Se fiquei curioso? Evidente que fiquei! Aliás, quem não ficaria curioso para saber porquê essa natividade escandalosa de progressismo e identitarismo que é a Netflix retrataria a natividade murmurante de pureza e virtude que é Nossa Senhora? Foi por isso – e também por algumas acusações de heresia que vi aqui e ali – que assisti a “Virgem Maria”.
Filme de ação
Confira:
Me decepcionei, evidente. Não porque esperasse uma grande obra-prima, um pouco que a presença de Anthony Hopkins pudesse sugerir. Me decepcionei porque esperava um filme à la “A Forja”, simples no limiar do tolerável e referto de um proselitismo explícito, e me deparei com um filme de ação que reduz Nossa Senhora a uma heroína mundana.
Massacre dos Inocentes
O filme, porquê já explicou meu colega Francisco Escorsim cá na Jornal do Povo, conta a história de Maria desde a sua concepção até o incidente em que o rei Herodes, interpretado por Anthony Hopkins, ordena o assassínio de todos os bebês com menos de dois anos em Belém. O mira da ordem crudelíssima, porquê você provavelmente se lembra, era Jesus. O Massacre dos Inocentes está registrado em Mateus 2:11–23.
Estranhamentos
A base do filme, todavia, não são os Evangelhos, e sim um tal de Proto-Evangelho de Tiago – que eu nem sabia que existia. Por isso algumas coisas causam estranhamento, porquê os anos que Maria teria pretérito no Templo. Outra coisa que desculpa estranhamento e, no caso de alguns, revolta é a cena em que Maria sente as dores do parto de Jesus. Mas, em vez de nutrir ódio pelos criadores do filme, por que não tentar compreender o que os levou a retratar Maria de uma forma tão confusa, misturando tradições e, pior, tentando encaixar narrativas religiosas num molde secularista?
Crueldade pura
Já desenvolvo melhor esse tema. Antes, permita-me falar que o Herodes de Anthony Hopkins é um dos melhores vilões bíblicos que já vi. Não que eu tenha visto muitos… Há no olhar dele uma crueldade pura, concentrada mesmo, e que por isso nos soa porquê caricatura. Mas não é. É a crueldade que hoje associamos aos psicopatas, e que naquele tempo talvez pudesse ser descrita porquê “a maldade dos que não temem a Deus e não conhecem a possibilidade de Salvação”.
Pena
Dito isso, confesso que “Virgem Maria” me deu pena. Porque, apesar de bem-intencionado, é um filme que precisa fazer muitas escolhas estéticas e narrativas para recorrer à máxima audiência verosímil. E assim, cedendo cá e ali, o filme acaba revelando a mediocridade do testemunha contemporâneo, de quem horizonte imaginativo foi reduzido, nas últimas duas décadas, por sagas e mais sagas de super-heróis ou filmes com personagens bons ou ruins, sem qualquer preocupação com as nuances.
Rebeldemente romântica
Resultado: para primícias de conversa, em “Virgem Maria” tanto a mãe de Deus quanto José são retratados porquê revolucionários. No sentido político do termo mesmo. Maria, aliás, extremo a militante feminista em algumas cenas. E talvez isso seja uma licença ao progressismo, sim. Não descarto essa possibilidade. Mas prefiro crer que essa Maria rebeldemente romântica (no sentido byroniano do termo) seja resultado da incapacidade de compreender e admitir conceitos porquê obediência, submissão e mansidão sob outra ótica que não a dos nossos dias.
Não temas!
Também o descuramento totalidade à vontade de Deus é um pouco que os realizadores do filme não compreendem. Não fazem a menor ideia. Tanto que passam ao largo do “não temas/não tenha medo” de Lucas 1:30, e por isso transformam Maria numa jovem angustiada que teme não só por sua segurança porquê também pelo estrago que a concepção milagrosa de Jesus pode promover à sua honra.
Narizinho empinado
Mas insisto em proferir que não vejo má-intenção nisso que vou invocar de problema, mas talvez seja unicamente implicância. Antes, trata-se de ignorância e de uma tentativa (felizmente malsucedida) de transformar Nossa Senhora numa excelso heroína mundana, com recta a chutes e socos e gritinhos, sem falar na já citada mentalidade revolucionária e no narizinho empinado e provocador de mulher empoderada, mas com pânico da opinião do vizinho.
Atrofiado músculo da misericórdia
Assim, encerro dizendo que “Virgem Maria” é um filme que se submete ao zeitgeist (fazia tempo que não usava isso) religioso e mercadológico, mas que pode ser visto tranquilamente. Aliás, talvez seja até um manobra válido para, nesses tempos de tanta intolerância, exercermos o atrofiado músculo da misericórdia. E para assim, por meio da repudiação ao negativo, vermos reafirmada a nossa fé.