Símbolos das enchentes que devastaram o Rio Grande do Sul, os municípios de Roca Sales, Muçum e Cruzeiro do Sul, no Vale do Taquari, ainda exibem feridas abertas da tragédia, que completa seis meses nesta terça-feira, 29. A reportagem é do jornal Folha de S.Paulo.
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As marcas vão além do visível rastro de destruição material e avançam de forma profunda no tecido social e econômico dessas cidades — destaca o jornal — que agora convivem com casas abandonadas, comércio esvaziado, anúncios de venda ou aluguel e migração involuntária de moradores.
“Depois de setembro e novembro, a gente conseguiu gerar um sentimento de pertencimento, de autoestima, de recuperação mais rapidamente”, afirma à Folha o prefeito de Muçum, Mateus Trojan (MDB). “Só que a reincidência torna isso praticamente impossível.”
“As pessoas ainda estão muito marcadas, num ponto ainda de desmotivação. Até pela impossibilidade de as famílias conseguirem reagir com forças próprias, como conseguiram nas outras vezes”, acrescenta. “Elas esgotaram a sua capacidade de reinvestimento, de endividamento.”
Em entrevista ao jornal, o prefeito afirma que Muçum é hoje uma cidade triste. Tanto pelos que partiram quanto pelo trauma que assombra aqueles que ficaram.
O prefeito estima que cerca de 600 pessoas ainda estão fora do município, cerca de 13% da população de 4.694 pessoas. O vazio nas ruas, no entanto, dá a impressão de uma evasão maior.
Economia local sente os efeitos das enchentes
A economia local também sente os efeitos, destaca a Folha. Marco Antonio Vendramini, 59, é dono de um mercadinho na avenida Fernando Ferrari, região central da cidade, e traduz a situação ao se apresentar à reportagem: “Tentando ser um comerciante”.
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Ele tem experiência com enchentes. Abriu sua primeira bodega em 1993, do outro lado da rua, e depois a converteu em um mercadinho. Lá, pegou cinco ou seis enchentes até que decidiu se mudar em busca de proteção.
Construiu um novo prédio com piso elevado e pé-direito alto, equivalente ao de uma casa de dois andares. Mesmo assim, foi atingido pelas três enchentes do último ano — em uma delas, a água bateu no teto.
O comerciante conseguiu reabrir em agosto, três meses depois das chuvas de maio. Priorizou a reconstrução do negócio em detrimento da própria casa, cujo telhado segue esburacado.
Voluntários ajudaram na limpeza, mas os vestígios da lama ainda são visíveis em mercadorias não perecíveis, como chinelos e sacos de prego, vendidos com desconto para tentar minimizar o prejuízo.
“Perdi uma parte da mercadoria, mas o que mais perdi foram os consumidores, que debandaram da cidade”, diz ele à Folha.
Segundo Vendramini, as vendas de hoje representam apenas 25% do que eram antes da tragédia. A queda no faturamento o forçou a dispensar um de seus dois funcionários e atuar como um faz-tudo, da limpeza à manutenção, do caixa à reposição do estoque. “Estou me virando para segurar as portas abertas”, acrescenta.
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O comerciante afirma ter uma pequena esperança de que as coisas voltem, ainda que devagarinho. Ele deixa transparecer sua insegurança sobre o futuro, já que as novas casas serão construídas em áreas mais altas, longe do atual centro da cidade.
“O meu plano, por enquanto, é ficar aqui até o final do ano, dar um tempo, ver se realmente o pessoal quer voltar”, afirma à Folha. “O comerciante tem que ir aonde tem consumidor, não adianta ficar onde não tem ninguém. Aqui já não tinha muito, e agora diminuiu.”
E se as famílias não voltarem, o mercado vai fechar? “Provavelmente”, responde. “Se eu fosse mais jovem, sairia daqui, começava outro negócio, em uma outra cidade, livre dessa assombração. Na minha idade, abrir outro negócio já é bastante crítico. Então, acho que vou me esconder da morte. Vou fazer o quê?”