos e ouviu especialistas na procura por explicações para a origem do conflito. No término de 2024, indígenas da etnia Avá-Guarani foram atacados na região. Uma teve o pescoço queimado e outro foi baleado no braço. No início de janeiro, outros quatro – incluindo uma rapaz e um juvenil – foram baleados e precisaram ser levados até um hospital em Toledo.
Em nota solene, o Ministério dos Povos Indígenas condenou os atos de violência na região e disse estar acompanhando a situação junto aos indígenas por meio do Departamento de Mediação e Conciliação de Conflitos Fundiários Indígenas. Também em posicionamento público, a Pronunciação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), a Percentagem Guarani Yvyrupa (CGY), a Pronunciação dos Povos Indígenas do Sul do Brasil (Arpin Sul), a Pronunciação dos Povos Indígenas do Sudeste (Arpin Sudeste) e o Parecer Indigenista Propagandista (Cimi) – levante último vinculado à Confederação Vernáculo dos Bispos do Brasil (CNBB) – creditam os ataques a “pistoleiros mascarados e armados, que formam verdadeiras milícias paramilitares a serviço dos interesses do agronegócio da região”.
Em outra publicação, o Cimi cita documentos de uma reunião realizada no término de novembro de 2024 na qual os Avá Guarani listam que ao iniciarem “a autodemarcação [de terras] os brancos, em forma de crime organizado, começaram a invadir a nossa área de ocupação, e continuam até hoje aumentando cada vez mais”.
Conflito creditado aos “brancos” foi provocado internamente em comunidade indígena
Confira:
- 1 Conflito creditado aos “brancos” foi provocado internamente em comunidade indígena
- 2 “Estamos perdendo a guerra de narrativas”, diz presidente de Sindicato Rústico
- 3 Documento de Itaipu nega a existência de aldeias indígenas às margens do Rio Paraná
- 4 Ocupação indígena original era de menos de 30 hectares na região
- 5 Itaipu alertou para aumento populacional provocado pela transmigração de paraguaios
- 6 Terreno indígena “tradicionalmente ocupada” tem espaço equivalente a 24 milénio campos de futebol
- 7 Indígenas que se dizem nativos são descendentes de paraguaios, diz Marques
- 8 Faep calculou potenciais prejuízos provocados pelas invasões de indígenas
- 9 Governo do Paraná cobrou ligeireza na solução dos conflitos entre indígenas e agricultores
Porém, em pelo menos um desses ataques, agressores e vítimas pertenciam à mesma etnia indígena. É o que afirma o professor da Unioeste (Universidade Estadual do Oeste do Paraná) e ativista da culpa indígena na região Paulo Porto. Em uma publicação nas redes sociais, o indigenista labareda de “conflito trágico” o “confronto interno da comunidade Kaingang”. Ainda assim, Porto afirma que o caso está ligado à “truculência do tão festejado agronegócio”.
A reportagem da Jornal do Povo pediu mais informações ao ativista sobre possíveis outros conflitos internos entre os indígenas na região, mas não obteve resposta. O espaço segue ingénuo.
Leste conflito interno entre os Kaingang na Terreno Ivaí, na região de Pitanga (PR) teve uma vez que resultado mais de 200 indígenas desabrigados em seguida terem casas incendiadas por grupos rivais. Os invasores eram de outra comunidade, da Serrinha, e se mostraram contrários à saída do lugar.
Os desabrigados foram alocados no Escola Estadual do Campo São João da Colina, mas precisam encontrar um novo lugar, uma vez que as aulas na unidade escolar retornam no próximo dia 5 de fevereiro. Uma reunião foi marcada entre representantes da Funai, da Polícia Federalista (PF) e do Ministério Público Federalista (MPF) para mediar uma solução.
“Estamos perdendo a guerra de narrativas”, diz presidente de Sindicato Rústico
“Foi criada uma guerra de narrativas, e nós estamos perdendo”, afirma o presidente do Sindicato Rústico de Terreno Roxa, o produtor rústico Fernando Volpato Marques. Em entrevista à Jornal do Povo, ele citou fatos históricos sobre os quais os agricultores locais se baseiam na tentativa de frear as invasões de terreno por segmento dos indígenas.
Para Marques, a geração do lago da Usina Hidrelétrica de Itaipu é o ponto mais citado pelos defensores dos indígenas uma vez que fator crucial nos conflitos na região. De contrato com o produtor rústico, não são raros os casos em que o inundação das terras pelas águas represadas do Rio Paraná é usado uma vez que justificativa para reivindicações de terras por segmento dos representantes das etnias.
“Eles falam em muitas aldeias aqui na década de 1970, e que teriam sido esvaziadas com o alagamento. Só que em Guaíra pouca coisa foi submersa além das Sete Quedas. Mas eles se valem das narrativas, dos registros das oralidades dos antigos indígenas, de que assim que as comportas foram fechadas eles tiveram que sair correndo para não morrerem afogados”, disse.
Um cláusula publicado na Revista de Estudos e Pesquisas sobre as Américas, publicado pelo Departamento de Estudos Latino-Americanos da Universidade de Brasília (UnB), evidencia essa teoria. De contrato com os autores Rosângela Daiana dos Santos e Clovis Antonio Brighenti, documentos “encomendados” a pedido de Itaipu desconsideraram a presença de indígenas na região durante a construção da barragem da usina.
“Sem o represamento, ficava difícil imaginar [que] o belo riacho de águas claras ficaria submerso. Diversas casas guaranis foram construídas em local que viria a ser represado. Relatos confirmam que acordaram à noite com a água entrando na casa”, afirma o cláusula.
O presidente do Sindicato Rústico contesta esta versão. “Minha família chegou aqui na região no final da década de 1950. Segundo meu pai, nunca houve nenhuma aldeia indígena aqui na região. Eu atendi um senhor aqui na semana passada cuja família é contemporânea à minha na região. Eles também nunca viram nenhuma aldeia ou agrupamento indígena antes do início das invasões, nos anos 2000”, aponta.
Documento de Itaipu nega a existência de aldeias indígenas às margens do Rio Paraná
A versão de Marques é corroborada por um documento de Itaipu obtido pela Jornal do Povo. Na “Síntese dos procedimentos da Itaipu Binacional na questão dos índios Avá-Guarani”, datado de dezembro de 1988, a governo da usina afirma que “não há registros ou documentos que façam menção a uma aldeia indígena à margem do Rio Paraná”.
No documento, assinado pelo engenheiro agrônomo Klaus Greiner e pelos auxiliares Osmar Ribeiro e Edmilson Barreto, há referência a “algumas famílias nômades ocupando a referida área [próxima ao Rio Jacutinga]”. De contrato com o levantamento, seriam descendentes da tribo Avá-Guarani “que outrora ocupava a região em ambos os lados do rio Paraná com sede e origem no Paraguai”.
O texto se baseia em fotos aéreas da região tiradas nos anos de 1953, 1962, 1974 e 1979. Segundo o documento, a espaço ocupada pelos indígenas “se manteve aproximadamente constante desde 1953”. O espaço acabou sendo envolvido no transcurso do tempo por conta de um “vertiginoso processo de colonização”.
“Essa inundação ocorreu em São Miguel do Iguaçu, perto de Foz do Iguaçu. Ainda assim, estão querendo trazer esse problema para Guaíra. Aqui se sabe que não tinha nenhuma aldeia. Como é que os índios podem ter fugido do alagamento se eles não estavam por aqui?”, questiona o presidente do Sindicato Rústico de Terreno Roxa.
Ocupação indígena original era de menos de 30 hectares na região
Antes da presença da usina, uma mensuração do Instituto Vernáculo de Colonização e Reforma Agrária (Incra) citada no documento obtido pela Jornal do Povo dá conta de que os indígenas ocupavam uma espaço de 29,04 hectares na região. Outros 120 hectares eram ocupados por mestiços e colonos intercalados.
Durante a desapropriação, a Itaipu aponta que foram feitas várias reuniões com indígenas e entidades envolvidas – entre elas o Cimi – antes da definição dos critérios do processo expropriatório detalhado no documento. Entre as soluções, foi feita uma escolha conjunta de uma novidade espaço para homiziar os Avá-Guarani, na Leiva Ocoy, em São Miguel do Iguaçu.
A suplente foi demarcada em uma espaço de 253 hectares, em junho de 1982. Além da legalização jurídica da suplente, foram abertos dois traçados de estrada conforme solicitados pelos indígenas. Um poço artesiano e uma petardo foram instalados no lugar, além da construção de uma escola e de um posto médico. Contam no relatório ainda o fornecimento aos indígenas de mudas frutíferas e animais de pequeno porte, além de barcos, redes de pesca e uma motosserra.
Itaipu alertou para aumento populacional provocado pela transmigração de paraguaios
No texto há, ainda, referência a um aumento populacional promovido pela transmigração de indígenas vindos do Paraguai para a suplente. Tal indumento, avalia o relatório, se deu “por motivos políticos internos, com o auxílio de entidades religiosas e assistenciais”. Para a usina, esse aumento populacional provocado pela vinda de estrangeiros “fugia da alçada de Itaipu”.
Ainda assim, a gestão da binacional afirma no documento que “não se justifica a transferência de indígenas do Paraguai para junto dos indígenas [da Gleba] Ocoy, havendo perigo de inviabilizar qualquer trabalho na área da reserva”. A saída apresentada pelas entidades em resguardo da culpa indígena era o aumento da espaço da suplente em 1,5 milénio hectares, defendido, entre outros, pelo Parecer Indigenista Propagandista, ligado à CNBB.
Para a Itaipu, esta selecção resultaria na desapropriação de 70 propriedades rurais de colonos reassentados pelo Incra em 1974, “criando sério problema social”. O documento traz, em sua desfecho, um alerta direto sobre a ampliação da suplente. Tal medida, destaca o texto, “fatalmente provocaria uma migração maciça de indígenas do Paraguai para o Brasil, com consequências imprevisíveis”.
A previsão feita há décadas se confirmou. Uma ação que tramitou por anos na Justiça do Paraná mostrou uma vez que cidadãos do Paraguai vêm se passando por indígenas brasileiros há anos para receber documentos falsos e ter aproximação a serviços públicos e benefícios uma vez que o Bolsa Família e tentar receber pensões, mas acabou engavetada. Os mesmos indígenas participam atualmente de uma vaga de invasão de terras que está colocando em risco a produção agrícola no oeste do Paraná.
Terreno indígena “tradicionalmente ocupada” tem espaço equivalente a 24 milénio campos de futebol
O espaço solicitado pelos indígenas tem nome: é a Terreno indígena Tekoha Guasú Guavirá. O espaço aparece delimitado no Tela de Terras Indígenas da Instauração Vernáculo dos Povos Indígenas (Funai) com 24.028 hectares. A demarcação se deu por ser, segundo a Funai, uma espaço “tradicionalmente ocupada”. Mas essa “tradição”, explica o presidente do Sindicato Rústico de Terreno Roxa, teve início há 10 anos.
“A primeira dessas ocupações foi em 2004, quando um ativista convenceu a prefeitura a alocar umas famílias vindas de Diamante do Oeste [distante cerca de 140 quilômetros de Terra Roxa]. Eles foram colocados lá no porto dos pescadores, no local que ficou conhecido como Vila Guarani”, lembrou Fernando Volpato Marques.
Posteriormente a ocupação, o proprietário de uma herdade fez um contrato com os indígenas e os levou de volta à cidade de origem. Anos depois, o mesmo ativista voltou com mais famílias. Entre os anos de 2007 e 2012, disse o lavrador, ocorreram uma série de ocupações em propriedades rurais na região.
“Quando foi feito esse primeiro convencimento, não se imaginava que haveria essa alocação de mais de 14 mil hectares para uma única área indígena só no município de Terra Roxa. Somando com o pedaço da Ilha Grande, que pertence a Altônia, e o trecho onde deve passar o traçado da Nova Ferroeste em Guaíra, dá uma área de uns 24 mil campos de futebol”, comparou.
Indígenas que se dizem nativos são descendentes de paraguaios, diz Marques
A ancestralidade, outro ponto defendido pelos indigenistas na região, também foi refutada pelo produtor rústico. Para Marques, muitos dos que se dizem descendentes de indígenas de aldeias da região podem ser da linhagem de paraguaios trazidos para trabalhar em uma empresa exportadora de mate.
A explicação de Marques encontra guarida na história da Companhia Matte Laranjeira, criada no Paraguai no século XIX e posteriormente sediada em Guaíra. A empresa explorava a erva-mate nativa onde hoje é o sul do estado do Mato Grosso do Sul. Entre seus trabalhadores, a companhia recrutou fazendeiros com experiência no cultivo da vegetal, além de indígenas paraguaios.
A história aparece descrita na dissertação “A participação dos índios Kaiowá e Guarani como trabalhadores nos ervais da Companhia Matte Laranjeira”, apresentada pela mestranda Eva Maria Luiz Ferreira na Universidade Federalista da Grande Dourados, em 2007. No texto, Ferreira cita, entre outros pontos, que “no caso dos índios Kaiowá e Guarani, várias famílias foram deslocadas de suas aldeias, acompanhando a instalação de ranchos para a coleta de erva”.
“Eles tinham suas casas ali? Tinham. Mas não por uma formação de aldeia ou coisa parecida. Eram funcionários de uma empresa. E agora os descendentes estão se utilizando desta condição para justificar as invasões. Só que eles estão longe de serem nativos daqui”, completou Marques.
Faep calculou potenciais prejuízos provocados pelas invasões de indígenas
Um levantamento realizado pelo Departamento Técnico e Econômico (DTE) da Federação da Lavradio do Estado do Paraná (Faep) aponta que as áreas invadidas correspondem a 17,9% das áreas agricultáveis de Terreno Roxa, 14,4% de Guaíra e 1,9% de Altônia. Somadas, os territórios invadidos respondem por 12,5% das terras destinadas a atividades agropecuárias nos três municípios.
O agronegócio é o principal pilar econômico da região. Dados da Faep mostram que somente a produção de soja e milho movimentou mais de meio bilhão de reais em Terreno Roxa no ano de 2023. Em Guaíra, negócios ligados à produção agropecuária, uma vez que grãos e avicultura passaram da morada dos R$ 500 milhões.
Para o DTE, o prejuízo trazido pelas invasões às propriedades rurais pode chegar a R$ 261 milhões. Essa projeção leva em conta o Valor Bruto de Produção (VPB) Agropecuário de cada município e a dimensão das áreas invadidas em relação às terras agricultáveis. Só em Terreno Roxa, se as propriedades invadidas forem retiradas dos produtores, o prejuízo na produção agropecuária seria equivalente a R$ 173,2 milhões.
À Jornal do Povo, o presidente interino do Sistema Faep, Ágide Eduardo Meneguette, alertou que há outros possíveis danos ao agronegócio que podem vir na esteira das invasões. Segundo ele, a entidade alertou a Secretaria de Estado da Lavradio e do Aprovisionamento (Seab) e a Filial de Resguardo Agropecuária do Paraná (Adapar) sobre os riscos de ingressão de doenças graves nos animais nas áreas invadidas pelos indígenas.
“Ninguém pode entrar nesses locais, porque esses ditos indígenas não permitem. E se por acaso eles trouxerem para as áreas invadidas algum animal contaminado pela gripe aviária, por exemplo? A região é repleta de aviários, qual é o impacto que isso pode trazer para o nosso agronegócio? Isso pode acontecer com suínos, ou até mesmo a volta da febre aftosa. Quantos anos pode levar até que o agro do Paraná se recomponha caso aconteça essa tragédia?”, comentou.
Meneguette cobrou uma postura mais enérgica do governo do Paraná para, segundo ele, proteger os interesses da agropecuária e do agronegócio paranaense. “Sabemos que é uma área de fronteira, cuja segurança cabe à Força Nacional”, disse. “Mas eu vejo o estado como soberano nas medidas mais enérgicas em defesa do interesse da nossa população”, completou.
Governo do Paraná cobrou ligeireza na solução dos conflitos entre indígenas e agricultores
O governo do Paraná, em 30 de outubro de 2024, cobrou ligeireza dos ministérios da Justiça e Segurança Pública e do Desenvolvimento Agrário e Lavradio Familiar, além da Funai, para uma solução pacífica para os conflitos na região. Batalhões da Polícia Militar de Choque e de Fronteira foram destacados para substanciar o policiamento lugar feito pela Polícia Federalista e Força Vernáculo.
Entre as saídas propostas por um grupo de trabalho criado na região estava a compra de uma espaço por segmento de Itaipu para realocar os grupos indígenas. A obtenção de 3 milénio hectares serviria, nas palavras da atual gestão da usina, uma vez que um reconhecimento da “dívida histórica com as comunidades afetadas pela criação do reservatório”.
A reportagem da Jornal do Povo pediu um posicionamento de Itaipu sobre as negociações, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem. Em nota divulgada pela Usina, o diretor jurídico da Binacional, Luiz Fernando Delazari, apontou que a negociação da compra segue em curso e envolve órgãos uma vez que a Funai e o Ministério dos Povos Indígenas.
“Essa situação da demarcação já está judicializada e em análise no Supremo Tribunal Federal”, disse o governador paranaense Carlos Volume Ratinho Junior (PSD), no ofício guiado ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no término de outubro do ano pretérito. “Mas não podemos perder tempo ou fechar os olhos, sob risco de assistir a uma tragédia. É momento de olhar com atenção para o pacto civilizatório e garantir uma resolução pacífica”, completou.
Em resposta, o diretor de Gestão Interna do gabinete pessoal do Presidente da República, Paulo Cangussú André, disse somente que o pedido foi guiado para estudo dos ministérios da Justiça e Segurança Pública e dos Povos Indígenas.