O Senado italiano acaba de declarar ilegal que uma mulher possa assinar um contrato no qual se compromete a gestar um filho para outra pessoa ou outras pessoas, mesmo que o processo ocorra fora da Itália. Dessa forma, acaba-se com uma fraude contra a lei: até agora, um casal podia recorrer a uma mulher no exterior e, posteriormente, registrar o nascido como se fosse filho da mãe comitente (a que não gesta), contornando assim a proibição nacional dos ventres de aluguel, vigente desde 2004.
Agora, essa gestação para outra pessoa torna-se um “crime universal”, um daqueles “raros crimes que transcendem fronteiras, como o terrorismo ou o genocídio”, analisa em tom crítico o jornal americano The Washington Post. Isso é exatamente o que campanhas promovidas por feministas de todo o mundo, especialmente de posições políticas de esquerda, têm buscado há anos: uma convenção internacional contra a barriga de aluguel, assim como existe uma contra a tortura, em linha com o que foi aprovado pelo parlamento europeu em 2015.
Embora para o New York Times a decisão do governo italiano seja uma “nova medida de repressão contra as famílias LGBT, pois a lei tornará praticamente impossível que pais homossexuais tenham filhos”, a verdade é que o objetivo é outro: proteger a dignidade das mulheres, especialmente as mais desfavorecidas, obrigadas a servir de barriga de aluguel para sobreviver, em condições muitas vezes desumanas. De fato, a decisão do Tribunal Constitucional italiano em 2017, que rejeitou a sub-rogação, referia-se a um casal heterossexual.
Ideologia? Mais precisamente, defender a dignidade das pessoas
O projeto de lei foi promovido pela deputada Carolina Varchi, do partido Irmãos da Itália (Fratelli di Italia – FdI), de Giorgia Meloni. Ele possui um único artigo, que reforma a lei de 2004 sobre reprodução assistida. Especificamente, acrescenta-se um parágrafo ao artigo 12.6, que já estabelecia pena de prisão de três meses a dois anos, e multa de 600 mil a um milhão de euros, para quem, de qualquer forma, realizar, organizar ou fazer propaganda da comercialização de gametas ou embriões ou da barriga de aluguel.
O acréscimo esclarece, com referência a esta última, que se os atos forem cometidos no exterior, o cidadão italiano será punido de acordo com a legislação italiana; ou seja, os atos serão puníveis mesmo que realizados em um Estado onde essa prática seja legal. A reforma foi aprovada com 84 votos a favor e 58 contra (incluindo representantes de grupos de esquerda que anteriormente se opuseram à gestação para outra pessoa).
A ministra da Família, Eugenia Roccella, insistiu que a lei reafirma direitos existentes e os torna efetivos. Além disso, diante da acusação de que o FdI estaria fazendo ideologia, o partido concorda, se entender que é ideologia defender a dignidade das pessoas, das mães e das crianças, que têm o direito de saber quem são seus pais e de não serem convertidos em mercadoria.
Críticas
Na edição de 16 de outubro, o jornal Avvenire sintetizou as objeções repetidas durante a discussão parlamentar e recorreu às respostas de uma filósofa, Francesca Izzo, e uma socióloga, Daniela Danna, que trabalham nesse campo. Por sua vez, o site Tempi.it publicou, no dia 18, uma entrevista com a jornalista Marina Terragni, especializada na condição feminina na sociedade contemporânea.
Diante da possibilidade de aceitar uma gestação altruísta, e não “comercial”, essas autoras concordam que poderiam ocorrer casos entre mãe e filha, irmãs ou parentes ou amigas íntimas. Mas sua extrema excepcionalidade impede que sejam tomados como referência para legislar sua aprovação. O normal é que a transferência de dinheiro seja disfarçada como “reembolso de despesas”, sem referir-se aos custos de pessoal de saúde, clínicas, advogados e intermediários. Rigorosamente, a invocação do altruísmo é uma ficção para legitimar um contrato que pretende impedir que a mãe possa mudar de ideia durante a gravidez ou após o parto.
A penalização não implica, como alguns alegam, tirar o filho do casal e dá-lo para adoção por terceiros. Na verdade, isso poderia violar a lei, pois o filho geralmente possui genes de um ou de ambos os membros do casal. Mas a mulher que não deu à luz não pode ser reconhecida como mãe; e nada impede que ela recorra ao processo de adoção.
Os pais comitentes costumam se defender da acusação de que seu egoísmo os leva a buscar um filho a qualquer custo. Alegam que muitas pessoas chegam à parentalidade para satisfazer seu desejo, mais do que por altruísmo em relação à concepção de uma nova vida. Também argumentam que têm o direito de serem pais, qualquer que seja sua motivação, se houver fertilidade. Mas um direito não pode ser realizado à custa de exigir a renúncia ao direito de outra pessoa: não se pode impor que uma mulher entregue seu filho (ela continua sendo a mãe, embora o óvulo venha da comitente, porque o gestou em seu ventre), independentemente dos motivos.
Frente à coisificação da condição humana
Nos debates parlamentares, repetiu-se o velho slogan “meu corpo é meu e faço com ele o que quero”; um lema que, talvez sem que percebam os que o utilizam, significa coisificar a mulher: evoca a antiga propriedade absoluta sobre as coisas, o ius utendi et abutendi [expressão latina que significa “direito de usar e abusar”]. À senadora que durante o debate parlamentar afirmava que só pessoas vindas da Idade Média negariam o direito de decidir sobre o próprio corpo, poderia-se responder que ela está alguns séculos atrasada.
As leis aceitam a doação de órgãos e não são unânimes quanto à prostituição. Mas na maternidade de substituição não há propriamente autodeterminação, porque o objeto do contrato não se refere ao corpo da mulher, mas ao fruto da gestação. O compromisso de entregá-lo é uma renúncia à própria vontade – não há volta. E não é nada fácil afirmar a existência de liberdade em uma pessoa constrangida por sua frágil situação econômica e social. aqui, parlamentares progressistas esquecem suas clássicas e válidas críticas às liberdades formais. Além disso, ignora-se o direito da criança de conhecer e ter uma relação humana com a mãe biológica. Como diz Marina Terragni, “é a criança quem reconhece sua mãe, não quem paga”. Mater semper certa [A mãe está sempre certa].
Os promotores da proibição insistem no caráter desumano do negócio da gestação para outra pessoa. Apontam casos extremos, como os processos na Califórnia contra gestantes arrependidas que não queriam se separar do filho, ou as “fazendas” de ventres de aluguel em países do terceiro mundo. No fundo, esses casos refletem que, quando se toca na maternidade, compromete-se toda a civilização. A adoção cura feridas; a barriga de aluguel as causa.
Marina Terragni, com a associação Radfem, apoia a campanha por uma convenção internacional contra a barriga de aluguel. Uma de suas principais defensoras foi a filósofa francesa Sylviane Agacinski, esposa de Lionel Jospin, ex-primeiro-ministro da França entre 1997 e 2002. Mas há muitas outras iniciativas no mundo que aplaudiram a decisão do senado italiano, como Stop Surrogacy Now, Ciams, Finnrage, Women’s Declaration International, Japan Coalition Against Surrogacy, Feminist Legal Clinic, Prostitution Research & Education ou Finaargit.
Nem tudo será resolvido com essa lei penal, mas – conclui Marina Terragni – para aqueles que continuam acreditando que a mulher não é apenas um “meio” para obter filhos, nem os filhos um “produto” que se pode comprar, essa lei é um ponto de inflexão em defesa de um valor fundamental: nenhum ser humano tem preço.
©2024 Aceprensa. Publicado com permissão. Original em espanhol: Ante la maternidad subrogada, Italia opta por la dignidad de la mujer