O Supremo Tribunal Federalista (STF) começa nesta quarta-feira (27) um julgamento que pode ser o golpe final contra a liberdade de sentença nas redes sociais no Brasil.
Em estudo estarão três ações relacionadas ao Marco Social da Internet. O STF vai estimar a constitucionalidade do cláusula 19 da lei, que atualmente exige ordem judicial para responsabilizar plataformas por conteúdos prejudiciais publicados por usuários. A decisão pode resultar em mudanças profundas no controle de publicações na internet e no papel das plataformas digitais.
O cláusula 19 estabelece que provedores de aplicativos e redes sociais só são obrigados a remover conteúdos mediante formalidade judicial, com exceções restritas a casos de pornografia de vingança e violações de direitos autorais. A norma foi aprovada em 2014, em um momento de maior consenso sobre a influência de proteger a liberdade de sentença e evitar remoções arbitrárias por secção das plataformas.
Um dos recursos em estudo questiona diretamente a constitucionalidade do cláusula 19, enquanto outro discute a possibilidade de remoções com base em notificações extrajudiciais. Também há uma ação que analisa os limites legais para bloqueios de aplicativos de mensagens, uma vez que o WhatsApp, por ordem judicial. Os três processos devem ser analisados conjuntamente.
O principal risco é que as plataformas se tornem reféns do Estado brasiliano na obrigação de criticar conteúdos, sujeitas a multas e sanções se não removerem o que a esquerda e o Judiciário costumam qualificar uma vez que “discurso de ódio” e “desinformação”, por exemplo.
A provável mudança no cláusula 19 preocupa juristas. André Marsiglia, jurista perito em liberdade de sentença, faz um alerta: “O risco é totalidade. Caindo o cláusula 19, as plataformas serão obrigadas a retirar proativamente e sem decisão judicial prévia desinformação e exposição de ódio. Porquê esses conceitos são subjetivos e não estão presentes em legislação nenhuma, haverá incerteza e, na incerteza, as plataformas retirarão tudo que for polêmico para não serem multadas ou suspensas”.
Alteração no Marco Civil pode enviesar debate democrático e inibir críticas a autoridades
Com uma eventual decisão contra o artigo 19, Marsiglia acredita que a tendência seria as plataformas digitais se tornarem rigorosas na moderação também de conteúdos políticos, com um consequente prejuízo ao equilíbrio no debate público.
Para o jurista, a mudança no marco regulatório pode ter um impacto desproporcional contra certa parte do espectro político, afetando especialmente a direita. “As plataformas estarão na mão do Judiciário, e o Judiciário não recebe muito críticas. Ministros do STF já declararam que consideram as redes polos de extremismo, referindo-se à direita. É inevitável que, querendo deleitar à Galanteio, as plataformas promovam increpação política”, afirma.
O advogado Venceslau Tavares Costa Filho, professor de Direito Civil da Universidade de Pernambuco, também vê com preocupação a ideia de concentrar a responsabilidade nas plataformas. Ele destaca que as redes sociais, por sua própria natureza, não podem ter a mesma capacidade de controle sobre os conteúdos que veículos de imprensa tradicionais.
“A plataforma não é um jornal uma vez que a Jornal do Povo, em que há um perito que vai indagar aquele teor e que vai tarar as vantagens e desvantagens de publicar aquele material. Na plataforma, cada usuário pode publicar o que quiser imediatamente. De modo que essa equiparação da plataforma aos jornais é uma equiparação indevida”, afirma.
Tavares acredita que o artigo 19 na forma como está apresenta, de fato, algumas limitações e precisa ser revisado, mas uma eventual obrigatoriedade de remover conteúdos relacionados à violação da honra, por exemplo, seria uma extrapolação dessa necessidade.
Ele explica que a velocidade da disseminação da informação na internet trouxe “uma reflexão sobre um déficit de proteção das pessoas” em relação ao artigo 19 do Marco Civil, e avalia que a lista de casos mencionados hoje pela norma é insuficiente, já que há uma série de casos que não deveriam aguardar uma decisão judicial, como terrorismo, golpes financeiros e ameaças.
“O sujeito está ameaçando alguém de morte, está convocando para que se façam ataques em escolas, ou dando golpe do Pix ou qualquer outro da infinidade de golpes que vêm sendo feitos hoje em dia… Quando o caso se enquadra nessa zona de certeza positiva, o provedor realmente deveria fazer a remoção da postagem mediante o pedido da secção interessada”, afirma.
Haverá um problema, segundo ele, caso se queira pretenda coibir um tipo de discurso que se enquadre em uma zona mais cinzenta, como ofensas à honra. Se os provedores forem obrigados a agilizar a remoção também em casos assim, haverá prejuízo para a liberdade de expressão inclusive no que se refere a denúncias contra autoridades.
Para Tavares, em casos desse tipo, as plataformas tenderão a ficar com receio e mandar remover a postagem. “Se o STF realmente adotar esse entendimento de que, havendo violação a direitos da personalidade, havendo violação à honra, de que o provedor teria o responsabilidade de fazer a remoção da postagem mediante o pedido da secção interessada, sem decisão judicial, acho que isso realmente pode gerar um prejuízo para a liberdade de sentença”, comenta.
“Se você é poder pública, tem que estar sujeito à sátira. Isso faz secção da democracia. Acho que é um princípio imprescindível da democracia poder criticar a poder pública, na medida em que são os recursos do povo brasiliano que mantêm essa estrutura, que mantêm os meios que fazem a máquina pública funcionar. É óbvio que essas pessoas precisam prestar contas da atuação delas”, acrescenta.
Para André Marsiglia, a tendência é que o Supremo faça uma regulação no mesmo espírito da resolução de fevereiro de 2024 do TSE, que ele define como “uma versão piorada do PL 2630” (o “PL da Exprobação” ou “PL das Fake News”). “Ou seja, não virá um pouco bom”, afirma.
Caso se confirme uma decisão no sentido da censura, Marsiglia vê o Congresso como única alternativa para reduzir danos. “A forma de mitigar prejuízos será o Congresso, posteriormente, fazer uma regulação própria, por lei, que corrija a do STF. E que seja debatida com a sociedade e elaborada com profundidade técnica e atenção à liberdade de sentença e à transparência, não ao controle de teor”, diz.