O ano é 1997. É noite de cinema! Você entra no carro e dirige até a Blockbuster. Ao abrir a porta, novos filmes chamam a atenção nas prateleiras: Independence Day, Space Jam e Romeu + Julieta de Baz Luhrmann. Escolhendo seu filme — Cães de Aluguel, de Quentin Tarantino — você finalmente chega ao início da fila. Quando o adolescente no balcão lhe cobra uma multa de $40 por atrasar a devolução de Apollo 13, você se pergunta se há uma maneira melhor e mais conveniente de alugar filmes, sem multas por atraso.
Uma versão dessa história foi o argumento inicial do cofundador da Netflix, Reed Hastings, ao explicar a gênese da Netflix e o problema que ela buscava resolver. Hastings agora admite que não pagou realmente $40 em multas por Apollo 13. No entanto, a verdadeira história da Netflix é muito mais complexa do que uma simples anedota.
O economista nascido na Áustria Joseph Schumpeter — conhecido por suas teorias sobre inovação — pode nos ajudar a entender os efeitos de inovações como a Netflix. Em sua obra magna de 1942, ‘Capitalismo, Socialismo e Democracia’, Schumpeter descreve a destruição criativa provocada pela inovação como um processo de “mutação industrial(…) que incessantemente revoluciona a estrutura econômica desde dentro, incessantemente destruindo a antiga e incessantemente criando uma nova.”
Economistas têm usado essa teoria para entender as mudanças provocadas pelas incessantes ondas de inovação que impactam as estruturas econômicas, sociais, culturais e políticas do nosso mundo.
A competição entre a Netflix e a Blockbuster pode ser vista como um exemplo “puro” de destruição criativa, em que os benefícios da criação foram amplamente aceitos, mesmo com a destruição que a acompanhou. Isso contrasta com o caso da Uber em Nova York, onde as autoridades tentaram conter a destruição criativa — com sucesso limitado.
Hoje, a economia dos EUA está à beira da próxima grande onda de inovação tecnológica. O lançamento do ChatGPT e a ascensão das ações da Nvidia sinalizam o início da nova Era da IA. Em meio a essa incerteza, a história das inovações anteriores ilumina os possíveis caminhos e o que o futuro reserva para as empresas e trabalhadores americanos. As histórias de Blockbuster e Netflix versus Uber e táxis de Nova York—e um certo economista da Áustria—apontam o caminho.
A rápida ascensão e queda de um gigante
Por mais de duas décadas, a Blockbuster foi um ícone colossal e presente em quase todos os lares. Em 2019, restava apenas uma Blockbuster em Bend, Oregon — um colapso impressionante. Como isso aconteceu?
A Blockbuster foi fundada em 1985 por David Cook, cuja empresa fornecia software para a indústria de petróleo e gás do Texas. Usando sua experiência em gestão de dados, Cook projetou a Blockbuster para funcionar com um modelo de “hub-and-spokes” (centro e ramificações), onde um armazém central armazenava grandes quantidades de novos filmes e usava o modelo preditivo de Cook para enviar os tipos e quantidades certos de filmes para as lojas. Com o estoque concentrado fora das lojas, era barato abrir novas filiais da Blockbuster.
Em 1987, apenas dois anos depois, o empreendedor Wayne Huizenga adquiriu a Blockbuster por uma quantia não revelada. O crescimento da empresa tornou-se supersônico. Em determinado momento, a Blockbuster estava abrindo uma nova loja a cada 17 horas!
No auge do crescimento da empresa, em 2004, havia 9.100 lojas, empregando 84.300 pessoas e gerando $6 bilhões em receita. Apenas 16 anos depois, 9.099 dessas lojas haviam fechado.
A Blockbuster não foi párea para a confluência de novas tecnologias, modelos de negócios e concorrentes. Como Schumpeter observou, empresas estabelecidas podem ser lentas para inovar e vulneráveis à destruição criativa. A confiança da Blockbuster tornou-a vulnerável a duas ameaças iminentes.
A primeira ameaça foi a tecnologia do DVD. DVDs eram menores, mais baratos, mais duráveis, ofereciam melhor qualidade de imagem que as fitas VHS e permitiam que os estúdios de Hollywood vendessem filmes diretamente ao público. Isso representava uma ameaça à Blockbuster, que atuava como intermediária de aluguel entre as fitas VHS produzidas pelos estúdios e os consumidores com orçamento limitado.
A Blockbuster teve uma chance de evitar esse problema—e a desperdiçou. Em 1997, a Warner Brothers ofereceu à Blockbuster a possibilidade de alugar DVDs da Warner antes que fossem vendidos ao público, em troca de 40% de participação. A Blockbuster rejeitou o acordo. A Warner, então, ofereceu o mesmo acordo ao Wal-Mart, que o aceitou. O Wal-Mart rapidamente superou a Blockbuster como a maior fonte de receita para o estúdio. Schumpeter não ficaria surpreso.
A segunda ameaça foi um modelo de assinatura que eliminava as multas por atraso. Em 2000, as multas por atraso renderam $800 milhões para a Blockbuster—mas também geraram um grande ressentimento entre os consumidores. Fundada em 1997, a Netflix pioneira em um modelo de assinatura em que os consumidores pagavam uma taxa mensal fixa para alugar um número determinado de filmes.
Em 2000, a Blockbuster teve a oportunidade de comprar a Netflix por $50 milhões. Em um momento agora irônico, o cofundador da Netflix, Marc Randolph, relata que o CEO da Blockbuster, John Antioco, e outros executivos riram na cara da equipe da Netflix! Mais uma vez, Schumpeter não ficaria surpreso.
A Netflix abriu um novo mercado—ninguém usava o correio para entregar DVDs antes. Outra inovação foi um algoritmo no site da Netflix que sugeria novos filmes. Após assistir a cada filme, os usuários podiam avaliá-lo, e o algoritmo usava o histórico de visualização e as avaliações dos usuários para prever o que eles poderiam querer ver em seguida.
O modelo de negócios da Netflix explorou as fraquezas da Blockbuster. A presença de muitas lojas físicas, antes um ativo, tornou-se excessiva, levando a uma experiência inconsistente. A Netflix era totalmente online, oferecia uma interface amigável e podia ser acessada do sofá de casa. E, claro, as infames multas por atraso da Blockbuster, um problema que a Netflix evitou completamente.
Em janeiro de 2010, as ações da Blockbuster haviam caído 91% em relação ao seu auge, e a empresa foi retirada da Bolsa de Nova York. Em 2011, a Blockbuster entrou com pedido de falência.
Se a Blockbuster representa a destruição em nosso estudo de caso, a Netflix representa a criação. Da mesma forma, no início da Era da IA, o ChatGPT e seus concorrentes são exemplos de criação. A destruição virá para empresas e trabalhadores que não conseguirem inovar frente às mudanças trazidas por software como o ChatGPT, provavelmente impactando o trabalho de colarinho branco, como programação.
Mas, assim como em ondas anteriores de inovação, os que forem deslocados inevitavelmente encontrarão novos papéis no cenário transformado, que hoje nem imaginamos. Quem, nos anos 1990, poderia considerar a criação de conteúdo online como uma ocupação?
O caso da Netflix versus Blockbuster mostra como, quando permitido florescer em um mercado livre e funcional, o vendaval de destruição criativa de Schumpeter sopra com uma força incrível—melhorando a qualidade de vida por meio da inovação, mas deixando um rastro de destruição, como no caso da Blockbuster.
Os exemplos da Netflix e da Uber ajudam a entender possíveis futuros na Era da IA. Em indústrias onde a inovação é permitida e segue seu curso, podemos esperar mudanças conforme novas empresas surgem, substituem as antigas e tornam-se novas líderes de mercado. Indústrias com proteções políticas entrincheiradas buscarão proteção governamental para resistir aos efeitos da mudança tecnológica.
Ambos os caminhos prometem muita disrupção e incerteza. Mas, como bem sabia Schumpeter, quando permitida a seguir seu curso, a destruição criativa impulsiona o crescimento econômico e, em última análise, leva a padrões de vida melhorados e novas formas de fazer as coisas, inimagináveis hoje.
John T. Dalton é professor associado de economia na Wake Forest University.
©2024 FEE – Foundation for Economic Education. Publicado com permissão. Original em inglês: Lessons from the Rise of Netflix and the Fall of Blockbuster