O programa Calha Setentrião, iniciativa das Forças Armadas brasileiras, recebeu mais de R$ 3 bilhões em emendas parlamentares nos últimos sete anos, o que significou um meandro na finalidade original de atuação militar estratégica nas fronteiras. A reportagem é do jornal Folha de S.Paulo.
Esse volume de recursos talhado por deputados e senadores transformou o programa em um meio para a realização de obras de infraestrutura, além de entrega de máquinas, veículos e equipamentos em redutos eleitorais escolhidos pelos parlamentares.
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A mudança de foco levou o governo federalista a anunciar a transferência do programa do Ministério da Resguardo para o Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional, já responsável pela Codevasf — outra instituição pública que também se tornou níveo de emendas parlamentares.
Há paralelos entre o Calha Setentrião e a Codevasf, criada para fomentar a regadura no semiárido, mas que expandiu sua atuação para atender interesses políticos.
Um exemplo é a ampliação territorial dos dois programas: enquanto a Codevasf alcançou áreas da Amazônia Lítico e do litoral nordestino, o Calha Setentrião passou a incluir regiões distantes das fronteiras, uma vez que o Tocantins.
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Em 2022, durante o último ano do governo de Jair Bolsonaro (PL), a superfície de abrangência do programa militar aumentou 40%, de 442 para 619 municípios. Sob o governo Lula, em 2023, o número subiu novamente, chegando a 783 localidades — embora somente 170 estejam nas fronteiras brasileiras.
Hoje, o programa cobre muro de 60% do território pátrio, que abrange dez Estados.
Os valores de emendas destinados ao Calha Setentrião cresceram consideravelmente desde 2017.
Naquele ano, foram executados R$ 266 milhões (em valores corrigidos pela inflação), zero que saltou para R$ 688 milhões em 2023, um aumento de aproximadamente 160%.
Em 2024, até outubro, o montante foi de R$ 572 milhões. Ao todo, desde 2017, foram R$ 3,5 bilhões em emendas executadas no contexto do programa. Desse totalidade, muro de 70% dos recursos foram destinados a obras, o equivalente a R$ 2,4 bilhões.
Esses recursos financiaram a construção e pavimentação de escolas, hospitais, praças, ginásios e mercados, além da entrega de 1.877 veículos e 637 máquinas pesadas, uma vez que ambulâncias, caminhões e tratores de esteira.
Aproximadamente R$ 1 bilhão em emendas foi gasto para a entrega de produtos, o que incluiu a distribuição de 1.877 veículos e 637 máquinas pesadas desde 2017.
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O elenco de bens é bastante variado: motocicletas, carros, picapes, ônibus, ambulâncias, caminhões, compactadores de lixo, retroescavadeiras, motoniveladoras e tratores de esteira.
Ministro da Justiça diz que programa militar fugiu da finalidade da pasta
Em setembro, o governo anunciou que o Calha Setentrião vai ser transferido para o Ministério da Integração a partir de janeiro. O ministro da Resguardo, José Mucio, justificou a medida sob o argumento de que a pasta “vinha fazendo um trabalho que é de Desenvolvimento Regional, fugindo da finalidade do nosso ministério”.
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“As Forças Armadas devem trabalhar na área delas, não devem fazer o trabalho que vinham fazendo porque isso confundia, misturava as coisas, atrapalhava a nossa gestão”, afirmou.
“Estamos deixando de fazer o que não é do nosso ministério e nem temos conhecimento para isso, e meu desejo é que as Forças Armadas voltem para os quartéis para cumprirem suas obrigações”, completou.
Mucio endossou a avaliação das Forças Armadas, sobretudo do Tropa, de que o Calha Setentrião tinha se transformado num festival de emendas para outros fins que não os militares, uma vez que a construção de praças, quadras e espaços esportivos.
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A preocupação agora é prometer que, mesmo com cortes orçamentários, o programa continue financiando projetos essenciais, uma vez que o suporte aos pelotões de fronteira e os navios-hospitais da Marinha, que atendem comunidades ribeirinhas na Amazônia.
O Ministério da Resguardo não respondeu aos questionamentos da Folha sobre o aumento das emendas e o curso da transferência do programa.