O Supremo Tribunal Federalista (STF) deve julgar, entre 6 e 13 de dezembro, um pedido de retiro do ministro Alexandre de Moraes do interrogatório sobre o suposto golpe de Estado. O recurso foi apresentado pela resguardo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e será analisado em plenário virtual, quando os ministros depositam seus votos no envolvente do dedo da Galanteio, sem discussões no plenário físico.
Recentemente Moraes foi impedido de julgar uma ação movida pela esposa de Cleriston Pereira da Cunha, o Clezão, denunciado pelos atos de 8 de janeiro que morreu na prisão em novembro de 2023. Na queixa, rejeitada pelo Supremo, a família do empresário acusou o ministro do STF de ter praticado maus-tratos em modalidade qualificada, doesto de domínio e tortura.
Sendo assim, o ministro era segmento no processo e foi considerado impedido de julgá-lo, o que gerou especulações sobre a possibilidade de o mesmo ocorrer no julgamento do processo sobre golpe de Estado, já que Moraes aparece porquê uma das vítimas de um suposto projecto de homicídio. Advogados consultados pela Jornal do Povo, porém, explicaram que os casos são diferentes, embora apontem que Moraes deveria ser retirado do interrogatório do suposto golpe por ter sido indigitado porquê uma das vítimas do processo.
Segundo a assessoria de prelo do STF, Moraes foi retirado do julgamento da morte de Clezão com base no regimento interno da Galanteio, que diz que processos que tiverem atos de ministros porquê objeto serão distribuídos com a sua exclusão. Especialistas também indicam que o Código de Processo Social (CPC) e o Código de Processo Penal (CPP) preveem ainda que um juiz será dito impedido se for segmento na ação ou diretamente interessado no pleito.
“Na petição 12.186 [do caso Clezão], o ministro Moraes está na condição de réu, então ele é parte contrária a quem propôs a ação. Na qualidade de parte, ele está impedido de julgar”, explica o legista e doutor em recta penal Matheus Herren Falivene. Ao ser dito impedido ou suspeito em um processo, o ministro não pode mais votar ou relatar aquele caso.
O legista André Santana, que tem atuado em obséquio dos quatros militares e um agente federalista investigados na Operação Contragolpe, acredita que Moraes deveria ser impedido no processo. “No caso, Moraes encontra-se em patente conflito de interesse, já que figura como vítima dos atos que fundamentaram as medidas cautelares questionadas”, disse.
No entanto, legista criminal e rabino em processo penal pela USP, Fernando Gardinali avalia que os dois casos são diferentes, já que as vítimas não são, necessariamente, partes das ações. “A vítima pode se habilitar com um advogado ou no processo penal como um assistente da acusação. Ela pode se tornar parte, mas, propriamente, ela não é”, diz Gardinali. Ele acredita, porém, que Moraes deveria ser considerado suspeito para julgar o caso, uma hipótese também prevista na legislação penal e social que o afastaria do interrogatório.
O ministro Luís Roberto Barroso, presidente do STF, já julgou improcedente um pedido de impedimento do ministro Alexandre de Moraes formulado pela resguardo de Bolsonaro na mesma investigação sobre suposto golpe, em fevereiro, logo posteriormente a operação da Polícia Federalista (PF) Tempus Veritatis, da qual o ex-presidente foi meta. Na idade, ele considerou que as alegações dos advogados eram “genéricas e subjetivas, destituídas de embasamento jurídico”.
No pedido de impedimento, a resguardo de Bolsonaro alegou que o ministro Alexandre de Moraes estaria no papel de vítima no caso e por isso não teria a isenção necessária para julgá-lo. “O ministro relator [Alexandre de Moraes] se vê e assim se descreve como vítima direta das condutas investigadas nos presentes autos, demonstrando seu claro e inevitável interesse no deslinde processual. Nesse cenário, a narrativa criada pelo próprio ministro deixa claro seu envolvimento na relação processual ao sentir que as ações supostamente perpetradas pelos investigados o tinham como alvo”, diz a petição inicial do impedimento.
Impedimento e suspeição de ministros
De convenção com o disposto nos Códigos Social e Penal, o instituto da suspeição delimita as hipóteses em que o magistrado fica inábil de trenar sua função em determinado processo, devido a vínculo subjetivo com algumas das partes, indumento que compromete seu obrigação de imparcialidade. Uma das possibilidades é suspeição se o juiz for “amigo íntimo ou inimigo capital” de qualquer uma das partes.
Já no caso do impedimento, a lei relaciona expressamente os casos em que o magistrado fica inábil de atuar:
- se seu consorte ou parente tiver sido patrono ou legista, órgão do Ministério Público, domínio policial, facilitar da justiça ou perito;
- se ele próprio houver desempenhado qualquer dessas funções ou servido porquê testemunha;
- se tiver funcionado porquê juiz de outra instância, pronunciando-se, de indumento ou de recta, sobre a questão;
- e se ele próprio ou seu consorte ou parente for segmento ou diretamente interessado no feito.
Os advogados ouvidos pela Jornal do Povo, reforçam que o impedimento ocorre quando “há certeza objetiva de que o juiz não pode autuar no caso por ser parte interessada no resultado”.
“As causas de impedimento são taxativas e estão previstas em lei. Se o juiz se enquadra em alguma delas, ele é automaticamente impedido de atuar no processo”, pontuou o legista André Santana. Na decisão que autorizou a Operação Contragolpe, Moraes citou a si mesmo 44 vezes.
O legista Matheus Herren entende que a possibilidade de suspeição é mais difícil de ser provada. “Para ter uma suspeição, teria que se provar nos inquéritos uma inimizade entre os ministros e as pessoas que estão sendo investigadas. Na prática isso é bastante difícil, pois é um conceito bastante subjetivo. Diferente do impedimento que são de natureza mais objetivas, as hipóteses de suspeição são mais subjetivas. Acredito que não seja impossível provar esse conceito de inimizade, porém é bastante difícil na prática”, disse Herren.
Para o legista Fernando Gardinali, no entanto, Moraes deveria se considerar suspeito no processo que trata da suposta tentativa de golpe e de homicídio de autoridades.
“Acredito que o ministro Alexandre de Moraes deveria se considerar suspeito para conduzir aquela investigação [sobre o suposto golpe de Estado], porque o ataque era premeditado sobre ele. Ele era vítima daqueles crimes. Na minha opinião, é um motivo que pode levar à perda de imparcialidade e é uma causa de suspeição”, disse Gardinali.
Além do caso Clezão, ministros já foram declarados impedidos outras vezes
Em julho de 2023, um bate-boca entre a família do empresário Roberto Mantovani e a do ministro Alexandre de Moraes no aeroporto de Roma, na Itália, passou a ser investigado no Brasil. Na ocasião, a PF afirmou em seu relatório que o ministro teria sido chamado de “bandido”, “comunista” e “comprado”. Ou por outra, segundo a representação enviada por Moraes à PF, seu fruto, Alexandre Barci de Moraes, teria tomado um tapa de Mantovani. Neste caso, Moraes declarou-se impedido no julgamento de dois recursos apresentados.
Já em julho de 2024, Moraes manteve a prisão preventiva de dois homens suspeitos de ameaçar a integridade física de sua família, mas em seguida se declarou impedido de julgá-los em relação a essas mesmas ameaças. Ele justificou que, somente nesse ponto, ele é interessado direto no caso, não podendo, portanto, ser também o julgador.
Outro caso ocorreu quando o STF julgou um recurso eleitoral do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e o ministro Cristiano Zanin foi impedido por ter sido legista na campanha de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Ministro diz que possibilidade de impedimento de Moraes é “absurdo”
O ministro do STF Gilmar Mendes se manifestou em prol de que Alexandre de Moraes permaneça a frente dos processos em que também é vítima. Mendes disse na quinta-feira passada (21) que “seria absurdo” tirar Moraes da relatoria do interrogatório que apura os planos de militares para matar o ministro, o presidente Lula (PT) e o vice Geraldo Alckmin (PSB).
Mendes também ponderou que o impedimento de Moraes poderia gerar a tentativa de impedir toda a Galanteio, já que todos os ministros teriam sido meta da suposta tentativa de golpe. “Seria muito fácil engendrar o impedimento do tribunal inteiro dizendo que todos eram alvos de ataques. E muitos de nós certamente fomos alvos de ataques. Então não faz nenhum sentido. Então, na verdade, se trata de uma prova autocriada”, disse Mendes.
O legista Matheus Herren pontua, no entanto, que é verosímil discutir a questão dos ministros porquê vítimas. “Haveria essa brecha, porém, acho muito difícil conseguir algo pois o Supremo tem reiteradamente decidido que, como os crimes são cometidos dentro do Supremo, não há impedimento”, disse o legista.