Antônio Carlos Gomes Belchior Fontenelle Fernandes, conhecido simplesmente como Belchior, figura como um dos maiores compositores e intérpretes da música brasileira.
Nascido em Sobral, no Ceará, em 26 de outubro de 1946, ele foi criado em uma família tradicional nordestina, onde cresceu cercado pelas influências culturais e pelas dificuldades econômicas da região.
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Desde cedo, Belchior destacou-se pelo interesse nas letras e na filosofia. Sua formação foi rica em estudos religiosos e clássicos, como latim e teologia. Na juventude, seus gostos literários começaram a moldar sua visão crítica do mundo e do homem, uma perspectiva que transpareceria em suas composições futuras.
No final da década de 1960, Belchior já flertava com o universo musical, mas sem a certeza de que esta seria sua vocação definitiva. Entre a boemia e a universidade, suas letras ainda eram longos poemas e epopeias que pouco se adequavam à música popular da época.
Em Fortaleza, ele começou a colaborar com músicos locais e estabeleceu conexões que mais tarde o impulsionariam para o cenário nacional. Em 1971, Belchior venceu o Festival Universitário da Record, um marco importante que lançou sua carreira em um cenário nacional ainda ávido por novos talentos.
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Belchior alcançou o grande público com o lançamento de seu disco Alucinação, em 1976, obra que consolidou sua presença na MPB. O álbum, com canções como Apenas um Rapaz Latino-Americano, Como Nossos Pais e Velha Roupa Colorida, projetou a voz de um jovem crítico e incisivo, pronto para enfrentar a realidade de um país sob o peso da ditadura.
Belchior se destacava pela habilidade em traduzir sentimentos de alienação, pertencimento e luta, características que o colocaram como um símbolo da contracultura brasileira e da “geração desbunde”, que resistia aos moldes rígidos da política e da moralidade estabelecida.
No entanto, o que parecia ser uma trajetória de sucesso consolidado logo se complicaria. Em 2007, Belchior desapareceu dos holofotes, abandonou a vida pública e, com ela, dívidas acumuladas. A mídia e seus fãs especularam sobre sua decisão de se exilar e de viver uma vida de “fuga”, quando cruzou as fronteiras do Brasil e encontrou refúgio no Uruguai.
A natureza de seu exílio é rodeada de mistério, já que o próprio cantor alimentava especulações em suas entrevistas enigmáticas. Durante o período, ele mantinha contato com poucas pessoas, como amigos próximos, que relataram sua resistência a qualquer tentativa de ajuda financeira.
O legado de Belchior
Em 30 de abril de 2017, Belchior foi encontrado morto no apartamento em que vivia com a mulher, em Santa Cruz do Sul, no Rio Grande do Sul. A morte gerou comoção e um amplo movimento de revisitação de sua obra. Para muitos, ele se tornara mais do que um músico; ele era um filósofo urbano, alguém que traduzira em versos e melodias as angústias e esperanças do povo brasileiro.
As canções de Belchior carregam uma força poética e política singular, traço que o torna um dos maiores letristas do país. Ele utilizava sua voz anasalada e tom crítico para abordar temas como a alienação, o exílio e a rebeldia, muitas vezes acompanhados de um sarcasmo elegante.
Ao sumir definitivamente, Belchior se uniu a uma elite de artistas que, ao se calarem, acrescentaram ao seu próprio mistério. Sua obra permanece viva, continuamente interpretada por artistas e revisitada por críticos e fãs que tentam compreender a complexidade de suas canções e o impacto de sua presença e ausência.
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