A China é uma aliada de longa data de Cuba e Nicarágua, outras duas ditaduras essenciais no projeto do ditador russo, Vladimir Putin – com quem Pequim estabeleceu uma “parceria sem limites” –, de criar um eixo de antagonismo ao Ocidente. Entretanto, notícias recentes mostram que esse amor tem seus limites e está sendo testado por divergências de interesses.
No caso de Cuba, a insatisfação diz respeito à recusa da ditadura castrista de fazer reformas e abrir sua economia, mesmo diante da pior crise na ilha desde o fim da parceira União Soviética.
Já na Nicarágua, o desconforto é do lado latino-americano: projetos financiados por empresas chinesas estão ampliando o rombo nas contas da ditadura de Daniel Ortega e gerando uma dívida impagável.
Este mês, o jornal inglês Financial Times (FT) publicou uma reportagem com o sugestivo título de “A China não é o sugar daddy de Cuba”: Pequim simplesmente se cansou de arcar com os erros da ditadura parceira.
Enquanto o restante da América Latina passa por um aumento das parcerias comerciais e dos investimentos chineses, Cuba vai na contramão: a importação de produtos chineses pela ilha caiu de US$ 1,7 bilhão em 2017 para US$ 1,1 bilhão em 2022.
Embora não haja dados públicos dos investimentos chineses em Cuba, o economista cubano Omar Everleny disse ao FT que eles representam uma proporção “ridiculamente pequena” dos cerca de US$ 160 bilhões que Pequim investiu na América Latina e no Caribe de 2005 a 2020.
Economistas e diplomatas ouvidos pelo jornal inglês disseram que as lideranças da China se cansaram de pedir às autoridades cubanas para que alterem a economia verticalmente planejada da ilha “para algo mais próximo do modelo chinês”, num programa de reformas “orientado para o mercado”, mas “ficaram perplexas e frustradas com a falta de vontade da liderança cubana” de fazer isso, “apesar da disfunção gritante” da situação do país.
Um indicativo dessa insatisfação foi o cancelamento recente de um contrato de importação de açúcar de Cuba, de mais de 400 mil toneladas anuais, que sinalizou que a China não continuará ajudando se reformas não forem implementadas.
Contratos com a China violam soberania da Nicarágua, diz economista
No caso da Nicarágua, porém, Pequim não parece estar interessada em mudar nada na relação entre os dois países – porque está ganhando muito mais do que o outro lado.
Números divulgados na semana passada pelo jornal Confidencial apontaram que a dívida externa do país governado pelo sandinismo deve ultrapassar os US$ 9 bilhões antes do fim do ano, um valor preocupante para uma nação cujo PIB foi de US$ 17,83 bilhões em 2023, segundo dados do Banco Mundial.
Grande parte desse aumento da dívida decorre de nove contratos que a Nicarágua assinou com empresas chinesas para o desenvolvimento de projetos, que somam US$ 951,6 milhões.
Devido à violentíssima repressão aos protestos por democracia no país centro-americano em 2018, a Nicarágua perdeu acesso a órgãos de financiamento internacionais.
Sobraram poucas opções, como o Banco Centro-Americano de Integração Econômica (BCIE), o Fundo Soberano Saudita, Belarus – outra ditadura da órbita russa – e agora a China. Entre as obras financiadas com estes recursos, estão a reforma do Aeroporto de Punta Huete, três usinas de energia solar e um trecho da Rodovia Costanera, na costa do Pacífico.
O problema é que os períodos de carência desses contratos e o tempo médio para pagar as dívidas são mais curtos, e as taxas de juros e as comissões a serem pagas, mais altas.
O economista e ex-vice-ministro da Economia da Nicarágua Juan Sebastián Chamorro disse ao Confidencial que, enquanto os bancos de desenvolvimento ofereciam no passado ao país uma média de 12 a 14 anos de período de carência, o BCIE e a China impõem prazos de apenas dois anos.
Já as taxas de juros, que antes variavam entre 2% e 3,5% nos financiamentos do Banco Mundial e do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), são de 6,5% nas novas fontes a que o sandinismo vem recorrendo.
“Não só temos que pagar mais, temos que pagar mais rápido e começar a pagar mais cedo”, afirmou Chamorro.
“Estes contratos violam significativamente a soberania do país, violam a capacidade financeira do Orçamento Geral da República e colocam a Nicarágua em dívida de uma forma histórica e leonina, uma dívida que terá de ser paga por todos os nicaraguenses nas próximas gerações”, alertou o economista.