A insatisfação dos advogados sobre o formato indireto das eleições da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) cresce diante do atual cenário jurídico do país. Especialmente porque o trabalho do conselho da entidade é crucial para a defesa das prerrogativas não apenas da classe, mas também de toda a sociedade. Segundo os advogados ouvidos pela Gazeta do Povo, o sistema de eleição para a presidência da OAB favorece a permanência dos mesmos grupos no poder.
As eleições para as seccionais da OAB, que ocorrem em nível estadual, estão previstas para a segunda quinzena do novembro. A data específica e o formato para a votação dependem de cada estado. Já a eleição para a presidência da OAB Nacional está prevista para janeiro de 2025.
A escolha da Diretoria do Conselho Federal da OAB ocorre por meio de votação indireta: os advogados “comuns” elegem os conselheiros federais junto com presidentes, vice-presidentes e secretários que compõem as chapas extensas de cada seccional. A Diretoria, depois, é formada por uma eleição de chapas entre os conselheiros federais. Já a Presidência da entidade precisa do apoio da maioria dos conselhos seccionais, sem votação direta dos associados.
O advogado Alfredo Scaff que já atuou no Congresso Nacional em busca de mudanças no processo eleitoral da OAB, critica o sistema atual. “Hoje, eles combinam entre eles quem será o próximo presidente do Conselho Federal da OAB. É como se o Presidente da República fosse eleito pelo Senado Federal. O que as pessoas acham disso?”, questiona.
OAB é cobrada em relação à violação de prerrogativas
A OAB tem sido acusada de omissão por não se manifestar em relação a situações como o vazamento de conversas de assessores de Alexandre de Moraes mostrando pedidos, feitos fora dos autos, por grupo de WhatsApp, para que o TSE reunisse informações contra apoiadores de Bolsonaro ou em relação aos casos do 8 de janeiro.
Os advogados reclamam também do silêncio ou relativização da entidade diante desses casos abusivos. Em entrevista à Gazeta do Povo, Rafael Horn, vice-presidente da OAB, chegou a afirmar que a violação de prerrogativas, que tem sido comum a advogados que atuam no Supremo Tribunal Federal, pode ser estratégia de defesa, o que escandalizou juristas.
“Muitas vezes, é interessante para o advogado ter a prerrogativa violada porque aquilo pode gerar nulidade no processo e absolver seu cliente”, afirmou Horn em julho deste ano. A violação de prerrogativa é crime, segundo a Lei de Abuso de Autoridade. A pena é de detenção de três meses a um ano e multa.
Juristas também rebateram as falas de Horn em relação a medidas como habeas corpus (HC). Ao ser questionado sobre pessoas estavam em prisão preventiva sem apresentação de denúncias, como Filipe Martins e Gilberto da Silva Ferreira, Horn afirmou que “se isso está ocorrendo existem medidas como habeas corpus a serem impetradas”. No entanto, no caso do STF, o habeas corpus não pode ser utilizado para contestar decisões de outros ministros, conforme a súmula 606, de 1984 prevê.
Ex-presidentes permanecem como membros vitalícios e influenciam decisões do conselho federal
Outro ponto curioso é que as eleições do próximo mês de novembro não devem ter impacto na próxima eleição à presidência. Isso porque são os conselheiros federais em exercício que elegerão a presidência de 2025, e não os eleitos em novembro.
“Hoje, a presidência já se articulou no conselho federal para a próxima eleição. As mesmas pessoas acabam se perpetuando”, afirma Emerson Grigollete, advogado especialista em Direito Digital. “Efetivamente, a gente não tem representatividade nenhuma. Poderia ser bem mais simples com cada advogado escolhendo diretamente quem quer na presidência”, complementa.
A lei que regula a OAB garante que os ex-presidentes permaneçam no conselho federal como membros honorários vitalícios. “Eles não têm direito a voto, mas certamente mantêm influência dentro do conselho”, destaca Grigollete.
Karina Kufa, coordenadora do grupo Os Garantistas, observa que um erro comum dos advogados eleitores é de focar apenas na figura do presidente da seccional. Segundo ela, é fundamental analisar o restante da composição da chapa, especialmente os membros do conselho federal. “Explico: os conselheiros federais sãos os que elegem a diretoria do Conselho Federal da OAB (CFOAB). E é o CFOAB que define todas as regras da advocacia, atua no STF em temas relevantes, tem grande influência nas seccionais, inclusive no aspecto financeiro”, ressalta.
Outro ponto levantado por Kufa são as rígidas regras para propaganda eleitoral, que dificultam a participação de uma possível oposição no pleito. “São regras que impedem várias formas dos candidatos se colocarem em evidência. Na prática, as pessoas que estão na presidência e na diretoria da OAB acabam se destacando mais, utilizando a estrutura da OAB, participando de palestras e viagens, por exemplo”, explica.
Falta de competitividade nas eleições da OAB gera pressões por mudanças no sistema eleitoral
Uma das regras para eleição à presidência da OAB Nacional é que as chapas precisam do apoio de, pelo menos, seis das 27 seccionais para poderem concorrer. Em 2022, a atual presidência se elegeu sem concorrentes, já que havia conquistado o apoio de 24 seccionais, tornando inviável que outra chapa disputasse a eleição.
“Essa falta de competitividade se deve ao formato das eleições. O advogado tem que ter o direito de votar para a OAB Federal. Por isso estamos lutando muito para a aprovação do projeto de lei 1123/22, relatado pela Deputada Bia Kicis (PL-DF), que deve ser apreciado pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara (CCJ) em breve”, afirma Flávia Ferronato, fundadora do Movimento Advogados do Brasil.
O projeto de lei citado por Ferronato está apensado no PL 804/2027 junto com outras 20 propostas sobre o tema. O grande número de projetos apensados mostra que, embora o assunto seja de interesse de vários parlamentares, não há avanço significativo. “Já tentamos aprovar diversos projetos de lei sobre isso, mas não conseguimos. Todas as vezes que a gente consegue um avanço nisso, o próprio conselho federal vai lá e tenta segurar”, comenta Grigollete.
Com a deputada Caroline de Toni (PL-SC), que demonstra ser favorável às mudanças, à frente da presidência da CCJ, a expectativa é que o projeto possa avançar ainda este ano. No entanto, com menos de dois meses para o recesso parlamentar, há o risco de que a proposta não seja prioridade na comissão.
“A OAB, que foi protagonista de movimentos como as Diretas Já, não admite eleições diretas para a sua presidência e diretoria”, lamenta Bia Kicis. A parlamentar ainda destaca que “o grupo que gere hoje a OAB está há muito tempo no comando e não há alternância de poder. O sistema atual, em que se vota por chapas, é pouco democrático”.