Um grupo de muro de 20 ativistas interrompeu uma palestra sobre o conflito palestino-israelense, realizada no campus Benfica da Universidade Federalista do Ceará (UFC), em Fortaleza, na noite de quarta-feira (30), gerando tumulto e impedindo a prosseguimento do evento. O evento transcorria há quase 30 minutos e era escoltado por aproximadamente 60 pessoas.
Portando bandeiras da Palestina e cartazes, os ativistas gritavam palavras de ordem e uma segmento usava máscaras para entupir o rosto. Um dos cartazes tinha a foto de Yahya Sinwar, líder palestino do grupo terrorista Hamas na Fita de Gaza, morto em meados de outubro. Os ativistas fazem segmento de um grupo chamado Frente Cearense de Base à Resistência Palestina.
A Universidade publicou uma nota de explicação lamentando o ocorrido. “Gritavam, de forma recorrente, ‘fora sionistas’, atacando de ‘fascistas e nazistas’ os palestrantes. O posicionamento do grupo mostra, antes de tudo, muita desinformação e equívocos, negando-se ao diálogo democrático”, diz a nota.
Nas redes sociais, o grupo justificou o tumulto se referindo aos judeus que participavam do debate. “Na banca havia um professor que serviu como soldado nas IOF [sigla em inglês para Forças de Ocupação Israelenses] e um estudante da Stand With Us, pra que não reste dúvida sobre a justeza do protesto”, diz a publicação que acompanha um vídeo do grupo interrompendo o evento.
A palestra intitulada “Entre a barbárie e o messianismo: perspectivas para o dia seguinte na atual crise do conflito palestino-israelense” tinha porquê palestrantes especialistas no conflito.
A mesa era composta pelo professor convidado Michel Gherman da UFRJ, historiador técnico em estudos judaicos e no conflito Israel-Palestina, o professor Jawdat Abu-El-Haj, palestino e renomado técnico em relações políticas no Oriente Médio, Fabio Gentile, coordenador do Programa de Pós-graduação em Sociologia da Universidade Federalista do Ceará (PPGS) e técnico na estudo do fascismo e da extrema-direita e o doutorando Matheus Alexandre, pesquisador do antissemitismo.
Coordenador e doutorando classificaram o ato porquê “censura” e “antissemita”
O coordenador do Programa de Pós-graduação em Sociologia da Universidade Federalista do Ceará (PPGS), Fabio Gentile, manifestou preocupação com o ocorrido. “Foi uma clara forma de censura autoritária a um evento que era aberto a todos e que garantia pluralismo das posições [sobre o conflito]”, disse Gentile à Jornal do Povo.
O coordenador destacou que os ataques foram direcionados aos judeus que estavam na mesa. “Eles eram o alvo, o principal objetivo do ataque desse grupo”, disse Gentile. O evento foi inviabilizado, já que os ativistas tomaram o microfone que era usado pelos palestrantes e usavam megafones. “Nós garantimos a presença de um professor judeu e um professor palestino, justamente para ter posições diferentes e debater o conflito”, reforçou o coordenador.
De contrato com Gentile, a universidade estuda a possibilidade de retomar o debate em um novo evento, mas desta vez realizado de forma virtual.
Em entrevista à Jornal do Povo, o doutorando Matheus Alexandre disse que as alegações dos ativistas contra o evento são antissemitas. “Os judeus que estavam na mesa são a favor de uma solução de dois estados, contra a guerra e que são críticos do atual governo de Israel. Portanto, é antissemitismo, pois a única questão que levou esse grupo a se mobilizar contra o debate foi a presença de dois judeus que consideram a existência de Israel legítima”, disse o doutorando da Universidade Federalista do Ceará.
Em nota, a universidade classificou porquê intolerável o tumulto gerado pelo grupo de ativistas. “Práticas autoritárias de censura da liberdade de cátedra e de expressões do pensamento são inaceitáveis e podem ter um impacto devastador na formação do pensamento crítico.”
Para Matheus Alexandre, a universidade perdeu uma oportunidade de debater um tema importante para a sociedade. “Quando a universidade perde a característica de ser um lugar que protege o debate democrático e plural e o debate passa a ser cerceado, nós estamos abrindo um precedente muito perigoso que ameaça toda a sociedade”, completou Matheus.
Confira a íntegra da nota de explicação divulgada pela Universidade Federalista do Ceará sobre o ocorrido:
“Nota de Esclarecimento
O Programa de Pós-graduação em Sociologia da Universidade Federal do CearáPPGS lamenta pelo ocorrido nesta quarta-feira, 30 de outubro, durante a Conferência de Abertura do semestre 2024.2, intitulada “Entre a barbárie e o messianismo: perspectivas para o dia seguinte na atual crise do conflito palestino-israelense”.
A mesa era composta pelo professor convidado Michel Gherman da UFRJ, historiador especialista em estudos judaicos e no conflito Israel-Palestina, o professor do PPGS Jawdat Abu-El-Haj, palestino e renomado especialista em relações políticas no Oriente Médio, Fabio Gentile, coordenador do Programa e especialista na análise do fascismo e da extrema direita e o doutorando do PPGS Matheus Alexandre, pesquisador do antissemitismo.
Um grupo de mais de 20 “Manifestantes pro Palestina” interrompeu o evento, com alegativa de oposição à forma como a temática estava sendo tratada na Mesa de Debate. Gritavam, de forma recorrente, “fora sionistas”, atacando de “fascistas e nazistas” os palestrantes. O posicionamento do grupo mostra, antes de tudo, muita desinformação e equívocos, negando-se ao diálogo democrático.
Depois de mais de uma meia hora de confusão, a conferência foi interrompida, com a saída dos professores e das professoras e do publico. O intento do evento era de discutir de forma teórico-analítica uma temática crucial da nossa atual conjuntura, garantindo espaços de liberdade de expressão, pluralismo das opiniões e respeito recíproco.
A Coordenação do PPGS, palestrantes e público em sala, solidarizam-se com o povo palestino e suas lutas, entendendo que não há nenhuma justificativa para a tragedia e violência as quais este povo esta sendo submetido.
Consideramos que o que aconteceu foi muito sério. Perdeu-se uma importante oportunidade de compreender algumas dinâmicas históricas, ideológico-políticas e socioeconômicas que afetam o Oriente Médio e debatê-las com criticidade.
Entendemos que a UFC, pela sua própria natureza, constitui-se um espaço publico, e assim sendo, um lugar de circulação de ideias e discussão permanentes, aberto a todos e todas. Práticas autoritárias de censura da liberdade de cátedra e de expressões do pensamento são inaceitáveis e podem ter um impacto devastador na formação do pensamento crítico.
Além disso, podem gerar precedentes. O perigo é desencadear um mecanismo de autocensura no corpo docente e discente, preocupados, doravante, em evitar algumas temáticas para não provocar episódios semelhantes, alimentando assim uma visão única e acrítica dos processos sociais. Precisamos nos opor à cultura do “cancelar” temas históricos “desagradáveis”, o que infelizmente está ganhando muito espaço na universidade.
Como Programa de Pós-Graduação em Sociologia a nossa defesa é pela discussão critica dos temas impostos pela própria dinâmica da História, no exercício pleno da democracia.
Fortaleza, 31-10-2024
O Programa de Pôs Graduação em Sociologia”