A recente enunciação da atriz e cantora Lucinha Lins, expressando sua frustração por não ser devidamente remunerada pelas reprises de produções nas quais atuou, labareda a atenção para um problema recorrente na indústria do entretenimento brasílio: os baixos honorários pelo uso continuado da imagem dos artistas ou royalties. O caso evidencia lacunas na legislação e nos contratos firmados entre emissoras e profissionais, principalmente em um contexto no qual a reexibição de obras ocorre tanto na TV oportunidade quanto nas plataformas de streaming.
O recta de imagem é um recta fundamental guardado pela Constituição Brasileira e também regulamentado pelo Código Social. Ele assegura que qualquer pessoa tenha controle sobre o uso da sua própria imagem e possa exigir royalties sempre que houver exposição indevida ou exploração mercantil não autorizada. No caso de artistas e profissionais da indústria cultural, esse recta se torna ainda mais relevante, já que envolve não somente a imagem física, mas também a reprodução de seus trabalhos artísticos em diferentes mídias. Porém, muitas vezes, os contratos não detalham adequadamente a forma de remuneração por reexibições futuras, uma vez que reprises ou a transmigração das obras para plataformas digitais.
Porquê legisperito e perito em propriedade intelectual e recta do entretenimento, destaco que a privação de cláusulas claras nos contratos pode gerar essa insatisfação. Essa é uma nequice recorrente; ao assinarem contratos com emissoras e produtoras, muitos profissionais não conseguem prometer direitos sobre as reprises, ficando, assim, sem qualquer participação nos lucros obtidos com a exibição de suas obras. Aliás, o progresso das plataformas de streaming ampliou essa discussão, já que produções antigas, que antes ficavam restritas à programação linear, agora são sempre disponibilizadas ao público e geram receitas. Ressalto que, no Brasil, ainda não existe uma regulamentação específica que obrigue emissoras ou plataformas a repassar royalties por reprises, o que deixa muitos artistas desamparados.
Entre os casos mais emblemáticos, Sônia Braga processou a Orbe por não ter sido remunerada pela reprise de Dancin’ Days no meato Viva, mas perdeu a ação, já que a Justiça entendeu que a emissora ainda estava no prazo para pagamento. Outras atrizes, uma vez que Maria Zilda e Elizângela, também criticaram o Viva por repassar valores considerados irrisórios, com Zilda revelando que recebeu somente R$ 237,40 pela reprise de Selva de Pedra.
Marcos Oliveira, o Beiçola de A Grande Família, é outro exemplo. Ele declarou que o valor recebido pelas reprises no Viva chega a, no supremo, R$ 600, quantia insuficiente para manter sua subsistência. Aliás, Felipe Folgosi e outros artistas criticaram a falta de nitidez nos contratos, mormente no que se refere ao uso de obras no streaming, um padrão que não era previsto nas negociações originais.
Em outros países, uma vez que Estados Unidos, França e Reino Uno, o cenário é dissemelhante. O padrão hollywoodiano, por exemplo, prevê o pagamento de “residuals” — uma forma de royalties — para atores sempre que uma produção é reexibida, seja na TV, seja em serviços de streaming. Esses valores são acordados previamente e se aplicam tanto a obras recentes quanto a produções antigas. Na França, a proteção aos direitos dos artistas é rigorosa, sendo gerenciada por sociedades de gestão coletiva que garantem repasses periódicos sempre que uma obra é retransmitida. Já no Reino Uno, emissoras uma vez que a BBC têm sistemas automáticos que remuneram atores e outros profissionais sempre que suas produções são exibidas novamente.
Esses exemplos internacionais mostram que a remuneração por reprises não é somente uma questão contratual, mas também uma prática consolidada que valoriza o trabalho dos artistas e garante a sustentabilidade de suas carreiras a longo prazo. No Brasil, no entanto, o cenário atual evidencia a premência de uma revisão nas práticas contratuais e na legislação para se conciliar às novas dinâmicas do mercado. Com a subida do streaming e a crescente demanda por conteúdos de catálogo, muitos profissionais reivindicam maior transparência e previsibilidade em seus contratos. A modernização das leis pode ajudar a lastrar os direitos dos artistas e as necessidades das emissoras e plataformas, promovendo um envolvente mais justo e sustentável para todos.
Esses casos são emblemáticos, pois refletem uma insatisfação que atinge muitos profissionais da classe artística no Brasil. A falta de um sistema de royalties consistente impede que atores e atrizes se beneficiem financeiramente da exibição contínua de obras nas quais dedicaram seu talento e esforço. A mudança inclui cláusulas mais detalhadas nos contratos e a adoção de práticas inspiradas em mercados internacionais, que valorizam o trabalho dos artistas em todas as suas exibições, independentemente do tempo que tenha pretérito desde a produção original.
Rodrigo Calabria, legisperito, sócio do CCLA Advogados.