Uma das prováveis apostas do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para reduzir gastos, o Projeto de Lei (PL) nº 2.721/2021, conhecido como PL dos Supersalários, pode não dar o resultado esperado. O corte dos supersalários já foi citado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que junto com a titular do Planejamento, Simone Tebet, diz preparar um plano para contenção estrutural de despesas do governo.
Ocorre que o PL 2721/2021 permite que 32 verbas indenizatórias, os famosos “penduricalhos”, continuem sendo recebidas pelos agentes públicos sem incidência do teto constitucional, o que torna improvável a economia estimada entre R$ 3 bilhões e R$ 4 bilhões nas contas, além de dificultar reformas futuras na administração pública.
Essa é a avaliação de uma nota técnica sobre o PL 2721/2021 publicada pelo Movimento Livres, um think tank defensor e difusor do liberalismo. De acordo com o documento, “é fundamental que o Senado revise o projeto para assegurar uma economia significativa de recursos públicos e promover maior equidade salarial no serviço público brasileiro”.
De acordo com documento, os penduricalhos, como auxílios e benefícios extras, permitem que o valor de alguns salários do funcionarismo extrapolem o teto. “Tais artifícios se baseiam principalmente no uso de auxílios e verbas indenizatórias, que, ao receberem essa classificação, não são contabilizados no teto salarial e são isentos de tributação pelo Imposto de Renda”, diz o texto.
Nessa perspectiva, o documento aponta que o grande problema existente no PL 2721/2021 é “a permissão e legitimação de que 32 verbas de ‘caráter indenizatório’ não sofram limitação do teto constitucional de supersalários”. Assim, o PL garante que os supersalários continuem a ser pagos, especialmente porque essas verbas são comuns a vários cargos públicos.
Veja a lista de alguns dos principais penduricalhos:
- auxílio-alimentação;
- adicional de férias, em valor não superior a 1/3 (um terço) da remuneração do agente, desde que não decorra de período de férias superior a 30 (trinta) dias por exercício;
- pagamentos decorrentes de licença-prêmio não usufruída;
- décimo terceiro salário, adicional noturno e serviço extraordinário;
- adicional de remuneração para atividades penosas, insalubres e perigosas;
- auxílio-creche, relativo a filhos e dependentes até 5 (cinco) anos de idade;
- auxílio-moradia;
- o auxílio-funeral pago à família dos servidores quando eles falecem;
- gratificação pelo exercício de função eleitoral;
- ajuda de custo devida ao militar por ocasião de transferência para a inatividade remunerada;
A nota técnica vincula tais exceções à pressão de grupos de interesse específicos. Caso sejam mantidas, essas regalias legalizam benefícios que “inflacionam a remuneração dos servidores”, o que perpetuaria “injustiças em relação à renda média dos brasileiros e mesmo de outros servidores”.
“Em um país com necessidades urgentes em saúde, educação e segurança, é incoerente destinar recursos para manter privilégios de uma minoria”, diz a nota técnica do Livre em suas conclusões.
O documento cita opinião do diretor-presidente do Centro de Liderança Pública (CLP), Tadeu Barros, para quem é necessário cortar privilégios e realocar os recursos economizados para melhorar áreas realmente essenciais, como a educação e a saúde.
Outro ponto destacado são as estimativas de Bruno Carazza, autor dos livros O País dos Privilégios e Dinheiro, Eleições e Poder, de que o corte dos supersalários pode gerar entre R$ 5 bilhões e R$ 20 bilhões em economias para o governo.
Segundo o autor, em 2019, cerca de 13% do PIB brasileiro era destinado ao pagamento do funcionarismo público. O porcentual está acima do observado em países como Estados Unidos, com folha de pagamento de todos os níveis federativos em 8,7% do PIB, Reino Unido (8,9%) e Alemanha (7,6%).
O percentual elevado, no entanto, não reflete a situação de todos os servidores públicos brasileiros. De acordo com a Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), metade deles recebe até R$ 3.391, enquanto somente 0,06% é remunerado com os supersalários.
“Ou seja, uma pequena fração dos servidores acumula tantos penduricalhos que geram um impacto negativo tanto nas contas públicas quanto na administração pública ao distorcer os incentivos”, reforça o documento.
A conclusão é de que, se o PL 2721/2021 avançar da forma como está, “aumentará a percepção de que o Estado atende a interesses particulares em detrimento do bem comum, minando a confiança nas instituições democráticas”. “Portanto, é essencial que o Senado promova uma reforma efetiva, eliminando essas exceções e garantindo o respeito integral ao teto salarial do funcionalismo público”, diz a nota.