Depois passar vários dias internado em São Paulo, sendo submetido a duas intervenções, o presidente Lula demonstrou estar de volta à velha forma, pois já passou a falar demais, a mentir compulsivamente e a culpar terceiros pelos problemas que ele mesmo cria. No domingo, em entrevista à TV Mundo, afirmou que “a única coisa errada nesse país é a taxa de juros estar acima de 12%. Essa é a coisa errada. Não há nenhuma explicação”, acrescentando que “a inflação está quatro e pouco. É uma inflação totalmente controlada”. Em outras palavras, a responsabilidade pela deterioração da economia e das expectativas a saudação do porvir do Brasil não é do governo, mas do Banco Medial e da “Faria Lima”, que o petismo quer até mesmo investigar, a julgar pela mais recente ação do deputado Zeca Dirceu.
Para início de conversa, a inflação não está em “quatro e pouco”, mas em quatro e muito, quase cinco. O aglomerado de 12 meses até novembro está em 4,87%, estourando o limite sumo de tolerância para a meta de inflação deste ano, que é de 4,5% para uma meta de 3%. No mais recente relatório Focus, os agentes do mercado financeiro preveem que o IPCA fechará 2024 em 4,89%. Se a inflação de roupa superar os 4,5%, o presidente do Banco Medial terá de redigir uma epístola ao ministro da Quinta explicando por que a meta não foi cumprida. Uma vez que o índice deve ser divulgado unicamente em janeiro, essa tarefa já caberá a Gabriel Galípolo, o escolhido de Lula para presidir o BC, e que poderia muito muito sintetizar sua mensagem a Fernando Haddad dizendo unicamente que “a inflação estourou a meta porque seu governo gasta demais e não faz nada para mudar isso”.
O novo patamar de R$ 6 por dólar reflete a constatação de que não há esforço fiscal digno do nome por segmento de Lula
A ata da mais recente reunião do Copom, realizada na semana passada e que terminou com a decisão unânime de erguer a Selic em um ponto porcentual, explica muito muito o que está acontecendo. O governo está bancando o prolongamento do PIB pela via do incentivo ao consumo, o próprio e o das famílias. Quando afirma que “o cenário se mostra menos incerto e mais adverso que na reunião anterior”, o Copom afirma que os maiores medos em termos de pressão inflacionária se materializaram. Os diretores do BC ainda alertam para “o esmorecimento no esforço de reformas estruturais e disciplina fiscal, o aumento de crédito direcionado e as incertezas sobre a estabilização da dívida pública”. Zero disso é culpa nem do BC, nem do mercado financeiro: quem gasta e se endivida perigosamente é um governo que labareda toda despesa de “investimento” e se recusa a fazer os cortes necessários.
A reação negativa ao pregão do pacote de Fernando Haddad zero teve de especulação ou má vontade; é a reação procedente, diante de um conjunto de medidas que não faz um incisão de despesas propriamente dito, limitando-se a frear o ritmo de prolongamento real (supra da inflação) das despesas governamentais. Ainda que o término de ano seja naturalmente uma era de pressão sobre o câmbio devido à demanda das empresas multinacionais por dólares para remeter às matrizes no exterior, o novo patamar de R$ 6 por dólar reflete a constatação de que não há esforço fiscal digno do nome por segmento de Lula. É salutar recordar que o ciclo de desvalorização do real em 2024 se intensificou quando o governo mudou a meta de resultado primordial de 2025 e 2026, indicando o desinteresse ou a incapacidade (mais provavelmente, as duas coisas juntas) de Lula de sofrear os gastos e estabilizar a dívida pública uma vez que porcentagem do PIB.
“Ninguém nesse país, do mercado, tem mais responsabilidade fiscal do que eu. […] Entreguei esse país, sabe, numa situação muito privilegiada”, disse ainda o presidente, achando que convence alguém a saudação de seu compromisso fiscal. Quanto a “entregar o país em situação privilegiada”, não custa recordar que os indicadores de PIB e resultado primordial do término do segundo procuração do petista, de 2007 a 2010, são consequência do início da implantação da “nova matriz econômica” lulopetista, capaz de gerar bons números no curtíssimo prazo enquanto semeava, no médio prazo, a pior recessão da história do país, em uma combinação de incentivo irresponsável à despesa (exatamente uma vez que hoje) e maquiagem nas contas, que hoje o governo consegue realizar de outra maneira, ao retirar dos cálculos oficiais do tórax fiscal diversos tipos de despesa.
Logo depois de criticar os juros, Lula emendou um “nós vamos cuidar disso também”, sem proferir uma vez que exatamente faria isso, mas lançando uma sombra de incerteza sobre a atuação de Galípolo adiante do Banco Medial. Até agora, ele tem se mostrado responsável, ajudando inclusive a formar unanimidades nas elevações da Selic que tanto irritam Lula. Se é tudo uma máscara que cairá logo que ele tomar posse na presidência do BC e os indicados por Lula se tornarem maioria do Copom, saberemos na próxima reunião, que deve terminar com outra elevação de um ponto “em se confirmando o cenário esperado” – e tudo aponta para a confirmação desse cenário. Galípolo tem diante de si duas opções: proteger a independência do BC, fazendo o que tem de ser feito, ou tornar-se um novo Alexandre Tombini. A escolha é simples, mas depende do que ele considera mais importante: o muito do país ou a vontade de quem o indicou ao posto que passará a ocupar em janeiro.