Quem foi melhor: Senna ou Piquet?

Senna. Sem incerteza nenhuma foi o Senna. Se duvidar, até imito o Galvão Bueno e encho a boca para falar: Ayrton, Ayrton, Ayrton Senna do Brasil!

Aliás, defendo a teoria de que o Brasil começou a dar mais inexacto ainda depois que Senna morreu, naquele domingo rememorável, 1º de maio de 1994. A psique do brasílio perdeu alguma coisa no momento em que Senna tombou a cabeça para o lado. Mas, antes de falar sobre isso, permita-me repetir a pergunta do título. Finalmente, é improvável que qualquer leitor vá discordar de mim, mas… nunca se sabe.

aqui era para ter uma enquete simples, que reproduzisse a pergunta do título e oferecesse a você exclusivamente duas alternativas: Senna ou Piquet. Mas, por problemas técnicos que me são totalmente incompreensíveis, a enquete não está funcionando. Logo você que quiser opinar, que não estiver aguentando de vontade de opinar, terá de recorrer à velha e boa caixa de comentários.

Agora a enquete está ativa. Sinta-se à vontade para respondê-la:

Essa incerteza voltou à tona com o lançamento da série “Senna”, disponível na Netflix e que meu colega Erich Mafra diz que é ótima, enquanto meu colega Josias Teófilo diz que é péssima. Por pretexto da série, nos últimos dias vi argumentos apaixonados em resguardo da superioridade de Nelson Piquet, tanto nas pistas quanto nas alcovas e até na política. Piquet pelo qual nutro uma inegável estima, digo, uma estima restrita às pistas. Mas desculpe por martelar: Senna foi melhor.

(Esta é aquela hora em que você esbraveja, diz que sou inepto, que não entendo zero de Fórmula 1, e faz referência àquela ultrapassagem – aquela, naquele Grande Prêmio, naquele campeonato! Sabe de qual estou falando, né? E tudo muito, aceito a ofensa e seus argumentos automobilísticos. Até porque tanto a ofensa quanto o argumento não importam muito num texto que está falando de outra coisa. Dito isso, dois pontos).

A sátira que se faz ao Senna é uma e sempre a mesma: ao contrário do ixperto Piquet, ele era bonzinho demais. Isso mesmo: bonzinho demais. Senna era talentoso, simples, e bastante hipotecado no seu métier pleno de glamour. E bonzinho demais. Aliás, era cristão, educado e, sei lá, posso estar ludibriado, mas não acho que foi por contingência que o arqui-inimigo dele, Alain Prost, veio ao Brasil segurar o caixão do piloto. Ou seja, Senna era mesmo bonzinho demais.

Sabe-se lá por quê, mas & entretanto, essas qualidades do Senna são encaradas com um indissimulável nojinho por alguns. Porquê se uma pessoa, e ainda por cima um brasílio!, não pudesse ter qualidades morais e ser bem-sucedido num esporte extremamente competitivo porquê era (ainda é?) a Formula 1 das décadas de 1980 e 1990. Um nojo que, aplicado à política e a outros aspectos da nossa sociedade, explica perfeitamente porque estamos neste mato sem cachorro.

Ah, mas o Senna não era nenhum santo – você há de manifestar. Não, não era e não sei se a santidade estava entre os objetivos dele. Acho que não. Mas, em meio a todas as imperfeições dele, que são também as nossas imperfeições, me parece que Senna tinha uma moral magnífico. Até por isso ele foi ídolo de milhões, porquê é capaz de constatar qualquer um que assista às cenas não de suas ultrapassagens e corridas épicas, e sim daquele cortejo funéreo que parou o Brasil.

Sabe aquela frase do Ruy Barbosa*? Aquela que começa com “De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça” e termina falando da “vergonha de ser honesto”? Pois muito. Me parece que a morte do Senna de alguma forma fez com que o brasílio desanimasse da virtude, risse da honra e tivesse vergonha de ser honesto. De ser o bom-moço imperfeito, mas incomodado com suas (nossas) imperfeições.

Fico imaginando o que teria sido do Brasil se o exemplo de bom-mocismo bem-sucedido de Senna não tivesse terminado na infame curva Tamburello. Será que hoje estaríamos valorizando, em todas as atividades humanas, a esperteza, a malandrice, o consequencialismo? O desaforo teria se transformado, porquê se transformou, na linguagem preferida dos intelectuais – tanto à esquerda quanto à direita? Estaríamos valorizando quem se dá muito à custa de quem faz o visível?

Ou será que em vez desta eterna e insuportável disputa pelo “menos pior” estaríamos hoje brigando para escolher o melhor político, o melhor jornalista, o melhor artista, o melhor desportista? Porque não sei você, mas eu cansei de ter de me contentar com a mediocridade só porque a opção é ainda mais medíocre. Dito isso, tudo isso, afirmo e dou fé: Senna foi melhor do que Piquet.

* A frase completa de Ruy Barbosa é: “De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto”.