Quando o ministro da Rancho, Fernando Haddad, anunciou o pacote de golpe de gastos, em 28 de novembro, uma das principais expectativas do mercado estava relacionada às reduções no abono salarial. Mas, uma vez que outras medidas do pacote, as propostas do governo para sustar as despesas com o abono também foram consideradas insuficientes, tanto pelos resultados mais expressivos estarem previstos unicamente para depois de 2026, quanto pelo caráter gradual da redução proposta.
Atualmente, o abono salarial, uma espécie de 14º salário, é pago a trabalhadores com carteira assinada que recebem até dois salários-mínimos. O pacote prevê limitar o mercê àqueles que recebem até 1,5 salário-mínimo.
Analistas apontam que essa mudança reflete um dos principais argumentos contra o abono: sendo talhado a empregados com carteira assinada, muitas vezes é considerado um gasto ressaltado para o governo, mas pouco efetivo no combate à pobreza.
O próprio ministro utilizou esse argumento ao declarar que o abono salarial havia perdido “sua razão de ser”, diante do surgimento de outros programas governamentais que oferecem maior auxílio social.
Segundo analistas, ao implementar um golpe gradual no abono, o governo deixa evadir uma oportunidade de reduzir gastos estruturais com um programa cuja eficiência social é frequentemente questionada.
Novidade regra prevê transição de dez anos
A novidade regra, incluída na proposta de emenda à constituição (PEC) 45/2024, prevê uma transição de dez anos. Durante esse período, o mercê será progressivamente ajustado para atender unicamente trabalhadores que recebem até 1,5 salário-mínimo, em vez de dois. A proposta foi aprovada pelo Senado em 19 de dezembro.
Apesar do caráter frouxo do golpe, Haddad defendeu a medida afirmando que, com o aumento do salário-mínimo supra da inflação, a convergência para o limite de 1,5 salário-mínimo será procedente e gradual. “
Quando chegar a 1,5 salário-mínimo, volta a prevalecer a regra atual. É como se estivéssemos gradualmente reduzindo de dois para 1,5, mas sem prejudicar os trabalhadores que hoje ganham R$ 2.640”, explicou o ministro.
Segundo cálculos do governo, os impactos fiscais mais significativos começarão a ser sentidos a partir de 2027. Neste ano, quando o mercê ainda será facultado a quem ganha até dois salários-mínimos, a economia estimada é de R$ 100 milhões. Em 2026, essa economia sobe para R$ 600 milhões, e, em 2027, alcança R$ 2 bilhões. No totalidade, entre 2025 e 2030, o governo prevê poupar R$ 18,1 bilhões com a medida.
Impactos mais expressivos só depois de 2027
Especialistas avaliam que o impacto fiscal mais significativo virá em seguida 2027, devido ao operação do mercê considerar a renda do trabalhador de dois anos antes. Monica Araújo, estrategista de renda variável InvestSmart XP, destacou que “somente a partir de 2027 teremos uma contribuição mais efetiva para reduzir o aumento dos gastos com o abono salarial”.
A proposta aprovada pelo Congresso mantém, para 2025, a regra atual que concede o Abono Salarial a trabalhadores que recebem até R$ 2.640, equivalente a dois salários mínimos em 2023. No entanto, a partir de 2026, o valor de referência para licença do mercê deixará de escoltar o reajuste do salário-mínimo, resultando em uma redução gradual no número de trabalhadores elegíveis até 2030, quando unicamente quem ganha até 1,5 salário-mínimo terá recta.
A medida, que procura limitar os gastos públicos, prevê que o valor supremo de R$ 2.640 será atualizado somente pela inflação, enquanto o salário-mínimo terá reajustes maiores, impactando a abrangência do mercê.
Apesar de a medida representear uma contenção de despesas, críticas surgem quanto à sua eficiência e à extensão da transição. Marcus Pestana, diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), classificou o ajuste uma vez que adequado, mas lento. “A transição é muito longa. São 10 anos para mudar. Isso suaviza o impacto, mas reduz a efetividade no curto prazo”, avaliou.
“Mas podia ser um salário, por que não um salário? Para alcançar só as pessoas de mais baixa renda. Poderiam ter feito uma redução em três anos? Mas são escolhas, né?”, comentou.
Sobre a longa transição, Monica Araújo adverte que talvez fosse verosímil encurtar esse período de transição, a término de verificar uma tributo mais efetiva para 2026, por exemplo.
Cortes maiores no abono salarial poderiam gerar mais economia para o governo
Estudos indicam que cortes mais incisivos no abono poderiam gerar economias consideráveis. Uma estudo de Gabriel Leal de Barros, economista-chefe da Ryo Asset, estima que a limitação do mercê a quem recebe um salário-mínimo poderia liberar um espaço fiscal de R$ 256 bilhões em uma dez.
Não é a primeira vez que o governo propõe mudanças no abono salarial. Durante a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), a reforma da Previdência também previa a limitação do mercê a quem ganha um piso salarial. O trecho, porém, foi retirado durante a tramitação no Congresso. Naquele momento, as economias esperadas eram da ordem de R$ 150 bilhões.
Em 2023, por exemplo, o governo gastou R$ 25 bilhões com o abono, ou 0,23% do PIB. Já para 2024, as projeções apontam para R$ 28 bilhões direcionados para o programa, um aumento de 9%, já considerada a inflação.